136- FRANCISCO CAVALCANTI MANGABEIRA
(FRANCISCO MANGABEIRA)
*
O HERÓI
(Inspirado na Guerra de Canudos)
“Ei-lo morto! Por fim também inanimado
Entre o espanto glacial da tropa que, sentida,
Se ajoelha ante o seu corpo heróico e ensangüentado...
Tinha tanto valor na luta enraivecida
Que parece que a morte iníqua respeitava,
Deslumbrada de assombro, aquela nobre vida...”
*
Nasceu em 8 de fevereiro de 1879, sendo seus pais Francisco Calvacanti Mangabeira e Augusta Mangabeira.
Realizados os estudos preparatórios, com raro brilhantismo, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1895.
Quando cursava o terceiro ano do curso médico, ocorreu a Guerra de Canudos e ele se apresentou como voluntário, para servir no Corpo Médico do exército. Trabalhou com grande patriotismo e dedicação, permanecendo no campo de batalha até o final da contenda.
Terminada a refrega, regressou aos bancos acadêmicos, diplomando-se no final de 1900.
“Influenciado pelo liberalismo francês, dedicou-se mais às letras do que à medicina” diria Carlos da Silva Lacaz (3).
Estudante de medicina, ou médico, nunca deixou de versejar.
Em 1898, publicou “Hostiário”. Em 1900, “Páginas Íntimas” (prosa). Em 1902, “Ihalmo”. Em 1903, “Cartas do Amazonas”. Em 1906, “Últimas Poesias”.
É de sua autoria o Hino do Estado do Acre.
Faleceu em 27 de janeiro de 1904, ainda jovem, com apenas vinte e cinco anos de idade, quando em viagem, a bordo do navio “São Salvador”.
Foi sepultado em São Luiz do Maranhão.
“Foi o último dos três maiores poetas que a morte arrebatou à Bahia, disse Eugênio Gomes. Pedro Calmon, traçando-lhe o perfil, assim se expressou: “Francisco Mangabeira foi poeta de uma esplêndida espontaneidade e, em algumas de suas produções, comparável aos maiores. Sacudia-lhe o verso uma surpreendente energia, entre pessimista e heróica, num conjunto impressionante de amargura e força que lembravam as decepções da juventude tocada pelo infortúnio, das cenas e das almas do seu convívio, e o destino adverso, com que lutava” (3).
São palavras do seu irmão, Otávio Mangabeira: “No terceiro ano de medicina, aos dezoito anos de idade, ofereceu-se ao governo para servir nos hospitais de sangue. A desgraça da luta sertaneja inspirou-lhe os poemas “Tragédia Épica”. Ao completar o curso médico, aos vinte anos, se tinha já destacado, de modo impressionante, no âmbito da Letras. No entanto, em falta de emprego, foi ser médico de navios do Maranhão. Ontem fora Canudos que o atraira. Agora, o Maranhão. Haviam de empolga-lo os mistérios da Amazônia, o que se contava da luta pela conquista do Acre e das proezas de Plácido de Castro. “As Cartas da Amazonas”, uma série de correspondências que escreveu para o “Diário da Bahia”, são páginas que fazem honra às suas qualidades de escritor” (1).
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
1. Costa, Paulo Segundo da – Otávio Mangabeira, Democrata Irredutível. Salvador, 2008.
2. Francisco Mangabeira. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Franci sco_Mangabeira_(poeta). Acesso em 2 de fevereiro de 2009.
3. Lacaz, Carlos da Silva – Vultos da Medicina Brasileira. São Paulo, 1966.
3. Loureiro de Souza, Antônio - Baianos Ilustres. Salvador, 1973.
APÊNDICE I
BREVE RELATO HISTÓRICO SOBRE A GUERRA DE CANUDOS
(Extraído de José Calazans, disponível em http://www.culturabrasil.pro.br/euclides/tripoli.htm)
GUERRA DE CANUDOS
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Antônio Vicente Mendes Maciel, natural do Ceará, surgiu no interior dos Estados da Bahia e de Sergipe em 1874, permanecendo ali durante quase um quarto de século. Construiu e reformou capelas e igrejas, levantou muros em cemitérios, abriu pequenos tanques de água, ofereceu conselhos aos camponeses. Por esta razão o apelidaram Antônio Conselheiro. Sua voz era suave ao conversar com seus seguidores, que somavam milhares, porém se tornava forte e agressiva ao pregar sobre determinados temas tais como: a República, o casamento civil, a separação da Igreja do Estado, os maçons, os protestantes, os abomináveis republicanos, etc.
Seu pai, Vicente Mendes Maciel, sonhava convertê-lo em sacerdote católico e tanto o obrigou a aprender a ler, escrever e contar, além de tomar aulas de latim e francês. Apesar de não haver realizado o sonho de seu pai, Antônio Conselheiro desempenhou diversas atividades: professor primário, rábula, vendedor ambulante e vaqueiro. Sempre andarilho, abandonou sua terra natal em 1873, em direção ao sul atravessando os estados do Ceará, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, chegando à Bahia em 1874. Trajava uma batina azul, barba e cabelo crescidos, chapéu de largas abas e um grande cajado na mão. Um misterioso caminhante, cujos conselhos atraiam e seduziam o povo. Em pouco tempo tinha seu próprio séquito.
Os seguidores não duvidavam de sua santidade e muitos criam que era o próprio Cristo reencarnado. Parece que não aceitava tamanha consagração. “Deus é outra pessoa”, dizia. Se declarava um pecador que devia purgar seus pecados e chamava a todos de “irmãos”. Em seus sermões imitava aos padres, persignando-se e citando frases em latim. O povo o escutava reverente e fascinado. Em 1895, ao passar pela Vila de Bom Conselho, marcou a importância de sua figura, ao vestir sotaina branca e arrodear-se de doze apóstolos, adotando uma postura de confraria religiosa.
Caminhou muito tempo em sua missão de pregador, a pé ou a cavalo, às vezes em lombo de mula, detendo-se de espaço em espaço para levantar algum templo nas vilas e povoados da região semi-árida do Estado da Bahia.
Em 1893, finalmente, estabeleceu-se em Canudos, pequeno arraial banhado pelo rio Vasa-Barris, local que passou a chamar Bello Monte. Em pouco tempo, o pequeno povoado se converteu na localidade mais densamente povoada da Bahia, depois de Salvador, sua capital. Aproximadamente vinte e cinco mil habitantes foi o cálculo feito após a guerra fratricida.
Em seu incessante peregrinar, o Santo Conselheiro conquistou fervorosos adeptos e implacáveis inimigos.
A seu lado permaneciam brancos, negros, índios, gente de recursos, escravos há pouco libertados e camponeses sem terra. Os proprietários rurais, prejudicados pelo êxodo em massa da mão-de-obra que deixava despovoadas as fazendas, exigiam que o Governo tomasse medidas enérgicas contra Antônio Conselheiro, no que eram secundados pelos membros do alto clero que viam seus fiéis desertarem das igrejas em busca do novo Messias Nordestino. Os jornais de Salvador freqüentemente estavam a assinalar os perigos de Bello Monte, caracterizando-o como um provável foco de subversão da ordem estabelecida. Pelos fins de outubro de 1896, chegaram aos ouvidos do Governador da Bahia rumores aterradores de que os conselheiristas estariam preparando uma invasão da cidade de Juazeiro. Era o que o Governo necessitava para justificar o envio de tropas federais que se constituíram na primeira expedição contra Canudos. Derrotados, tiveram que retroceder. Seguiram-na duas outras expedições. Todas retornaram com pesadas baixas e sem haver alcançado seu objetivo, ou seja, a destruição da cidadela camponesa, valente e até esse momento inexpugnável. A quarta expedição, formada por um verdadeiro exército, comandada por três generais e contando com a presença do próprio Ministro da Guerra, depois de enfrentar grandes dificuldades iniciais, logrou acabar com o reduto conselheirista ao cabo de quase quatro meses de luta desalmada.
O vencedor, sem grandeza nem generosidade, assassinou barbaramente os vencidos, degolando crianças, mulheres e anciãos. Poucos escaparam do massacre. Canudos entrou para a História como uma página de inconcebível violência por parte dos vencedores e como o maior fratricídio da vida brasileira. Uma página negra.
A tragédia de Canudos merece ser recordada como uma advertência que tem como objetivo, entre outros aspectos, a defesa dos direitos humanos.
Inspirado neste tema, o artista plástico T. Gaudenzi elaborou o seu “Projeto Canudos”, um total de, aproximadamente, 400 obras, 100% das quais compõem a exposição “Canudos Rediviva”. Neste trabalho, a pugna de 97 é apresentada em série por este pintor vigoroso; nos quadros, como no livro imortal de Euclydes da Cunha, deparamos a Terra, o Homem, a Luta. Gaudenzi, que estudou o assunto sedutor, dá-nos uma visão magnífica do histórico acontecimento. A guerra agreste, o homem destemido e a luta épica mereciam um grande pintor. E tiveram. "
APÊNDICE II
A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E CRIANÇAS, NA GUERRA DE CANUDOS
(Extraído de Walney da Costa Oliveira e Lina Maria Brandão de Aras)
GUERRA DE CANUDOS
*
“Quando silenciou a matadeira, os soldados vasculhavam os escombros, entre fogo e cinzas, à procura do que seriam os últimos vestígios da utopia do Belo Monte. O contingente populacional, ao final da Guerra, no Arraial do Bom Jesus, dava uma proporção de mulheres maior que a de homens, visto que as próprias batalhas haviam provocado muitas baixas, tanto de um lado como do outro. Após a tomada e execução de muitos dos sobreviventes conselheiristas, ainda restava uma massa populacional que foi sendo distribuída pelos cantos da Bahia.
Henrique Duque-Estrada Macedo Soares, buscou evidenciar a participação
das mulheres em combate, traçando um perfil de coragem e bravura,equiparando-as aos homens e tornando-as tão perigosas quanto eles, justificando,dessa forma, a execução de prisioneiras no campo de guerra.
“E todos entre eles que podiam empunhar uma arma combatiam. Até os meninos auxiliam (...), vendo seus companheiros ou pais caindo. To mavam das aramas e cegamente investiam sobre os pelotões. As mulheres uivavam de cólera, animando os maridos e irmãos, limpando as armas e preparando-lhe a parca refeição.”
O ato da degola foi freqüente. A sobrevivente Adalgisa, uma das filhas de Manuel Quadrado que presenciou a degola de seu pai, contava com apenas
três anos e jamais esqueceu o que viu. Em relatório da tropa foram registra
das as cenas encontradas em Canudos: “mulheres e crianças num amonto brutal e selvagem constituíam o objeto desse quadro de morte que íamos a contragosto deixando.” A imagem construída por Rui Facó em Cangaceiros e Fanáticos, a partir de fontes secundárias diversas, constitui-se na fala de um escritor que buscava um resgate histórico de Canudos, optando por valorizar o empenho de todos os conselheiristas, especialmente, mulheres e crianças. A historiografia sobre o tema, ao aprofundar essa questão,preferiu relativizar o uso das armas por mulheres e crianças, sem contudo retirar des
sas duas categorias a possibilidade de participação no confronto armado. O autor, pretendendo inserir Canudos no contexto da luta de classe, valorizan do os oprimidos, procura deificar as jagunças, utilizando, para tanto, o pró prio Soares, fazendo contudo uma inversão de valores.
“As mulheres de Canudos principalmente deixaram exemplos notáveis de bravura e firmeza inabalável. A maior parte preferiu morrer a deixar-se prisioneira. E, mesmo quando prisioneiras, na miséria mais extrema, de demonstrava tanta resolução e bravura, tanta confiança em seus com com panheiros, que, em geral, eram degoladas pelos assaltantes de Canudos. Havia entre os insurgentes resolução inabalável em resistir até o último homem.” Outra fonte que teve papel relevante na construção das imagens de mulheres em Canudos foram os Relatórios do Comitê Patriótico. A organização filantrópica que fora criada com o objetivo de amparar aos combatentes, muito cedo assumiu a defesa das mulheres e crianças saídas do Belo Monte. O Comitê Patriótico que esteve em Alagoinhas e Queimadas, dentre outras localidades, noticiou as violências praticadas contra as mulheres e crianças. Na primeira localidade registraram: “Não foi pequeno o número de vítimas que socorremos e abrigamos entre mulheres, crianças e meninos de ambos os sexos, que conseguimos reunir debaixo da nossa bandeira de caridade, evitando a uns a morte pela falta de conforto e à míngua de recursos, a outros a verdadeira escravidão em que se achavam e, porventura, a prostituição no futuro, e é para lamentar que só tardiamente como sói acontecer, chegassem ao conhecimento do Comitê Patriótico a prática condenável de certos abusos e o estado de verdadeira miséria e abandono em que se achavam as desgraçadas prisioneiras de Canudos,
Muitas das quais de inanição, sem que uma só alma caridosa lhes procu rasse salvar a vida, ministrando-lhes o cuidado e os meios indispensáveis à manutenção da existência.”
Em Queimadas, a situação não era diferente, tendo o Comitê registrado
as seguintes impressões: “..encontramos, casualmente, duas mulheres bran cas e ainda moças nestas condições: uma delas, há seis dias, mais ou me
nos, havia dado à luz uma criança cujo paradeiro não conseguimos desco brir. Imundas, achavam-se ambas emboladas e arquejantes debaixo de uma pequena barraca úmida, sem uma esteira e sem cobertura.
Magras, excessivamente magras, reduzidas das suas carnes até os ossos e com a pelo do estômago quase colado ao outro lado, não tinham mais ação sobre o corpo. (...) A outra, Maria Josefa de Jesus, ainda ficou viva em Queimadas, não nos tendo sido possível trazê-la, devido ao seu estado de profundo abatimento.
Nem mesmo para com as crianças, feridas ou doentes foram dispensados esse zelo e a diligência que elas nos despertaram em seus sofrimentos, também assim morreram, infelizmente, muitas, deixadas até em abandono pelos caminhos!
Pelas crianças, porém, notadamente por elas, fizemos tudo o que estava ao
nosso alcance. E pesa-nos dizê-lo que grande parte dos menores reunidos pela comissão, dentre eles meninas pobres e mocinhas, se achavam em casa de quitandeiras e prostitutas. Foi, pois, para lamentar a distribuição indevi da das crianças, sendo muitas remetidas para vários pontos do Estado e pa ra esta capital, como uma lembrança vive de Canudos ou como um presen te.”
O Comitê Patriótico não negligenciou o registro dos crimes cometidos con
tra as prisioneiras: “É a menor Maria Domingas de Jesus, de 12 anos de ida de, órfã de pai, morto nos últimos combates, e filha da prisioneira Alexan drina Marques das Virgens, que se deve achar nesta capital. Foi desvirgina da, violentamente, pelo praça do 25º Batalhão de Infantaria, de nome José Maria.” A violência perpetrada a partir do fim da guerra, extrapolando os limites do corpo físico, foi de cunho mais indireto; operando diretamente sobre o espaço, alcançava o sertanejo. A nova ordem se sobrepõe ao espaço anteriormente ocupado por indivíduos que até aquele momento eram os construtores do Arraial e seus moradores, defensores de crenças e valores morais, disseminados por Antônio Conselheiro e seus seguidores. O sertão foi materialmente modificado e as transformações incidiram sobre as atitu des dos sertanejos.
Uma das formas de violência utilizadas pelas forças combatentes, foi o fe
chamento das entradas e saídas do arraial nos momentos finais da Guerra,
ocorrido entre os dias 03 a 05 de outubro de 1897. Em 2 de outubro de 1897, nos últimos momentos da guerra, aparece uma figura identificada como Antônio Beatinho. Este teria sido responsável pela retirada de um grande número de mulheres; diante da morte iminente, elas escolheram ficar como prisioneiras das tropas. José Calazans, embora negue o nome atribuído ao beato, confirma, entretanto, o evento, amparado em outras lei turas e na tradição oral.
O uso da violência e da força, esta última enquanto exercício do poder
em sua forma mais restrita, ficou evidente nas situações vivenciadas pelas mulheres que aparecem nos inquéritos de campo, formulados pelas forças militares para apuração das ocorrências durante a permanência de tropas na região. Dessa forma, é compreensível o clima de insegurança e mesmo de terror que se instalou no cenário da guerra e que transparecem na documen tação produzida por aqueles encarregados de promoverem a justiça e res tabelecer a ordem”.
APÊNDICE III
PAPÉIS FEMININOS EM CANUDOS
(Extrído de Walney da Costa Oliveira e Lina Maria Brandão de Aras)
*
Outro grupo de mulheres nesse cenário, constitui-se por aquelas que en quanto esposas, viúvas, filhas, irmãs, avós e mães fizeram, durante a guer ra, requerimentos aos oficiais de serviço, solicitando pagamento de pensões para se sustentarem, visto que necessitavam sobreviver. As alegações giram em torna da pobreza a que estavam submetidas e a dependência do homem para provimento de suas necessidades. Nas ações das mulheres percebemos entrelinhas de sagacidade que demonstram uma aguçada capacidade de inte ragir com a dinâmica da guerra, no sentido de incrementar alternativas coti dianas de sobrevivência.
Há também requerimentos de mulheres que solicitam a incorporação de
seus filhos às forças por falta de condições para mantê-los; o alistamento seria uma alternativa de ocupação para seus filhos e netos. Para que houves se a efetivação da incorporação desses rapazes como aprendizes, eram exi gidos documentos comprobatórios (comprovação de vacinação, registro de batismo e atestado de pobreza fornecido pelo pároco ou delegado). Nessa situação encontravam-se Natalia de Souza e Cassiana Emiliana Pereira Sardinha, que fizeram requerimento para incorporação de seus filhos meno res com justificativas muito semelhantes: “não podendo dar a necessária educação em vista do seu estado de pobreza, como prova os documentos juntos, vem perante V. Excia impetrar a graça de mandá-lo admitir na Com
panhia de Artífices do Arsenal de Guerra dessa Estado.” E mais: “pobre
que não podendo ter em sua companhia o filho visto, o seu estado de pobre
za que impossibilita dar-lhe a necessária educação, vem com os documen tos juntos que prova o alegado e que são necessários para o fim requerido,
merecer de V.S ª a benevolencência de seu filho ser admitido nesse Arsenal no rol de menores.”
A incorporação dos filhos como aprendizes no Exército remete a uma situa
ção na qual o Estado “faz às vezes” de provedor. Curiosamente, outras mu
lheres desejosas de livrarem seus filhos dos perigos da guerra, lançam mão do seu “estado de desamparo” para tentar removê-los dos campos de bata lha. Encontramos mães solicitando que seus filhos sejam transferidos, ou que tenham “baixa” para que possam voltar ao seio familiar.
“Laurinda Maria Vieira, viúva, desvalida e sobrecarregada de duas filhas mocinha e mãe do músico do 33ª Batalhão de Infantaria, Francisco Vieira Lima, vem valer-se de Vossa Magnanimidade, certa de que achará em vós conforto para sua inclemente pobreza. (...) Ficando aqui sua velha e alque brada mãe sem que pelo menos possa gozar do caridoso auxílio dado pelo patriótico governo da República às famílias de seus fiéis soldados.” Na ver dade, a mãe não solicita auxílio financeiro para si própria e suas filhas,
mas a transferência de seu filho do campo de combate, levando-o para
perto de si, em Aracaju. Ela própria assina a solicitação demonstrando sua condição de alfabetizada (o que em si já lhe permitiria sustentar-se como professora), o conhecimento das normas que regiam a corporação na qual
o filho encontrava-se alistado, bem como a sua preocupação em livrar o fi lho dos perigos da guerra. Fosse questão de sustento, poderia fazer Laurin da como Felisbella Maria da Conceição, “mulher do cabo da esquadra do Batalhão de Infantaria João José Faustina (...) pede que se lhe mande abonar meia etapa militar40 deixando de acompanhar seu marido por moti vo de moléstia”.41 Estaria, assim, em casa e amparada.
Tal como Laurinda, age Amélia R. Barbosa Guimarães, ao solicitar a baixa
do filho para que o mesmo permanecesse no Rio de Janeiro para trabalhar
e sustentá-la.
“Viúva, mãe do menor Érico R. Barbosa Guimarães, soldado do 22º Bata lhão de Infantaria, vem respeitosamente pedir-vos que digne conceder bai xa do serviço do Exército por isenção legal ao referido menor, filho único que lhe pode servir de arrimo.” Destaque-se que este requerimento, por ser dirigido a Arthur Oscar que estava no cenário da Guerra, permite inferir mos encontrar-se o soldado nos campos de batalha, estando sua mãe utili zando desse recurso para livrá-lo dos males da guerra.
Havia uma preocupação das forças com o amparo das esposas dos solda
dos que se encontravam em combate. Procuravam localizá-las para que pudessem ser amparadas. Tanto no caso das que ficaram “para trás” quantas daquelas que acompanhavam seus maridos, a preocupação das forças era com a provisão de recursos para que pudessem instalar-se nas imediações das áreas de movimentação de tropas. O transporte das companheiras e es posas até as zonas de conflito e de volta a suas residências, também era obrigação assumida pelo Estado. “Por conta do Ministério da Guerra requi sito-vos passagem de primeira classe d’esta cidade ate a capital Federal pa ra a Sra. Adelina de Araújo Campos, esposa do alferes José de Siqueira Campos do 32o batalhão de Infantaria, dois filhos menores de nome João com 9 anos e Maria com 6 anos e de Segunda classe para uma criada de nome Raquel.”
Dessa forma, concluímos que, a argumentação “estado de miséria e desam paro” utilizada tanto para retirada do conflito de seus filhos e maridos, quanto para inclusão de seus rebentos na carreira militar, apresenta-se, em verdade, como estratégia de resistência e recursos de sobrevivência. Nesta vertente de análise, recorremos à literatura e à documentação de época para a problematização dos arquétipos pelo o desvendamento de atitudes prota gonizadas por mulheres sertanejas, que, em meio a guerra, não foram víti mas vítimas passivas mas resistiram às diversas formas de violência atra vés das estratégias possíveis na sociedade sertaneja patriarcal.”
APÊNDICE IV
ANTÔNIO BEATINHO
FONTE: A GUERA DE CANUDOS. Disponível em http://www.portfolium.com.br/guerra.htm
EUCLIDES DA CUNHA
*
“01 de Outubro – 1897
A guerra de Canudos já durava quase um ano. Oito dos principais jornais do país enviaram correspondentes ao palco da luta e as notícias não conseguiam explicar tanta dificuldade e demora de um Exército bem equipado em destruir um reduto sertanejo. As perdas militares eram extraordinárias e a impaciência e cansaço tomava conta de todos. Os Generais Artur Oscar Silva Barbosa e Carlos Eugênio, decidem não esperar mais, e mobilizam 5.871 homens num choque a toda carga sobre o núcleo central de casas, o último reduto da resistência canudense. Revelando mais uma surpreendente tática de guerrilha, os conselheiristas utilizam fossas subterrâneas que interligam as casas, permitindo ampla mobilidade de ação e com isso provinham das ruínas, da fumaça, de tudo o que já fora destruído. Era como se viesse do nada, mas vinham, e causavam muitos estragos. Em resposta, o Exército lança 90 bombas de dinamite e muitas latas de querosene. Depois de três meses de intenso bombardeio, agora o fogo tomava conta do Arraial.
02 de outubro – 1897
Em meio a guerra, surge por entre as ruínas um homem com uma bandeira branca. Era Antônio Beatinho, que queria falar com o general comandante e disse que lá dentro ninguém agüentava mais, a fome e a sede estavam acabando com todos. Pede pra que pudessem sair em paz. Artur Oscar lhe disse que voltasse lá e trouxesse os homens para se entregarem que ele lhes garantia a vida. Beatinho volto ao Arraial e pouco depois reaparece com um grupo de 300 pessoas: eram mulheres, crianças, e inválidos de guerra, maltrapilhos e doentes. Afirma que todos os homens restantes haviam rechaçado sua proposta de rendição e iriam lutar até o fim.
03 de outubro – 1897
Antônio Beatinho é degolado junto com seus companheiros que se entregaram confiando na palavra do General Artur Oscar em lhes garantir a vida. A degola dos prisioneiros era a consumação final do massacre. Mas esta prática não era nova na campanha. Desde agosto que os jornalistas relatavam casos praticados na forma discreta na calada da noite. Agora, nos últimos dias da guerra, a “gravata vermelha” como também era chamada a degola, foi larga e amplamente utilizada sem cerimônias, em plena luz do dia.
O acadêmico de medicina Alvim Horcades escreveu: “eu vi e assisti a sacrificar-se todos aqueles miseráveis (...) e com sinceridade o digo: em Canudos foram degolados quase todos os prisioneiros (...) levar-se homens de braços atados para trás como criminosos de lesa-majestade, indefesos e perto mesmo de seus companheiros, para maior escárnio, levantar-se pelo nariz a cabeça, como se fora de uma ave, e cortar com o assassino ferro o pescoço, deixando a cabeça cair sobre o solo – é o cúmulo do banditismo praticado a sangue-frio (...). Assassinar-se uma mulher pelo simples fato de ser o seu companheiro conivente com o que se dava – é o auge da miséria ! Arrancar-se a vida de uma criancinha (...) é o maior dos barbarismos e dos crimes que o homem pode praticar” (Horcades, 1899).
APÊNDICE V
A GUERRA CHEGA AO FIM
FONTE: A GUERA DE CANUDOS. Disponível em http://www.portfolium.com.br/guerra.htm
ANTÔNIO CONSELHEIRO
“O5 de outubro de 1897
Termina a resistência sertaneja. Canudos está destruída. Num cenário de fim de mundo, por entre becos e ruelas, uma legião de corpos carbonizados misturam com as cinzas das 5.200 casas. A elite política, acadêmica e militar do país estava em êxtase. Os deputados federais da Bahia congratulavam-se com o governo pela “completa destruição de Canudos, baluarte de bandidos e fanáticos” e o próprio Presidente da República, Prudente de Morais, declara: “em Canudos não ficará pedra sobre pedra”. Enfim os generais cumpriram o prometido, pois queriam que ali se plantasse a solidão e a morte.
Estima-se que mais de 25 mil conselheiristas morreram no conflito que mobilizou um contingente superior a 12 mil soldados do Exército (mais da metade de todo o efetivo nacional) na maior guerra de guerrilhas que o Brasil já viu.
Numa preciosidade do pensamento dominante, o Barão de Studart escreve: “Para esse fim houve o recurso aos meios mais desumanos, que não convêm registrar a bem dos nossos foros de nação civilizada e cristã”
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