188- JOÃO AMÉRICO GARCEZ FROES
JOÃO AMÉRICO GARCEZ FRÓES
FRANCISCA PRÁGUER FRÓES, ESPOSA DE JOÃO
AMÉRICO GARCEZ FRÓES
(VIDE BIOGRAFIA NA LETRA "F")
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Nasceu a 11 de outubro de 1874, no Engenho Santa Cruz, Comarca de Santo Amaro.
Seus pais foram Américo Ribeiro de Souza Froes e Maria Luiza Garcez Froes.
Aprendeu as primeiras letras com o professor Raimundo Bizarria. Realizou os estudos posteriores em Salvador e ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, pela qual colou o grau de doutor em Medicina, em 1895.
Foram seus colegas de turma, entre outros, Egas Muniz Barreto de Aragão e José Adeodato de Souza, os quais se tornaram --como ele -- ilustres professores do vetusto berço da Medicina brasileira.
Em 1896, diplomou-se em Farmácia, na mesma faculdade.
Em 1890 foi nomeado pelo governo do Estado para a comissão de combate á febre amarela e, em seguida, contra a malária.
Convidado pelo Prof. Alfredo Thomé de Britto, foi admitido na cadeira de Clínica Propedêutica, com Assistente. Concorreu a concurso para lente substituto da 5ª Secção e, em 1911, foi nomeado professor catedrático da 3ª. cadeira de Clínica Médica.
Em 1896, passou a lente substituto de Medicina Legal, da Faculdade de Direito, cargo no qual foi efetivado em 1899, depois de brilhante concurso.
Disse Carlos Marcílio: “João Américo Garcez Froes foi um cultor do conhecimento clássico. Desenvolveu amplos interesses no campo das ciências, nos estudos humanísticos e na estética, sendo eleito membro da Academia de Letras da Bahia. Como médico, foi considerado de saber enciclopédico. Mas foi sobretudo um clínico com vasta compreensão e tirocínio em semiologia, em patologia e em doenças infecciosas e parasitárias” (4).
“Durante muitos anos, disse Sá Menezes, tivemos o privilégio de conviver com o insigne mestre e gozar da sua estima, podendo, assim, avaliar-lhe a retidão indesviável do caráter, o esmero da educação, a profundez da cultura, a elevação dos princípios, a pureza das idéias, a altitude dos ideais, o ânimo cívico, a intrepidez, o desassombro, sempre voltado para a verdade e a justiça, para a ciência, as letras e a Pátria” (5).
E mais: “Foi um dos últimos e perfeitos humanistas, capaz de ler o grego e falar a língua de Virgílio, e que soube juntar, à vastidão dos conhecimentos científicos, a profusão do seu saber geral, de tudo entendendo e podendo discorrer sobre os mais variados temas de cultura clássica. E de tal porte era o seu saber e a sua intangibilidade moral, que Sílvio Valente, seu ex-aluno, tendo atingido com a sua verrina a muitos mestres, estacou diante do vulto grandioso da Garcez Froes e o consagrou:- “Uma Instituição”. Outro qualificativo não tocaria melhor a quem de fato reuniu tanto saber e compostura, tanta altivez e modéstia. E não foi sem razão que Lafaiete Spínola, outro de seus ilustres discípulos, depois seu par na Faculdade de Direito e na Academia de Letras, o considerou “Atlântico”, tal a largueza de seus conhecimentos, a extensão da sua sabedoria” (Ibidem).
Foi o presidente, da Academia de Medicina da Bahia e pertenceu a inúmeras outras instituições.
Publicou livros, monografias e artigos sobre os mais variados temas de interesse médico, jurídico e social.
Faleceu em 17 de setembro de 1964.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
1. Benício dos Santos, Itazil – Itinerário de Ideais e Compromissos. Salvador, 1987.
2. Castro Lima, Humberto de – Recepção ao acadêmico Bernardo Galvão Castro Filho. Anais da Academia de Medicina da Bahia, Vol. 12, julho 2003.
3. Loureiro de Souza, Antônio – Baianos Ilustres (1564-1925). Salvador, 1973.
4. Marcílio de Souza, Carlos – De Nina Rodrigues a Thales de Azevedo: alargando os limites da medicina brasileira. Anais da Academia de Medicina da Bahia, Vol. 11, dezembro 1998.
5. Sá Menezes, Jayme de – Na Senda da História e das Letras. Salvador, 1994.
6. Tavares-Filho, José- Formados de 1812 a 2008 pela Faculdade de Medicina da Bahia. Academia de Medicina de Feira de Santana. Feira de Santana, 2008.
APÊNDICE I
DEPOIMENTO DE JORGE CALMON (I)
(Extraído de Calmon, Jorge. Sinopse Informativa. Universidade Federal da Bahia, Vol II, No II. Outubro. Salvador, 1978)
JORGE CALMON
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“Efetivamente, há homens que se tornam instituições.
São Poucos. Constituem exceções.
A regra geral é o bitolamento medíocre dos inumeráveis componentes do rebanho humano, que a lei da vida vai tangendo, em marcha entre o nascimento e a morte. Nessa indistinta mediania, as inteligências não brilham, o esforço não avulta, o caráter não logra atingir forma, consistência. É a grande planície dos homens comuns.
Vez por outra, desse solo rasteiro sobressai uma eminência.
O talento, a virtude, o mérito rompem a vulgaridade e projetam de entre a massa os indivíduos bem dotados, ou que a si mesmo se dotam, e cuja ascensão proclama as faculdade superiores da pessoa humana
Foi Garcez Fróes um desses raros indivíduos.
Destacou-se na sua época e, há mais de um decênio desaparecido, continua a ressair na avaliação dos que se inclinam perante sua vida e seu legado.
Na diversificada atividade de Garcez Fróes, destaca-se, por certo, sua contribuição à ciência e ao ensino.
Foi professor mais da metade da vida; para ser mais preciso, durante cerca de dois terços de sua vida de trabalho. Seu convívio com a ciência teve duração menor. Muito embora jamais se tivesse desinteressado dela, pois já aposentado continuava a seguir-lhe os progressos, foi por um período determinado que a serviu com a maior intensidade.
Esse período coincidiu com o exercício do magistério médico.
Incluindo a fase de preparo para a docência, estendeu-se por cerca de quatro décadas.
A biblioteca da Faculdade de Medicina guarda os trabalhos que produziu no curso desse espaço de tempo. São mais de cem publicações. E surpreende a quem as examina a variedade dos assuntos sobre que versam, alcançando os mais diversos campos da ciência médica.
A multiplicidade de temas, cada um deles tratado com profundo conhecimento, revela a amplitude atingida pelos estudos de Garcez Fróes, como uma decorrência, mesmo, das suas responsabilidades de clínico e de professor, numa época em que bem menos numerosos eram os marcos divisórios no terreno da Medicina.
Professor de Clínica Propedêutica, a disciplina que ensina a técnica do exame do doente, mestre, mais tarde, de Clínica Médica, seu campo de trabalho era tão vasto quanto o campo da clínica geral, praticada por ele como facultativo.
Garcez Fróes pertenceu à que foi talvez a última geração da que poderíamos chamar de “era enciclopédica” da Medicina.
Até seu tempo, o clínico geral poderia e devia ser abrangente; abarcar todos, ou quase todos, os setores da Medicina.
Independentes, só aqueles compartimentos que a tradição retirava à sua tutela. De tudo mais tinha de entender. E foi graças a essa ausência de barreiras que o território da Medicina pôde ser dominado por verdadeiros sábios, homens segredos, pois tudo liam, de tudo tratavam, de tudo sabiam.
Na Bahia, tivemos vários deles. Citando-os, receio as omissões. Mas, somente para exemplificar, vão aqui alguns nomes: Silva Lima, Pacífico Pereira, Alfredo Britto, Garcez Fróes, Gonçalo Moniz, Pirajá da Silva, Prado Valadares, Clementino Fraga.
Com o sentido da especialização que adquiriu a Medicina, seria difícil, em nossos dias, essa assoberbante aglutinação de conhecimentos, tanto mais que a autonomia concedida aos vários ramos conduziu a dimensões que nenhum cérebro humano seria, realmente, capaz de alcançar.
A bibliografia médica de Garcez demonstra, à justa, a versatilidade que era conduzido, na sua época, o clínico geral e, conseqüentemente, o cientista que da clínica retirava as sugestões para seus trabalhos.
É o conjunto de publicações cuja elaboração seria presentemente impossível a um homem só, porém exigiriam a colaboração de toda uma equipe de especialistas.
Para escrever esta centena de trabalhos, Garcez Fróes precedeu em cada departamento da Medicina o especialista que surgiria mais tarde. E estudou, sucessivamente, Obstetrícia, Oftalmologia, Cirurgia Geral, Cardiologia, Pneumologia, Análise Clínica, Hematologia, Radiologia, Medicina Tropical, Gastroenterologia, Neurologia. Obstetrícia foi a primeira especialidade. Estudou-a quando ainda aluno da Faculdade. Cirurgia Geral, ao preparar-se para a experiência em São Paulo, onde trabalhou por mais de um ano.
Em várias dessas áreas realizou pesquisas pacientes e bem sucedidas. Comprova assim suas próprias teorias. A pesquisa que resultou na monografia intitulada “Sopro córmico musical e insuficiência aórtica”, é consoante lembrou Heitor Fróes, a demonstração de sua tese sobre a gênese do denominado “sopro circular”, de Miguel Couto.
Tinha Miguel Couto, aliás, especial apreço por Garcez Fróes. No exemplar livro “Lições de Clínica Médica”, que Garcez Fróes conservava numa estante, foi encontrada pela família uma carta de Miguel Couto. Tem a data de 12 de outubro de 1914. Nela, Miguel Couto acusa o recebimento de um exemplar daquele livro . E diz: “Não lhe dou por elle parabéns; congratulo-me, porque a excellencia da obra chega para encher do mais legítimo orgulho não só o seu autor, como todos os que neste canto do mundo cultivam a medicina”.
Foi, com efeito, um grande professor. E uma singular figura humana. Algumas preciosas lembranças de Garcez Fróes são conservadas pelo Dr. Fernando Marques Lima, que trabalhou como interno junto a ele, quando estudante.
Relembra o Dr. Marques Lima a delicadeza que Garcez Fróes exigia dos estudantes de Medicina para com os doentes examinados em sua enfermaria. Assim, quando observava que um estudante podia fazer sofrer um paciente pelo exagero na compressão das partes afetadas, costumava advertir: - “Non vi, sed arte !” (Não pela força, sim pela arte!). No caso, valia-se do latim para disfarçar o vexame da reprimenda.
É que para ele a propedêutica era uma verdadeira arte, e não apenas um conjunto de técnicas, que se possam executar mecanicamente.
O episódio da carteira furtada constitui outra das recordações guardadas pelo antigo interno de Clínica Tropical. Esse fato define à perfeição a elegância moral de Garcez Fróes. Era seu hábito, ao chegar à enfermaria, desfazer-se do paletó, que colocava num armário aberto, e vestir a capa de trabalho, por sinal que sempre muito limpa e bem passada.
Certo dia, ao terminar o serviço, verificou que havia desaparecido do bolso do paletó a carteira com dinheiro e documentos.
Seus auxiliares, indignados, quiseram promover investigações. Não admitiu que se fizesse coisa alguma. A sindicância só poderia contribuir, na sua opinião, para dar repercussão ao fato, levando talvez, suspeitas contra funcionários e estudantes, certamente inocentes. E, desse modo, preferiu perder a carteira a concorrer para o prejuízo da tranqüilidade ou reputação de quem quer que fosse.
Muito mais tarde, dada a repetição dos furtos, é que se soube quem o autor da triste ação.
Homem de quem não se conhece uma palavra áspera, e de quem não se tem notícia de um gesto brusco, quanto mais de uma violência. Garcez Fróes era, entretanto, um caráter forte, uma individualidade briosa e altiva, cuja severidade não transparecia naquele comportamento ameno e polido.
Infenso ao elogio fácil, ou às transigências da cortesia excessiva, jamais bajulou. Discreto, sereno, invariavelmente composto, na indumentária e na atitude, era personificação do equilíbrio, do julgamento ponderado, da opinião refletiva e vazada nos termos mais próprios.
Conhece-se a firmeza com que compareceu a algumas polêmicas que foi conduzido em defesa de seus trabalhos. Se não as começava, delas, entretanto, não fugia.
Uma das passagens de sua vida que entremostram essa face do seu temperamento é a reação provocada pelo episódio de 22 de agosto. Se simpatizante foi a Revolução Constitucionalista, como tantos outros brasileiros, fora de São Paulo, não externou, contudo, esses sentimentos. Sempre se portou como apolítico, mas, ante o exagero da reação oposta pela Ditadura à assuada dos estudantes, não vacilou no protesto. O assalto militar à sua Faculdade, a prisão de professores, o encarceramento de centenas de jovens, o inquérito aparatoso e humilhante, tudo isso alcançou fundo a sua sensibilidade.
Sua voz prestigiosa logo se juntou à condenação partida daqueles poucos que não silenciaram.
Viria lembrar os termos desse protesto, pouco mais de dois meses após, ao proferir a lição de abertura do curso de Clínica Tropical:
“Ignomínia, a mais ignominiosa das ignomínias!”
Foi como explodiu a minha indignação, justa revolta de velho professor, encanecido no serviço do magistério que tem sacrificado afetos e benquerenças em defesa de nosso Templo Médico e não “pertence à grei dos que o pavor consome”... Foi como explodiu, repito, a minha indignação, ao ter certeza, quase à meia-noite de ontem, do desfecho tristissimo dos fatos ocorridos na Faculdade de Medicina. Encarcerados os alunos! Encarcerados os professores! .............................”Cedent arma togne”..............Que cedam as armas às togas”.
................................................................................................
“São as armas que têm de ceder às togas e às becas!”
Por isso que, acima da horda irresponsável dos exércitos paira – alto e bem alto – a força irresistível e fecunda do direito e do civismo, sufocada agora para altear-se ainda mais pujante e florescente no amanhã da Pátria!”
Era uma consciência sem medo, que não titubeava na veemência do pronunciamento.
A lição inaugural de que fez parte este protesto foi publicada, em 1933, por “Brasil Médico”. Imprimiu-se uma separata, a seguir largamente distribuída.
Saliente-se a importância que Garcez Fróes atribuía à função do magistério. Numa época em que a condição de Catedrático da Faculdade de Medicina era a maior credencial para a clínica, a missão de professor sempre representou para ele muito mais do que isso. Longe de prevalecer-se da cátedra em proveito da clínica, era a clínica que colocava ao serviço do ensino. Percebe-se claramente esta noção de valor, observando a ênfase de que costumava revestir a lição inaugural de seu curso, cada ano; páginas que tinham sua sala de aula como a primeira caixa de ressonância, mas que, não raro, logo depois, ganhando letra de forma, alcançavam larga repercussão, pela oportunidade dos conceitos.
Aconteceu, assim, por exemplo, com a Lição Inaugural do Curso da 3ª. Cadeira de Cínica Médica, proferida em 1906 e onde defendeu a autonomia para o ensino da Medicina Tropical, assunto que no momento dividia apaixonadamente as opiniões, nos círculos do magistério, na classe médica, no próprio Congresso Nacional.
Este seu pronunciamento foi um dos estandartes da campanha que encetou com aquele objetivo e que, vinte e cinco anos depois, tornou-se, afinal, vitoriosa.
Por singular coincidência, coube a Garcez Fróes, ser o primeiro titular da nova cadeira de Doenças Tropicais na Faculdade da Bahia. Uma disponibilidade absurda, resultante da extinção da 3ª. Cadeira de Clínica Médica, afastara-o da docência durante cinco anos.
Voltou a ensinar o ramo da Medicina por cuja existência batalhara. Mas não se quis demorar. Quis que lhe sucedesse o filho em que identificava a continuação, mesma, de suas aptidões e tendências. E pôde ter a confortadora emoção de se ver substituído por Heitor Praguer Fróes. Era, a um só tempo, afastamento e permanência.”
APÊNDICE II
DEPOIMENTO DE JORGE CALMON (II)
(Extraído de Calmon, Jorge. Sinopse Informativa. Universidade Federal da Bahia, Vol II, No II. Outubro. Salvador, 1978)
*
“Durante muitos anos, desde a mocidade até o limiar da velhice, a atividade de Garcez Fróes, no magistério, na clínica, na pesquisa e na literatura médica, não lhe concedeu senão breves intervalos.
Foi uma doação completa de tempo e energias.
Disciplinado, metódico, permanentemente ocupado, os dias se lhe consumiam no estudo, no preparo das aulas, nos afazeres e andanças de médico, entre o hospital, consultório, as visitas domiciliares, ou, quando surgiam momentos propícios ao lazer, na redação das páginas com que enriqueceu a ciência.
Enquanto a plenitude das forças lhe permitiu, deu, intensamente sua contribuição.
Escravo do dever profissional, exercendo a medicina com aquele devotamento sem reservas, quantas e quantas vezes, depois de mais uma jornada de trabalho, não terá deixado o conforto do lar, horas avançadas da noite, para atender ao chamado do cliente, que apelava para seus serviços ?
Soube afastar-se discretamente do centro do palco no instante que lhe pareceu apropriado.
Ainda em plena maturidade, Garcez Fróes cerrou as portas do seu consultório particular, no centro da Cidade. Passou a atender em sua residência aos clientes que insistiam em procurá-lo, mas dos quais já não cobrava honorários, pois, conforme dizia, deixara de clinicar.
Talvez para não perder contado com o meio social, e não ausentar-se por completo da convivência da juventude, conservou-se na Faculdade de Direito, a ensinar Medicina Legal a turmas sucessivas, até 1952.
Esta transformação em sua vida coincidiu com a mudança que também processou em suas preocupações intelectuais. O cientista tornou-se humanista. Pôde entregar-se, de novo, ao prazer da cultura, que revelara na tese de doutoramento e manifestara sempre que lhe fora possível.
Está assinalada esta segunda fase pelos ensaios e trabalho literário que produziu, assim como pela presença e colaboração às instituições culturais.
Sem alhear-se da medicina, cuja evolução acompanhava, assinando revistas publicadas em vários países, mantinha-se inteiramente em dia com a produção literária no Brasil. E possuía o costume todo seu de acentuar as passagens mais significativas dos livros que ia lendo. Marcava, a lápis, os trechos que o interessavam e, na página em branco que encerrava o volume, indicava o número de página, para mais facilmente encontrar a informação ou o conceito.
Também no plano sentimental há duas fases distintas na vida de Garcez Fróes. Um largo intervalo as separa; são os três anos de solidão, o retorno à felicidade conjugal vem o casamento que lhe dá por companheira Maria José de Aragão Bulcão, a dádiva com que o destino se corrige, a esposa modelar e a amiga de todos os instantes, aquela que vai ser a confidente e colaboradora, a morável presença de ternura e da virtude no lar recomposto, Ziza, é o carinhoso apelido que entra, com alegre ressonância, os ermos salões da casa da Vitória, Coroa a ventura reencontrada o nascimento de um filho. E a sábia experiência do pai combina-se com o desvelo materno na educação desse jovem, em que, bem cedo, vêm realizar-se todas as esperanças, com a retidão do proceder, a inteligência, o amor ao estudo, os êxitos profissionais. Refiro-me ao Professor João Américo Bulcão Fróes.
A modificação que Garcez Fróes imprimiu, voluntariamente, em sua vida, na fronteira entre a maturidade e a velhice, creio que encerra uma lição para todos nós, como um exemplo de sabedoria e desambição material.
Em nossos costumes, o comum é o homem permanecer cativo do trabalho rotineiro, ainda que sem necessidade, até os dias finais da existência. Alguns procedem assim porque não souberam criar outras fontes de interesse, capazes de substituírem, em termos de realização pessoal, o entretimento retirado do trabalho. Muitos outros o fazem simplesmente por vício. São os que não sabem fugir ao condicionamento da ação a um determinado esquema de movimentos. São os que não se contentam jamais com o produto acumulado e estão sempre a querer mais e mais. São os que transformam o trabalho num gênero de jogo e se deixam levar pela obsessão de explorar todas as hipóteses, de alcançar as últimas conseqüências.
Alijando os encargos mais pesados, como o exercício da clínica e do magistério médico, Garcez Fróes não se entregou, porém, ao ócio, que se diz construir prêmio do trabalho, mas que, para os espíritos e organismos afeitos à atividade, antes de ser libertação, é enclausuramento, e, em vez de prolongar a vida, na verdade concorre para o seu abreviamento.
Em uma das conferências proferidas na Academia de Letras da Bahia, aquele excelente trabalho sobre “O tempo e a Reforma do Calendário”, Garcez Fróes recordou a sentença de Sêneca: “O homem não morre, mata-se”.
Médico de si mesmo, dosou as novas tarefas na medida exata da contribuição que poderiam elas dar para que se mantivesse em forma, mental e fisicamente. E prescreveu a si mesmo, além da leitura, da produção literária, do preparo de ensaios há muito projetados, a conservação da cátedra na Faculdade de Direito.
A medicina Legal sempre fora um dos estudos favoritos.
Tornara-se professor da matéria logo no ano seguinte ao da sua formatura. E a tese que apresentara à Faculdade de Medicina, no concurso para Lente Substituto da 5ª Seção, ainda em 1899, versara assunto de Medicina Legal, ou fosse “Embriaguez e Responsabilidade”. Nessa tese, propôs-se “Esquematizar os graus de responsabilidade” do indivíduo alcoolizado, e o fez de modo realmente magistral. Estudou, especialmente, o “segundo período da embriaguês”, o chamado “período do crime”, para, entre as conclusões formuladas, estabelecer a distinção entre o dipsomaníaco e o alcoólatra.
A apreciação da bibliografia de Medicina Legal de Garcez Fróes permite observar o aumento das publicações nesse campo, a seguir à sua aposentadoria na Faculdade de Medicina. Foi como se trocasse a pena de médico-escritor pela de legista-escritor. Há trabalhos seus em numerosas edições da Revista da Faculdade de Direito. Trata nesses artigos de diversos temas médico-legais. Também ali estão publicados vários dos seus esquemas de aula – suas famosas aulas conversadas -, a denotarem os cuidados que lhe merecia o ensino, assim como a vastidão e atualidade dos conhecimentos transmitidos aos alunos.
Um desses planos de aula ocupa-se dos acidentes de trabalho. Nele lembra um conceito de Luiz Tarquínio: “O braço que trabalha vale pelo menos tanto quanto a cabeça que dirige ou o capital que vivifica”.
Outra sinopse refere-se ao suicídio. Consigna, ali que é a incidência de suicídios nos meses quentes do ano, e maior, também, nas cidades que nos campos.
A psicanálise de Sigismundo Freud, o exame médico-legal do sangue, a morfologia humana e a biotipopatologia, as técnicas de embalsamamento, são outras tantas questões disciplinadas nesses sumários, em que se baseavam sua preleções.
Falava aos alunos em tom ameno e jovial. E a sua cordial simplicidade de pronto os cativava. Tinham por Garcez Fróes admiração, respeito e estima, em porções iguais. Bem traduziu esses sentimentos em veros o estudante Adalício Coelho Nogueira.
Medicina Legal é o que ele ensina...
Vê-lo explicando o ponto vale a pena,
Porque há em sua voz, branda e serena,
Qualquer cousa que encanta e que fascina !
Poetisa a lição e a torna amena
Com a sua prosa encantadora e fina.
De vez em quando citação latina ...
E muita coisa alegre vem a cena.
Cruza as pernas e inquieto se abotoa...
Depois a sua voz ecoa
Cantando-nos perfeita nos ouvidos !
Sorri, gargalha, é amigo do estudante.
E todos nós o achamos cativante
Com seus bigodes curvos, descaídos.
Estes versos de Adalício Nogueira têm o poder de reanimar as reminiscências que nos ficaram de Garcez Fróes.
É certo, porque decorrente de nossa efêmera existência, que, com a passagem do tempo, estreitando-se cada vez mais, o círculo dos que o conheceram, apagar-se quando se extinguir o último dos contemporâneos.
Por mais nítido que esteja gravado em nossa memória, não resistirá por todo o sempre o retrato mental que nos recorda aquela figura circunspecta e bondosa, aquela fisionomia afável e compreensiva, que a idade pouco alterou.
São imagens gravadas dentro de nós. Não poderemos transmiti-las; morrerão conosco.
De Garcez Fróes, o que sobreviverá duradouramente são as páginas que confiou à perenidade do livro. São as contribuições que forneceu à ciência e às letras. É a lição suprema de uma vida pautada no trabalho e na dignidade. São os seus descendentes, que lhe honram o exemplo. São as instituições, a que deu o melhor de suas possibilidades, amando, servindo, engrandecendo aquelas a que se incorporou; criando, amparando, consolidando as que surgiram de sua preocupações para com o bem da comunidade”.
parece que esse cidadão foi um dos que lutaram por valores que hoje, infelizmente, são quase extintos.
ResponderExcluiresse homem pode ser meu primo kk
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