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SALA DOS LENTES - FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
A história
da Faculdade de Medicina
da Bahia, diz Malachias Alves dos Santos
em sua
memória histórica
relativa ao ano
de 1854, a
primeira a ser
escrita, divide-se em
quatro períodos.
O primeiro, de 1808 a 1815, é o mais precário.
Tem origem na carta
régia de 18 de fevereiro
de 1808, pela qual
se procurou satisfazer a urgente
necessidade de dar
cultura às ciências
médicas da Bahia. Criou-se naquela época "uma escola de cirurgia
no Hospital Real
Militar desta cidade,
para instrução
dos que se destinam ao exercício desta arte"'.
A escola
funcionou com o Dr. José Soares de Castro, nascido em
Portugal, e encarregado do ensino de anatomia,
e o cirurgião Manuel José Estrela,
nascido no Rio de Janeiro,
destacado para
o ensino da cirurgia.
Os dois
professores "não
dispunham de meio algum
para o ensino
eficaz da cirurgia
nem percebiam qualquer
salário. As lições teóricas eram
proferidas em uma sala
do hospital militar, a qual contava com
uma cadeira para o lente e uma mesa,
além de bancos
para os alunos"
(ibidem).
"As práticas
ou demonstrações
sobre cada
um dos objetivos
cirúrgicos que se tiverem tratado - dizia a carta
régia - se farão em
uma das enfermarias que
lhe será franqueadas duas vezes por semana, sem contudo fazer reflexões à cabeceira
dos doentes, mas
sim na sala
de aula, pois
o curativo cirúrgico pertence ao cirurgião-mor do hospital,
que só
para isso tem
atividade"(2). E acrescenta:
"É essencialmente necessário
que haja boa inteligência
entre ambos
os professores para
que a discórdia
não perturbe o importante
objetivo do ensino"
(ibidem).
O curso
tinha a duração
de quatro anos.
A matrícula obrigava a freqüecia às aulas,
mas não
impunha deveres aos alunos,
porquanto - diz Malachias - "sou
informado de que aos lentes nem respeito nem consideração guardavam os seus
discípulos"'. E conclui: "Do que foi neste primeiro período o ensino da
medicina na Bahia se pode ajuizar por aquele empréstimo de ferros
velhos para o
ensino da anatomia,
e ainda melhor,
pelo fato de
terem alguns dos alunos
de então tornado
a se matricular em
1816, quando começou a funcionar
o colégio de Cirurgia
(ibidem).
Na opinião
de Freire de Carvalho Filho, a nossa faculdade, desde sua origem,
cumpriu a sua missão
com seriedade
e altivez. "Não
sou daqueles que pensam que, no modesto período primitivo de 1808 a 1816, fosse nulo
ou quase
tal o ensino
médico"(3). E acrescenta: "O ilustrado Dr. Braz do Amaral, em seu brilhante discurso
proferido em outubro
de 1908, por ocasião
das festas comemorativas do 1° centenário de fundação
do ensino médico
no Brasil, disse que "os documentos existentes no arquivo público
mostram que ela
viveu vida útil
e que nela se ensinou e nela se
aprendeu. Eram honestos os tempos e severo
o modo pelo qual se entendia o serviço
público e as obrigações
contraídas. Não só
os dois primeiros
professores não
faziam daquilo uma perambulação, como até reclamavam, com
energia, pela
severidade do ensino,
conforme se vê
dos ofícios dirigidos ao governador sobre
estudantes que
faltavam, e nas reclamações enérgicas acerca
da retirada precipitada que
faziam, algumas vezes, dos cadáveres que
eram precisos para
as dissecções anatômicas" (ibidem).
O segundo
período, estende-se de 1816 a
1832. Começa com
a carta régia
de 29 de dezembro de 1815, a qual reorganizou o ensino
médico, determinando que o curso de cirurgia fosse realizado em
cinco anos,
com cinco
cadeiras e que
a escola fosse transferida para as instalações
da Santa Casa
de Misericórdia, na rua
do mesmo nome,
sob a denominação
de "Colégio Médico-Cirúrgico":
"Muito embora
o colégio tivesse vida
independente e nobre",
comenta Malachias, "ficou limitado, apenas,
a um corredor
do edifício da Santa
Casa, dividido em
três pequenas
salas, das quais
uma inutilizada por servir
de passagem para
as outras repartições. Tinha por anfiteatro de dissecção
e operações um
pequeno quarto
escuro, compreendido na enfermaria mais
baixa do hospital"'.
O terceiro
período, muito
fecundo, vai de 1832 a 1854, tendo como ponto de partida a lei
de 3 de outubro de 1832, lei muito avançada para a época, o que ensejou sensível alento
para o ensino.
O curso foi ampliado para
seis anos
e deu-se o nome de "escola" ou
"Faculdade de Medicina"
aos colégios médico-cirúrgicos da Bahia
e do Rio de Janeiro.
A Faculdade
da Bahia voltou a funcionar no antigo
Colégio dos Jesuítas,
no Largo do Terreiro
de Jesus, vago pela
remoção do Hospital
Real Militar.
Tendo sido para aí
também transferidas as enfermeiras do Hospital da Santa Casa. "Foram destinados á faculdade
todo o andar
de cima, a Casa
da Botica e seus
anexos, as salas
que ficam no corredor
de baixo e o teatro
anatômico, ficando as obras que se tornarem necessárias à disposição
da faculdade, que
dirigirá o arquiteto que para elas for designado"1.
O quarto
período, foi um período
de franco retrocesso.
Teve início com
a reforma de 1854, a
qual, no dizer
de Pacífico Pereira, "deu o último golpe à organização liberal
de 1832, suprimindo as concessões da lei que
permitiu às faculdades vida autônoma e
próspera, cerceando as atribuições e prerrogativas
das corporações docentes,
em vez
de desenvolver o plano
de organização didática e administrativa,
iniciado pelos
estadistas da regência, reduzindo assim o ensino superior à esterilidade
a que foi condenado por
mais de vinte e cinco
anos"(2).
Dentro
da faculdade, apesar
de tudo, começou a fermentar
a semente da qual
desabrochariam, com o correr
do tempo, frutos
os mais fecundos.
Tais frutos,
multiplicados ao longo de alguns decênios,
fariam da Bahia um dos maiores centros
médicos do novo
mundo.
Vejamos alguns
exemplos:
José Avelino Barbosa, formado pela Universidade
de Edimburgo, foi eleito pelos seus pares, em 1829, nosso primeiro diretor. Partidário ardoroso da independência,
desempenhou papel relevante
nas terríveis lutas,
que se travaram neste estado, pela liberdade do povo
brasileiro, o que
muito contribuiu para
o sentimento de rebeldia
e progresso, desde
então incorporado à instituição.
José Lino Coutinho, seu substituto,
formado em Coimbra, clínico
competente e humanitário,
mestre dos mais
cultos, tribuno
proeminente, estadista
de escol, administrador
operoso e dotado de espírito
avançado, além
de homem de letras
e jornalista, iniciou o soerguimento da tradicional
casa de ensino.
Do mesmo
estofo foram:
José Vieira de Faria Aragão
Ataliba, também formado em Coimbra, notável
orador e professor de renome.
Malachias Álvares dos Santos, formado pela
Bahia, lente respeitável,
orador e filósofo, autor
da primeira memória
histórica da nossa
faculdade. No conceito
de Oscar Freire(4), Malachias foi "um
dos mais brilhantes
talentos e das mais
sólidas culturas que
passaram pela Faculdade
de Medicina". Aranha
Dantas, em sua
memória histórica
referente ao ano
de 1855, registra o fato
seguinte: "Véspera do memorável 2 de Julho,
à noite, quando,
entusiasmados pela recordação das glórias da pátria,
atravessavam o terreiro os batalhões patrióticos
em marcha
para a Lapinha,
de uma das janelas da escola deu o digno
lente Sr. Dr. Malachias o magnífico espetáculo da luz elétrica, admirável fenômeno, cujo ensaio, não me consta, já fosse feito por alguém no
Brasil"(5).
Jonathas Abbott, nascido na
Inglaterra, naturalizado brasileiro e por
todos os títulos
considerado um dos melhores
professores de medicina do Brasil(6).
Manoel Joaquim Henriques de
Paiva, formado por Coimbra,
"revelou-se sempre um espírito
brilhantíssimo, quer como jornalista e publicista, quer
como professor,
conforme demonstra sua
vasta e interessante bibliografia", afirma Sá de Oliveira.
E completa: "Era
um verdadeiro
sábio"! (ibidem).
Antonio José Alves, Antonio José
Osório, Manoel Ladislau Aranha Dantas (primeiro sergipano a ser professor da Faculdade
de Medicina da Bahia), Joaquim Antônio de Oliveira Botelho e outros
mestres ilustres,
muito fizeram pelo
engrandecimento do vetusto berço da medicina brasileira, pelo que merecem admiração e respeito.
É de todos
sabido o esforço
de José Lino Coutinho no sentido de melhorar
o ensino médico
no Brasil, esforço que
ultrapassou os definidos limites do "Projeto
de Reforma das Escolas de Medicina"
por ele
apresentado ao parlamento do império em
1827. Não desconhecemos a atitude
de Antônio Policarpo Cabral, propondo à congregação
proibir-se o uso das célebres "sebentas" da Universidade
de Coimbra. Não ignoramos, igualmente, o esforço de Manoel Ladislau Aranha Dantas, publicando para
os alunos a sua
"patologia externa",
fato que
não era
de modo nenhum
freqüente naquele tempo(3).
A contribuição
de Jonathas Abbott, o grande professor de anatomia,
foi extraordinária. Nascimento Blacke
pontifica: "Grande anatomista, como não me consta que
tenha existido igual no Brasil, foi o fundador do gabinete
anatômico da Faculdade da Bahia, que continua uma coleção
de peças curiosas, já
notável antes
que fosse instituído o da corte
e ao qual, por
deliberação da mesma
faculdade, foi dado
o título de Gabinete
Abbott"(7).
Conta
Oscar Freire, a propósito do ensino
ministrado por Abbott, o seguinte: "Em
1849, Firmino Coelho do Amaral apresentou,
para obter o grau de doutor em medicina, uma tese sobre
"o médico na Bahia". Nesse corajoso trabalho o autor descarna com
rigor e má vontade
as mazelas do ensino
médico naquela época,
em que
não descobre nada
de aproveitável, pecando talvez por
exagerado pessimismo. Há na tese - diz Oscar Freire visível
preocupação de evidenciar
independência, evitando o autor `com cuidado' qualquer elogio
aos professores"(4). Ao referir-se
à cadeira de anatomia,
o autor de tão
descabida tese
interrompe sua enxurrada
de impropérios e relata o seguinte: "Ao chegar
ao 2° ano o estudante
paga a segunda
matrícula e pretende estudar
a anatomia e a química.
Ainda a primeira
destas duas é entre nós
mais ou
menos sabida,
porque, além
da eloqüenciae saber da pessoa que a leciona,
as necessidades materiais,
mesmo antes
da vinda do cadáver
de cartão do Dr. Auzou, eram
satisfatoriamente preenchidas, porque raro é o
estudante que
não tem os ossos
do esqueleto, ou
por ele
mesmo preparados,
ou por
outro que
Ih'os cedeu gratuitamente
ou com
algum interesse:
os cadáveres, é verdade,
eram e são ainda,
muito difíceis de se obter,
não só
porque é muito
limitado o número de mortos do hospital da Misericórdi , como
também porque
alguns destes não
podem, servir pelo estado de putrefação e, outros, por
serem reclamados pelos parentes, que quase sempre
aparecem nessas ocasiões com supersticioso
e mal-entendido sentimento
de humanidade".
Continua o autor
da tese: "Com
tudo isso,
quem gosta
de estudar, aproveita, e de tal
modo o faz que
na Bahia se sabe tanta anatomia que sobre esta ciência
ganhou-se um prêmio
na Europa. João Leslie, estudante do 4° ano da Escola
da Bahia, quando passou-se para a Inglaterra, a fim
de concluir sua
carreira na Universidade de Edimburg,
na Escócia, teve de fazer exames
em todas as matérias
aqui aprendidas, para
poder então
matricular-se lá, e sendo permitido os examinados proporem-se a louvor ou a simples aprovação.
No que diz respeito
à anatomia, o exame
foi coroado de bom sucesso
e um diploma com alguns livros foram-lhe dados,
como um
título honroso
do seu aproveitamento(7).
Diz Rodolfo Teixeira: "1832
é o ano em
que o ensino
da medicina adquire formas definidas de maturidade,
é o ano em
que, inspirado no valor
da ação de José Lino Coutinho, criou-se, realmente, a Faculdade de Medicina da Bahia.
Dela não se poderia
exigir qualidade
e perfeição. Difícil
vencer os obstáculos.
Instalações precárias e material de ensino improvisado. Fazia-se o melhor
possível. Os formandos mais protegidos pela
fortuna de suas
nascentes seguiam adiante,
em busca
do melhor, em
centros de ensino
do velho mundo.
Voltavam e se constituíam em sementes de progresso,
abrindo a visão de horizontes
mais amplos
e distantes. No entanto, de quando em quando, buscando ambiente
e mercado de trabalho,
que não
haviam encontrado nas suas terras, chegavam à Bahia médicos
diplomados em
centros de maior
reputação do mundo.
De permeio com
os bons, algumas figuras
suspeitas de aventureiros,
de origens, tantas vezes,
duvidosas"(8). E conclui: “Tal era a comunidade
médica na quadra
de sessenta do século passado na cidade
da Bahia - uma casta à parte - a dos professores
da faculdade, os médicos
da terra, com
e sem viagens
ao estrangeiro, e os profissionais dos outros
países" (ibidem).
A propósito
dos médicos de origem
estrangeira, diz Antonio Caldas Coni: "A história
da medicina em
nossa terra não se resume
na história da sua
instituição oficial,
a por todos
os títulos gloriosa Faculdade
de Medicina. Dela escreveram páginas
vivas e de inexorável
brilho médicos
que não
tiveram cátedras, sobressaindo
os da tríade fulgurante,
passados já
à história como
verdadeiros fundadores
da medicina experimental no Brasil. Refere-se Caldas Coni aos Drs. Otto Wucherer, John Ligertwood
Paterson e José Francisco da Silva Lima,
três clínicos
e pesquisadores estrangeiros que transformaram a medicina
brasileira. Três
homens incomuns,
três personagens
ilustres, três
iluminados que aqui,
em plena
época do animismo
pré-pasteuriano professaram a mais pura, a mais científica e a mais
nobre medicina,
não somente
da Bahia e do Brasil, mas de toda a América Latina!
Os três
aglutinaram em torno
de si um
grupo de facultativos
dedicados e iniciaram, a partir de meados do último século, os "anos
dourados" da nossa
medicina.
Otto Wucherer nasceu na cidade do Porto, no ano de 1820. Filho
de pai alemão
e mãe flamenga,
recebeu o grau de médico
em 1841, na Universidade
de Turingen, na Alemanha. Chegou à Bahia em
1841. Este sábio
foi, por todos
os motivos, uma figura
extraordinária ao longo
de mais de 25 anos,
como grande
clínico, pesquisador
e higienista, viveu entre nós inicialmente,
ao lado de Paterson e - a partir
de 1852 - ao lado de Paterson e Silva Lima, escreveu páginas
gloriosas e emocionantes, páginas de incomensurável valor.
Aqui enfrentou a epidemia
de febre amarela,
cujo diagnóstico
esclareceu. Ditou normas, defendeu princípios, impôs argumentos
e transformou sua própria
casa em
hospital. Lutou com
tanto heroísmo
que a muitos
pareceu ser imune
ao vírus amarílico.
Certo dia
disse, amargurado, a Silva Lima:
"Fechei minha casa,
onde tinha
enfermaria. Entraram lá 20 doentes
de febre amarela e saíram 21 cadáveres, incluindo o da minha
esposa!(9)
Não
foi o bastante. Wucherer fez muito mais:
lutou também contra
o cólera morbus, estudou os ofídios brasileiros,
produzindo trabalhos ainda hoje clássicos, esclareceu a etiologia
da hipoemia tropical, nela identificando
os ancilostomídeos de Dubini descobriu nas urinas
hematoquilúricas as microfilárias do filarídio de Brancoft, o qual é hoje
chamado, em sua
homenagem, Wuchereria bancrofiti.
John Ligertwood Paterson foi outro cientista
famoso e, de igual
modo, clínico
de escol. Nasceu no mesmo
ano em
que nasceu Wucherer e se formou em medicina também no mesmo
ano em
que Wucherer se formou. Era natural da
Escócia e desde cedo
demonstrou profundo interesse
pela língua
e literatura latinas, as quais
dominou. Os estudos subseqüentes,
de natureza humanística e diversificada,
possibilitaram-lhe sólida base para o curso médico,
realizado na Universidade de Aberdeen. Tão logo foi diplomado em medicina, rumou para Londres,
levando no coração o desejo de ser membro do Real Colégio de Cirurgiões.
Enquanto aguardava o exame
necessário à sua
aprovação, ainda convalescente de grave moléstia,
enfrentou a banca examinadora e
conquistou, com galhardia,
o almejado troféu. Em
seguida, freqüentou hospitais, privando
com os mais
notáveis professores londrinos e quando se convenceu ter
aprendido o bastante, foi a Paris com o objetivo
de beber na fonte medicina pura e atualizada.
Na capital francesa, entrou em contato com grandes figuras
da profissão. Partiu depois para a Suíça, Itália e Áustria, sempre
à procura de colegas
ilustres e hospitais
famosos, os quais,
no seu modo
de dizer, "eram escolas
vivas e permanentes
de ensino prático
e perenes fontes
de conhecimento" (ibidem). Em
1842, depois de voltar
à sua terra natal e desfrutar por certo tempo
o alegre convívio
paterno, rumou para
o Brasil. Aqui chegou, na Cidade do Salvador, em 7 de novembro
do mesmo ano,
submetendo-se ao exame de suficiência
e de verificação de título,
na Faculdade de Medicina.
Obtida a licença para
o exercício legal
da profissão, assumiu os compromissos do seu
irmão e colega,
Dr. Alexandre Paterson, isto é, os de médico da colônia
inglesa e de um pequeno
hospital, com
dispensário, que
era ao mesmo
tempo sua
residência e no qual
recebia os tripulantes da Marinha britânica.
Por ocasião
da chegada do Dr. John Paterson, o pequeno
hospital passou a funcionar
na rua da Alegria,
nos Barris. Mais
tarde, Paterson o adquiriu e nele
residiu até a morte,
sendo por isto
conhecido, durante
muito tempo,
como "a casa
do doutor inglês".
À clientela
dos seus compatriotas
somou Paterson a da população em geral e de tal modo o fez que,
segundo afirmação de Silva Lima, "com
o andar do tempo
chegou, em extensão
e trabalho, a proporções
verdadeiramente assombrosas e nunca vistas nesta cidade"(9).
No dizer do grande
médico lusitano,
"o Dr. Paterson continuava aumentando a obra
criativa começada pelo
seu irmão,
e com o mesmo
sucesso, a clínica
dos pobres, que
já então
sabiam o caminho da "casa do doutor inglês", para onde afluíam em
grande número
todas as manhãs" (ibidem).
Bem cedo conquistou a estima e
o respeito do povo
e da classe médica,
graças não
somente à sua
qualificação como também aos seus dotes pessoais de fino
cavalheiro e de culto
homem de letras. "Até 1858, o Dr. Paterson não
tinha família.
Vivendo só, consagrava o seu tempo e a sua atividade
aos seus doentes
e aos seus estudos,
em proveito
próprio e deles. Raríssimas vezes
era visto
em sociedade,
mesmo na dos seus
compatriotas. Em
público só
era encontrado no trabalho,
quase sempre
a cavalo, de dia
e de noite, a correr,
ao sol e à chuva,
em toda
a parte e a toda
a hora" (Caldas
Coni, obra citada). A sua faina
começava cedo, quase
sempre pela
alta madrugada.
"Depois de infalível
banho frio
de imersão começava a consulta matinal, quase sempre à luz
do gás. Ao cabo
de duas horas, ou
pouco menos,
interrompia o exame dos doentes,
pela maior
parte de pobres,
e despedia os restantes até o dia seguinte"
(ibidem). Prossegue Silva Lima: "Após uma refeição ligeira,
montava a cavalo, fazia as suas visitas até as duas horas
da tarde, depois
de um jantar frugal saía outra
vez, e voltava à casa
à hora incerta da noite,
e às vezes tão
tarde e tão
fatigado que caía a dormir
vestido, em
uma cadeira de descanso,
durante as três
ou quatro
horas que
lhe restavam para
o repouso. Não
raro era
interrompido por
chamadas de emergência.
Houve tempo em
que ele
se viu obrigado a ocultar-se em outra casa, a alguma distância
da sua, mas
noites em
que lhe
era absolutamente
necessário estudar ou dormir em liberdade.
Algumas vezes
notavam os colegas nas conferências, que,
afrouxando um pouco
a conversação, ou
não tendo ele
de falar, caiam-lhe as pálpebras,
irresistivelmente vencidas por uma sonolência inoportuna" (ibidem).
Para atender atividade tão exaustiva e incomum,
era-lhe preciso ter
prontos e à mão
pelo menos três cavalos, para fazer as mudas necessárias ao serviço
do dia e da noite".
Em
meio a tão
trepidante existência,
desposou Paterson, em 1857, miss
Caroline Mary, nascida no Rio
de Janeiro. Embora
casado, em
nada mudou seus
hábitos, horários
e costumes, contrariando a expectativa das pessoas
mais íntimas.
Nos
doze anos que
se seguiram ao casamento permaneceu Paterson nessa atividade trepidante.
José Francisco da Silva Lima nasceu em
1826, na aldeia de Vilarinho, em Portugal. Chegou à Bahia em
1840, aos 14 anos de idade. Doutorou-se em
nossa faculdade
em 1851 . Naturalizou-se brasileiro
em 1862. "Em
pouco tempo
- diz Braz do Amaral - se fez a sua aproximação com os dois homens de mais renome na
Bahia, no cultivo das ciências médicas: Wucherer e Paterson. "Espírito culto,
dotado de rara penetração
dos fatos mórbidos,
Silva Lima era
o centro de atenção
da mocidade estudiosa
do seu tempo,
que dele se acercava, sequiosa, para dos seus lábios haurir a avisada palavra do clínico,
veículo suave
da erudição profunda
que desfrutava, e a cujo
condão muitas dúvidas
se dissipavam, até mesmo
da gente provecta
- nos embaraços
charadísticos da profissão. Reunia excelentes qualidades
de mestre, e o era,
de fato, sem
ser professor”(10). Disse
Aristides Novis: "Devoto impenitente do livro,
sua farta
biblioteca não
conseguia mitigar, ao investigador,
o prurido incoercível
de aprender. Preferia,
por isso,
ter no doente, cujas edições são sempre novas, porque
infinitas, ao passo que,
nas estantes do médico,
as tiragens, por
mais assíduas, perdem sempre no confronto com as cambiantes
inéditas do mal" (ibidem).
De 1866 a 1908 publicou quase 100 trabalhos
científicos do maior
valor. Relacionamos dentre
eles os referentes
ao ainhum (doença que
recebeu o nome de "doença
de Silva Lima"), à febre amarela,
ao beriberi, à filariose, etc. Durante o período de 1864 a 1890, exerceu o cargo de médico da Santa Casa de Misericórdia, isto
é, por 26 anos
consecutivos, prestando àquela casa notáveis e
copiosos serviços
em favor dos pobres e desamparados. Serviu
à higiene pública
como vacinador domiciliário, presidiu o
conselho sanitário estadual e exerceu
inúmeros outros encargos
e funções de natureza
científica e humanitária,
pelo que
mereceu as mais altas
homenagens de inúmeras instituições e sociedades; tais
como a Sociedade
de Medicina da Bahia, a Sociedade
de Ciências Médicas de Lisboa, a Sociedade Médica da
Argentina, o Instituto Geográfico e Histórico
Brasileiro, a Academia
Nacional de Medicina, a Associação
Médico Farmacêutica
de Pernambuco, o Instituto Histórico e Geográfico
da Bahia, etc.
"Modelo
vivo da deontologia médica",
definiu-o o seu grande
discípulo Pacífico
Pereira(12). "Era
um compêndio
de ética profissional", afirmou
Braz do Amaral, por ocasião
da sua morte,
ocorrida no dia 10 de fevereiro de 1910, quando
completava 84 anos de idade(10).
Clínico
de escol, pesquisador
dos mais lúcidos
e primososos assim definiu a sua profissão:
"O médico digno
deste nome, consagra à humanidade as suas
vigílias, o sacrifício
de seus prazeres, das suas comodidades,
os frutos da sua
inteligência, a sua
vida até,
se for necessário, e aos seus
irmãos na ciência
- a lealdade, a franqueza
e a consideração sem
limites nem
restrições. São
estas as diferenças principais
que distinguem a profissão
médica de um
ofício mecânico
e mercenário ou
de uma especulação mercantil ou
industrial”(12).
Em
1883, Virgílio Damásio percorreu dez países europeus
e publicou importante relatório, rico de observações pessoais.
Dito relatório,
obra rara,
infelizmente esgotada, serviu de lastro para a estruturação
científico-cultural da chamada "Escola Médico-Legal
da Bahia", sedimentada por Nina
Rodrigues e Oscar Freire. O primeiro, "pelo cabedal de sua erudição, o rigor das suas pesquisas,
a capacidade do seu
trabalho e a amplidão
dos seus estudos(13).
E completa Lamartine Lima:
"Depois de publicar
muitos artigos
e teses, Nina Rodrigues lançou o seu primeiro livro, em julho de 1894, sobre
dois dos temas
que, naquele momento,
envolviam as discussões em todas as escolas de uma Europa colonialista, que ampliara sua
expansão na África desde
a conferência de Berlim, havia duas décadas: etnia
e imputabilidade" (ibidem).
Trata-se, já
se vê, da obra:
"As raças humanas e a responsabilidade
penal no Brasil". Nina Rodrigues
fundou a Antropologia Brasileira e
consolidou, em definitivo,
a chamada "Escola
Médico-Lega) da Bahia", a qual, de acordo com a mesma fonte, deu os ramos de Juliano
Moreira, Afrânio Peixoto e Diógenes Sampaio, para o Rio de Janeiro, Oscar
Freire para São
Paulo e Augusto Lins e Silva para Recife".
"Nina Rodrigues, diz Thales
de Azevedo, fez na Bahia as primeiras investigações
de campo sobre
a aculturação religiosa
e lingüística de africanos
no Brasil, formulou uma teoria sobre o hibridismo de crenças
dos escravos, empreendeu pesquisas pioneiras sobre a mestiçagem e suas conseqüências
biológicas e clínicas e exerceu uma forte influência sobre o que, no
fim do século
passado e começos
do atual, se entregaram ao estudo médico,
sociológico e jurídico da criminalidade, da religiosidade popular,
do alcoolismo, da sífilis,
das doenças mentais.
As suas pesquisas,
baseadas em conceitos
considerados científicos na época e em dados empíricos
ainda hoje
válidos, repercutiram no país e no exterior,
consagrando-o como o chefe
da Escola Antropológica
Baiana. O impacto
de suas abordagens
e de suas idéias. apesar
da reorganização doutrinal
que experimentaram as interpretações daqueles fenômenos,
acentua-se, para além
da sua morte,
quando se publicaram ou se reeditaram vários
dos seus artigos,
reinterpretados por seus
discípulos". Concluindo, disse
Fernando de Azevedo: "Nina Rodrigues, além
de inaugurar uma nova
fase na evolução
da medicina legal
no Brasil, como professor
dessa matéria de 1891 a 1906, renovou o seu espírito e
os seus métodos,
formando discípulos e criando escola."
Não
ficou aí a velha
Faculdade de Medicina da
Bahia. Outro sábio
provocaria, pouco depois,
a admiração da comunidade
científica mundial, realizando extraordinária
descoberta, luzindo ainda
mais os "anos
dourados" da nossa
medicina. "Em
1908, relata Edgar Falcão, num modesto laboratório de análises
clínicas, instalado no hospital Santa Isabel, um
não menos
modesto assistente de clínica médica,
ao fazer coproscópias de pacientes
internados no seu serviço
nosocomial, entrou a deparar, com
freqüência, elementos estranhos até então desconhecidos
em nosso
meio. Tratava-se de. ovos de helmintos, dotados de espículo lateral, cuja proveniência intrigou a curiosidade
do observador." Quatro
anos antes,
este os havia encontrado em idênticas condições, sem
poder esclarecer-lhes as origens.
Nessa época, porém, já
lhe chegara aos ouvidos
o rumor de determinada
contenda, estabelecida no velho mundo, a propósito da
significação de tais elementos. Segundo
uns, não passavam de meras variantes , de ovos
de Shistosoma haematobium, trematódio produtor
da hematúria do Egito. Conforme outros, constituíam elementos
de uma nova espécie
batizada em
1907 pelo prof. Sambon, com
o nome de Schistosoma mansoni. Defendia
entusiasticamente a primeira hipótese o maior
helmintologista da época, Arthur Looss, do
Cairo". O jovem médico baiano, Manoel Augusto Pirajá da Silva, levantou bem
alto o seu
nome e o da sua
faculdade, descrevendo com
admirável precisão
a nova espécie
de helminto encontrada nos pacientes por ele necropsiados. De tal
modo o fez que,
a 6 de abril de 1912, o Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo,
abriu suas portas
para receber o sábio que, a convite de Fuelleborn, proferiu belíssima conferência sobre
o novo parasito
e a nova doença,
por justiça
chamada "doença
de Pirajá da Silva".
O resto
foi um inundar
de glórias: estava fundada a "Nova Escola de
Tropicalistas da Bahia", iniciada por Pirajá da Silva e continuada por
Otávio Torres, Prado
Valadares, Gonçalo Moniz e Armando Sampaio Tavares, para
falar somente daqueles que já se
foram.
Wucherer, Paterson e Silva Lima criaram a primeira
escola de tropicalistas baianos e iluminaram com
o fulgor das suas
inteligências a idade de ouro
da nossa medicina.
Iniciaram os "anos dourados" que
fluíram, tranqüilos e belos, de 1866 até
1934, isto é, durante
a primeira fase
da "Gazeta Médica
da Bahia", trazendo no seu vórtice glorioso,
além de Virgílio Damásio, Nina
Rodrigues, Oscar Freire, Pirajá da Silva, Otávio Torres,
Prado Valadares e Armando Sampaio Tavares, luminares já
citados. Outros vultos
de raro fulgor,
tais como
Alfredo Brito, Demétrio Tourinho, Adriano Gordilho (Barão
de Itapoan), Manoel Vitorino, Pacífico Pereira, Egas Moniz, Francisco dos Santos Pereira,
Clementino Fraga, Climério de Oliveira, José Adeodato de Souza, Caio Moura, Antônio Borja, Eduardo Freire de Carvalho, Bezerra
Lopes, José Rodrigues da Costa Dória,
Aurélio Viana, Fernando Luz, Alfredo
Magalhães, Couto Maia,
Sabino Silva, Magalhães Neto, Estácio de
Lima, Inácio de Menezes, Edgar Santos e muitos
outros, para citar apenas alguns dos que já se encontram mortos.
Seria justo
desejar maior
glória do que
esta, a ter vivido
a Bahia - através de tantos homens ilustres - tantos
anos de glória?
O grande
feito que
fluiu da tríade maravilhosa
- Wucherer, Paterson e Silva Lima - foi
a "Gazeta Médica
da Bahia", relicário sagrado onde
estão documentados, mês após
mês, os "anos
dourados" da Medicina
Baiana. "A Gazeta
Médica da Bahia" - disse Pacífico Pereira
- teve uma origem das mais modestas". Descreve-a um
dos seus mais
prestantes fundadores, o Dr. Silva Lima:
"Em
1865, instituiu o provecto clínico - referia-se ao Dr. Paterson - umas amigáveis e interessantes palestras
noturnas, espécies de
"conversazione" periódica, em que duas vezes por mês tomavam parte
em mui
limitado número alguns
colegas das mais
estreitas relações. Efetuavam-se estas palestras à vez,
ora em
sua casa,
ora na de cada
um deles; e os assuntos
das sessões eram inteiramente
facultativos e às vezes
fortuitos; não
havia estatutos
nem programas,
nem fórmulas
de discussões nem
atas; ninguém
ali tinha
por obrigação
fazer cousa alguma em
tempo, modo e matéria
determinada, mas
quando, como
e o que queria ou
podia. Versavam os entretenimentos, de ordinário, sobre casos
clínicos correntes,
exames microscópicos ou oftalmológicos, inspeção
de algum doente
afetado de moléstia
importante, ou
sobre questões
e novidades científicas do tempo concernentes
à profissão ou
de algum modo
relacionados com ela"(14).
E continua: "Tomaram parte nestas conferências alguns
dos médicos mais
notáveis daquele tempo,
como o Dr. Januário de Faria, professor, depois conselheiro de Sua
Majestade, o Imperador,
e diretor da Faculdade
de Medicina, Dr. Antônio José Alves, eminente cirurgião
e também professor
da faculdade (pai
do poeta Antônio de Castro Alves); Drs. Wucherer,
Silva Lima, Pires
Caldas, Pacífico
Pereira, Vitorino Pereira,
Santos Pereira,
Maia Bitencourt, SiIva Araujo, Almeida Couto, Américo Marques e Hall,
que sucessivamente
iam tomar parte
nessa instrutiva convivência, em que todos, velhos e
moços, alternativamente
e sem que
o percebessem, tinham sempre alguma
cousa que ensinar
ou que
aprender" (Ibidem).
"Foi nestas palestras noturnas,
relata Pacífico Pereira,
por diversas vezes
interrompidas e recomeçadas que apareceu e se pôs por
obra em
1866 a idéia da publicação da "Gazeta
Médica", que
tão bons
serviços tem prestado à profissão e à literatura médica brasileira,
foi ali que
sucessivamente
foram objeto de conversação
e de estudos micrográficos a
hipoemia-intertropical e suas relações com o Ancylostoma
duodenale de Dubini, a Hematoquilúria e a Filária
aqui primeiro
descrita por Wucherer nas urinas quilosas (Wuchereria bancrofiti) e depois foi ali finalmente que por muitas vezes
veio a tela
da discussão a singular
moléstia que
desafiava a sagacidade dos médicos da Bahia e que
se achou ser idêntica
ao beriberi Indiano, descrito há mais
de dois séculos
por Bontius, e se ventilaram muitas
outras questões de interesse
geral ou
particularmente utilizáveis em suas aplicações práticas
à medicina e à cirurgia(12).
A "Gazeta
Médica da Bahia" foi publicada, com pequenas interrupções, durante
78 anos, de 1866 até
1934. Diz Rodolfo Teixeira: "Mergulhou, então,
em um
longo período
de quietude. Ressurgiu novamente
em 1966 para retornar, em 1970, ao
silêncio que
já perdura, triste
e melancólico"(8) !
Nos
78 anos de sua
ininterrupta publicação, estão os estudos
e as descobertas mais
notáveis, vindas
à luz durante
os inesquecíveis "anos dourados" da medicina
bahiana.
Folheando suas
páginas, o observador
cuidadoso, repleto
de admiração e respeito,
defronta-se com todos
os luminares que
abrilhantaram, com a sua cultura e a
sua experiência,
uma medicina que honrou a Bahia durante três quartos de séculos,
anos os mais
ricos da nossa
historiologia médica.
Encontramos em
suas páginas
os artigos mais
preciosos e os registros
mais importantes
de uma época verdadeiramente bela.
Como colaboradores, o leitor colherá nomes
como os de Paterson, Wucherer, Silva Lima, Alfredo Brito, Armando Tavares, Aurélio Viana,
Antônio Borja, Aristides Maltez, Aristides Novis, Alfredo Magalhâes, Afrânio do
Amaral, Álvaro de Carvalho, Álvaro
Bahia, Adriano Pondé,,Artur Ramos,
Clementino Fraga, Carneiro
Ribeiro, Cesário de Andrade, Climério de Oliveira,
Caio Moura, Cesar de Araujo, Colombo
Spínola, Caldas Coni, Demétrio Tourinho,
Eduardo Araujo, Estácio de Lima, Edgar
Cerqueira Falcão, Eduardo Morais, Egas Moniz, Ernesto Carneiro
Ribeiro, Fernando Luz,
Fernando São Paulo, Flaviano Silva,
Gonçalo Moniz, Genésio Sales, Gonçalves
Martins, Guilherme Pereira Rebello,
Heitor Praguer Fróes, Inácio de Menezes, João Américo Garcez Fróes, João de
Souza Pondé, José Adeodato de Souza, José Rodrigues Dória, João Gonçalves
Martins, José Júlio de Calazans, José Adeodato Filho,
Lídio de Mesquita, Leõncio Pinto, Martagão Gesteira, Manoel Vitorino, Magalhâes Neto, Manoel da Silva Lima,
Mário Peixoto, Manoel Muniz Ferreira,
Noguchi, Otávio Torres, Oscar Freire, Pacífico Pereira,
Pirajá da Silva, Pinto de Carvalho, Prado Valadares, Sebastião Barroso, Virgílio Damásio, Vidal
da Cunha e muitos
outros.
Existirá por
certo bibliografia
regional mais
rica e numerosa
e ao mesmo tempo
mais seleta?
Ali
estão, de igual modo,
naquelas páginas preciosas, registros os mais
valiosos, levados
ao conhecimento dos pósteros
por médicos
e professores famosos,
tais como
o da fauna cadavérica
da Bahia, os de achados teratológicos,
os da descrição de novos
helmintos (Ancylostoma duodenale, Wuchereria bancrofti, Schistosoma mansoni e sua furcocercária), bem como os primeiros
casos de doença
de Chagas e leishmaniose
cutânea mucosa na Bahia, e bem assim os de esporotricose, ahium, actinomicose,
sódoku, e várias outras doenças,
cranioplastias, estrongiloidose bronco-pulmonar, beri-beri etc. etc.
Ali
também, naquelas páginas,
encontrará o leitor o registro
da primeira transfusão
sangüínea realizada entre
nós.
Não
ficou no silêncio, igualmente,
a dedicação da Faculdade
de Medicina - através
dos seus professores,
funcionários e alunos
- , às nobres causas
do povo baiano,
quer a da independência,
quer à da Guerra
do Paraguai, quer a da Guerra de Canudos,
quer a das grandes
epidemias! A faculdade,
muitas vezes, foi transformada em hospital e suas salas de aula em enfermarias! Quanto
a guerra do Paraguai diz a "Gazeta Médica":
"A Faculdade da Bahia tem no Exército não menos de nove professores catedráticos,
seis opositores
e mais de 40 alunos",
sendo conveniente lembrar
que, segundo
Pacífico Pereira,
naquele tempo a congre gação compunha-se de dezoito catedráticos e 15 opositores,
havendo quatro vagas
de catedráticos e seis
de opositores.
No que
diz respeito à Guerra
de Canudos, relata Otávio Torres que
“foram utilizados, pela primeira vez,
no mundo, os raios
X como meio
de localização dos projéteis de arma de fogo em ferimentos
de guerra, pelo
grande e notável
professor de clínica
propedêutica, Dr. Alfredo Brito”(4). Este fato
ocorreu no dia 4 de agosto
de 1897, em um
soldado do 5° Batalhão
da Polícia Militar,
ferido no dia 27 de julho.
Senhores,
É nosso dever
reverenciar os grandes
vultos da medicina
e preservar com
carinho as suas
obras, sobretudo
a maior delas, isto
é, a "Gazeta Médica
da Bahia", tabernáculo onde estão guardados
para sempre,
no mais cruel
silêncio, nossos
"anos dourados"!
Pacífico
Pereira, momentos
antes da sua
morte, nos
chamou a atenção para
o cumprimento deste dever,
dizendo: "As gerações sucedem-se como os indivíduos,
e pela ordem
natural das coisas,
o acervo intelectual
de uns fica sendo patrimônio comum e inalienável de outros;
é a estas que, no seu
próprio interesse e no da comunidade
compete e importa conservá-lo, aumentá-lo, melhorá-lo e transmiti-lo aos seus sucessores;
é este o processo
que conduz à opulência
literária e científica
das nações. Com a nossa
literatura médica
é de se esperar que
suceda o mesmo, e como
ela; à imprensa
profissional que
a alimenta e propaga, como condição indeclinável de sua
própria existência
e da sua transmissão
às gerações futuras. "
Senhores,
por que
fracassamos?
Por
que nós,
baianos, justamente
nós que
possuíamos a primeira Faculdade de Medicina
do Brasil, berço sagrado
das maiores tradições
da nossa pátria;
Por
que nós,
baianos, justamente
nós que
possuíamos a primeira Revista Médica da América Latina,
revista considerada, dentro e fora
do país, como
uma das mais qualificadas do século, revista
que nossos
antepassados publicaram durante quase
80 anos, sem
interrupção, revista
que agasalha
em suas
páginas nossas mais
belas e inesquecíveis glórias;
Por
que nós,
baianos, não
somos capazes de restaurar
dois tesouros
tão preciosos?
Por
que deixamos ruir
a nossa faculdade,
por que
a deixamos em
completo abandono?
Por
que deixamos morrer
a "Gazeta Médica
da Bahia", e nem sequer dela nos
lembramos?
Será que
temos menos fibra,
será que somos menos
capazes do que
os médicos de antigamente?
BIBLIOGRAFIA
1 ALVES DOS SANTOS,
Malachias. Memória Histórica
da Faculdade de Medicina da Bahia referente ao ano
de 1854 Bahia, 1855.
2 PEREIRA,
Antonio Pacífico. Memória
Histórica sobre
a Medicina na Bahia. Imprensa Oficial do Estado.
Bahia, 1923.
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FILHO, José Eduardo. Notícia Histórica
sobre a Faculdade
de Medicina da Bahia. Tipografia
Bahiana de Cincinato Melchiades. Bahia, 1909.
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Anatomistas da Bahia, esquecidos. Gazeta
Médica da Bahia, vol. XLIX, n° 1 , julho de 1916 - Bahia, 1917.
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DANTAS, Manoel Ladislau. Memórias
Históricas da Faculdade de Medicina
da Bahia relativas ao ano de 1855 -
Bahia, 1856.
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Eduardo. Memória Histórica
da Faculdade de Medicina concernente ao ano
de 1942 - Centro Editorial
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Federal da Bahia. Bahia, 1992.
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4° volume - Rio,
1898.
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da Bahia. Anais da Academia de Medicina da Bahia, vol. 2, Julho
1979 - Bahia, 1979.
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Tropicalista Bahiana. Tipografia Beneditina Ltda. - Bahia, 1952.
10 AMARAL, Braz do - Gazeta Médica
da Bahia, vol. XLI, n° 8, Fevereiro de
1910. Bahia, 191
11 NOVIS, Aristides. Discurso por ocasião do lançamento
da primeira pedra do Pavilhão Silva Lima,
do Hospital Santa
Isabel. Gazeta Médica
da Bahia, vol. 56, n°s 8 e 9 - fevereiro
e março de 1926. Bahia, 1926
12 PEREIRA,
Antônio Pacífico. Esboço
Histórico da Fundação
da Gazeta Médica
da Bahia. Gazeta Médica
da Bahia, vol. XLIX, n° 1 - Bahia, 1917.
13 LIMA,
Lamartine. A Escola Médico-Legal
da Bahia - discurso pronunciado em agosto de
1994, na instalação de espaço didático e cultural
da Universidade Federal
da Bahia, convênio com o departamento
médico-legal da Secretaria
da Segurança Pública. Bahia, 1994.
14 TORRES,
Otávio. Esboço histórico
dos acontecimentos mais
importantes da vida
da Faculdade de Medicina
da Bahia (1808 a
1946) - Imprensa Vitória
-Bahia, 1946.