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AVULSO- ALEXANDRE LEAL COSTA
Gerealdo Leite
É |
É com justificável honra e compreensível emoção que uso da palavra para reverenciar – em nome da ACADEMIA DE MEDICINA DA BAHIA – uma das expressões mais gloriosas da Cultura . Refiro-me ao saudoso confrade , mestre e amigo , ALEXANDRE LEAL COSTA .
A cultura forma , a erudição informa. A cultura aprofunda, a erudição espraia. A cultura tem sede de inteligência , a erudição a dispensa e repele. O erudito estuda por vontade e persistência . É um ledor sem rumo e sem trégua , um viciado nos livros porém carente de senso de crítica ou de opinião . É por determinismo uma criatura incapaz de discernir entre o Bem e o Mau , entre o Falso e o Verdadeiro . O culto , ao contrário , é um homem que estuda de maneira racional e lógica . É uma criatura comedida que busca o Saber com paciência , com objetividade e pragmatismo . É um ledor seletivo , um ledor que sabe o que é supérfluo , que reconhece o que lhe convém. É um homem de intelecto privilegiado, sem excesso nem exagero , dotado de senso e de opinião . É um ser autentico e espontâneo , quase sempre introvertido , modesto e tímido , rico de conhecimentos e de muita tolerância e compreensão .
ALEXANDRE LEAL COSTA foi, por todos os motivos , durante sua vida , um exemplo de cultura e não de erudição . Culto ele foi, de modo muito singular , nas ciências como na Educação , na Botânica e na Parasitologia, na Micologia , na Microbiologia , na Política e na Administração .
Nasceu em 11 de abril de 1907 na Vila da Conceição do Norte , no Estado de Goiás, e alí viveu durante toda a infância . Numa pequenina escola , de parentes seus , na Vila de São José do Duro , foi iniciado nas primeiras letras e ali ficou até que Cassiano Costa e D.Anísia – seus honrados progenitores – forçados por razões políticas , se transferiram com os nove filhos para Barreiras , em longa e penosa viagem no costado de animálias. Ali , nas margens do Rio Grande , afluente do São Francisco, completou ALEXANDRE, na Escola Pública , o curso primário .
Disse EUCLIDES DA CUNHA que o Rio São Francisco oferecendo aos exploradores duas entradas únicas, uma no nascente e outra na foz , levando os filhos do Norte ao encontro dos filhos do Sul e os do Oeste distante aos braços dos que vivem nas margens do oceano , erigiu-se desde o início da nossa História como um unificador étnico , um longo traço de união entre sociedades díspares que não se conheciam. Realmente , senhores , “vedado nos caminhos diretos e normais à costa , mais curto porém interrompido pelos paredões das serras ou truncado pelas matas , o acesso fazia-se, só e exclusivamente , pelo rio da unidade nacional !”
ALEXANDRE não fugiria à regra . Com doze anos subiu o Rio Grande , chegou ao São Francisco, singrou a grande via e aportou em Juazeiro . Dali, em um pequeno trem , n’uma “Maria Fumaça ”, buscou o litoral vendo embevecido , totalmente às avessas , o contraste maravilhoso que EUCLIDES DA CUNHA descreveu em “Os Sertões ”: zonas claramente distintas que se superpõem de modo inusitado , abrigando no seu íntimo certas modalidades que ainda mais as diversificam. No desenrolar da viagem , sobre trilhos e dormentes , numa velocidade que para ele era uma disparada louca , viu o jovem estudante perpassarem por seus olhos habitats variados. Sua nascente inclinação pelas ciências naturais foi despertada, de modo exuberante . No êxtase daquele transcurso recordou por certo as páginas vivas e ainda trepidantes , saídas da lavra do grande escritor
O rapazola, diz GALENO MAGALHÃES, “saudoso do aconchego do lar paterno , cansado dos dias da prolongada viagem , assombrado com as carrancas dos barcos franciscanos , deslumbrado com as belezas naturais que viu e as cantigas sonolentas e cadenciadas dos margeantes que ouviu, chega afinal a Salvador ”. Interna-se no Colégio Antônio Vieira, entre livros e estudo , perquirição e labor . Faz um curso brilhante e se destaca dentre os colegas , desde o início , como o primeiro . Aprimora cada vez mais o aproveitamento e a conduta , modela o espírito , plasma com afinco sua cultura , alicerça o caráter e se prepara para a luta . É a águia que experimenta as asas para o vôo !
Concluídos os estudos secundários , submete-se aos exames preparatórios no Ginásio da Bahia, em fins de 1924.
Transpõe o obstáculo e recebe como prêmio a maior distinção concedida pelos padres do Antônio Vieira: uma viagem à Europa !
O adolescente vara o Atlântico . Deixa a Bahia e contempla o Velho Mundo . Um imenso horizonte se descortina . Vê museus , vê documentos da História , vê palácios e monumentos . Vê peças inauditas. Conhece a Pré-História e se fascina com as ciências biológicas, físicas e naturais . Tem enfim , pela vez primeira , uma visão global da cultura !
Os dois gigantes se atraem, se completam e se entendem. A partir do seu regresso da Europa, ALEXANDRE bebe, cada vez mais , os conhecimentos profundos que emanavam daquela excelente criatura . “Especialmente na Botânica – confessa o próprio ALEXANDRE – dele recebi sempre a mais assídua e proveitosa assistência , particularmente na área da Taxonomia , com a qual se tornara tão familiar . Com ele também participei de Comissões de Trabalho . Por sua indicação , em 1940, lecionei Microbiologia na Escola Agrícola do Estado , onde também ele era professor . Sob seu comando , com outros companheiros , fundamos a Sociedade Baiana de História Natural . Porém , mais do que essas atividades formais , teve significação para mim o convívio despretensioso do dia a dia , por quatro décadas , sempre que as circunstâncias o permitiam, dentro de nossas ocupações absorventes .”
ALEXANDRE, dia após dia , mês após mês , ano após ano , durante toda a vida acadêmica , de 1925 a 1930, conviveu e admirou o Padre Torrend e a Medicina . O grande jesuíta , naquele momento com pouco mais de cinqüenta anos , havia chegado à Bahia nos idos de 1914, seguindo logo depois , em viagem de estudo , para o Rio de Janeiro , São Paulo e Minas Gerais , coletando material , especialmente no campo da Micologia e da Fitopatologia. Excursionou depois no Maranhão, onde se dedicou ao estudo da cultura e das doenças do algodoeiro . No ano de 1916 deslocou-se para o sudeste da Bahia, onde se fixou na flora local , colhendo fungos e fazendo observações sobre o ambiente . Tal experiência foi ampliada no ano seguinte até a região de Ilhéus e Itabuna, onde estudou as doenças dos cacauais . No final de 1918 e início de 1919 o Padre Torrend viajou por terra , visitando o nordeste semi-árido , de Salvador até Fortaleza , quando estudou a flora , a geologia e a biologia daquela área . Esteve em seguida na Cachoeira de Paulo Afonso, em companhia de outro sábio baiano , o Prof. PRAJÁ DA SILVA (descobridor do Schistosoma mansoni ) quando juntos observaram a flora e a geologia . Idênticos estudos efetuou nos anos seguintes , até 1925, no interior do Paraná e da Bahia. Interessou-se com especial carinho por Canavieiras e pela Chapada Diamantina , especialmente pela Gruta de Brejões, bem como por Jacobina e Morro do Chapéu . Ali , nos dois últimos municípios , perquiriu as inscrições rupestes interpretadas como vestígios de roteiros de antigos bandeirantes .
ALEXANDRE, sem esquecer seus estudos , acompanha com vivo interesse os passos do seu mestre . De 1925 a 1929 analisa vasto material colhido pelo Padre Torrend, o qual excursiona o Estado de Goiás. Interessa-se pelos mistérios e pela lenda das minas de Robério Dias . Em 1928 é atraído pelas viagens que o sábio jesuíta realiza aos Estados do Norte (de Sergipe ao Amazonas ) e do Sul (Rio de Janeiro , Minas e São Paulo).
No final da vida acadêmica de ALEXANDRE LEAL COSTA – isto é, de 1928 a 1930 – o Padre Torrend começou a viver mais tempo com a mocidade , o clero e as comunidades religiosas. A pregação , os retiros , passam a constituir o motivo principal , senão único , de suas viagens .
Foi nesse período , no ano de 1930, que ALEXANDRE se aproximou de BEATRIZ, sua futura esposa . Conheceram-se em Barreiras , em 1925 e casaram-se em 1935. Os pais de BEATRIZ eram amigos dos pais de ALEXANDRE, sendo o consórcio fruto natural e espontâneo daquele convívio .
Concluído o aprendizado médico , apresentou e defendeu, em março de 1931, perante a Congregação , tese sobre ‘DOENÇA DE PIRAJÁ DA SILVA MANSON’. Aprovado com distinção , recebeu no mês seguinte o título de Doutor em Ciências Médico-Cirúrgicas.
Recém-formado, inicia a clínica . Como inspetor de uma Companhia de Seguros , teve oportunidade de excursionar freqüentes vezes ao interior do Estado , ocasião em que , não esquecendo seus deveres de inspetor, satisfazia sua inclinação , examinando com grande interesse a fauna e a flora de diversas regiões . Colhia, eventualmente , farto material muito útil para ele e o Padre Torrend.
Na capital – como disse com acerto GALENO MAGALHÃES – difundia o saudoso confrade seus variados conhecimentos aos jovens e durante anos ensinou, em colégios diversos , Matemática e História Natural .
Pontificou de igual modo na Universidade Católica do Salvador , na Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública e na Escola de Enfermagem , ensinando em todas elas Parasitologia.
Tendo de assumir , em tempo integral , a direção do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, afastou-se da Cadeira de Parasitologia da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública , quando - por indicação sua – tive a honra de substituí-lo durante trinta e um anos.
Quantas e quantas vezes deixei o meu laboratório para ouvir , embevecido , suas aulas magníficas ? Quantas e quantas vezes o substitui no Anfiteatro ? A princípio ele me avisava com cautelosa antecedência , dizendo-me o dia e o assunto que eu deveria abordar . Pouco a pouco porém , num crescendo que me assombrava, foi o mestre acompanhando os meus passos e, à medida em que criava confiança em mim , diminuía o intervalo entre as solicitações até que começou a mandar que o substituísse poucos minutos antes do início da aula . Eu o obedecia e, para surpresa de todos , ALEXANDRE aparecia no Anfiteatro , sentava-se entre os alunos e ouvia, com religiosa atenção , a aula que eu proferia. Depois , quando os discípulos se retiravam, ele analisava meu desempenho , oferecendo sugestões que até hoje acolho com o maior carinho .
Guiou meu trajeto com inusitado interesse . Quando julgou acabada a preparação – eu me lembro bem , foi numa chuvosa manhã de junho – levantou a voz e disse, com a maior naturalidade :
-- “Geraldo, vou para a minha Botânica ...”
Continua o mesmo autor : “Depois de ouvir todo o pessoal , depois de atender os encargos da Diretoria do Instituto , depois de fechar as portas do edifício , ia para o herbário . Tomava a lupa e examinava todas as peças florais . Mandava buscar a “Flora ” de MARTIUS, a Bíblia de todo o sistemata brasileiro , e lá ficava horas a fio ” !
“Encantava-se e encantava-nos com a presença e persistência do grupinho que pretendia formar . Aos sábados e domingos era no herbário que ele vivia. Aos sábados , até 2 ou 3 horas da tarde . Aos domingos buscava as dunas , as montanhas secundárias dos subúrbios de Salvador ou as caatingas e matas de algum município interiorano ”.
“ALEXANDRE – afirma o Prof. GALENO MAGALHÃES – é o mestre consagrado. Com modéstia mas com perseverança, idealismo e acendrado espírito de estudioso , ofereceu à mocidade tudo o que de melhor a ela poderia ofertar . Para aumentar seus conhecimentos , excursionou pelo território nacional , herborizou o quanto permitiram seus afazeres cotidianos . As terras dos Estados de Goiás, Mato Grosso , Minas Gerais e Bahia conheceram as solas de suas botas . Vem o incansável ALEXANDRE examinando minuciosamente as caatingas , os chapadões e o remanescente de nossas florestas ”.
Na qualidade de membro fundador da Sociedade Baiana de História Natural - informa a citada fonte - andou palmilhando o território baiano , das dunas de Itapoã à Chapada Diamantina , das caatingas de Juazeiro até Morro do Chapéu , Jacobina e Miguel Calmon. Seus companheiros eram os mesmos de sempre , isto é, o Padre Torrend, Jonas Seabra, Moreira Pinto , Narciso Soares da Cunha e outros afeiçoados da Botânica . Ele próprio comentava, dizendo: - !Continuamos em estreita e proveitosa convivência , lado a lado , trocando idéias , esmiuçando planos , desfazendo dúvidas , suave e despretensiosamente vagueando pelos caminhos da Scientia amabilis”
No seu último ano de vida teve ALEXANDRE, segundo o Padre JOSÉ PEREIRA , muitas alegrias . Primeiro , viu seu nome , em homenagem sincera e justa de alunos e docentes , inscrito em placa de bronze no dia do seu aniversário (quem diria, o último ). Segundo , reencontrou espécimens completos de cactáceas ( salvadorensis e bahiensis ) que colecionadores estrangeiros haviam mencionado. Encontrou também um Peireskia, espécie igualmente autóctone , descrita por alguns estudiosos . Quando foi a Pojuca – continua o Padre JOSÉ PEREIRA – em demanda de uma composta ou de uma borraginácea que diziam ser causadora de anomalia patológica , encontrou um Anthogeros , que talvez seja uma das plantas mais antigas da atualidade . Indo com a Dra. GRAZIELA BARROSO, e outros , ao interior , encontrou o fruto de um cactus que tanto procurava e uma Aracea que será descrita pela referida cientista com o nome de Philodendron leal costae , por expressa decisão de sua descobridora. Terceiro , teve a honra de proferir o discurso oficial dos festejos que assinalaram o centenário do Padre Torrend. O maior colecionador de mixomicetos em todo o mundo foi o Padre Torrend o qual , como já dissemos, desempenhou o papel de guia científico e espiritual de ALEXANDRE. Iniciando sua memorável conferência , disse LEAL COSTA : “ A honra com que fui distinguido, dentre tantos amigos e discípulos do Padre Torrend para vir hoje aqui , no dia em que se comemora o seu nascimento, falar sobre sua singular personalidade , prende-se, sem dúvida , a convicção dos que assim deliberaram, de que deva conhecê-la de perto , dado os estreitos laços de filial amizade que a ele me uniram mais de quarenta anos de ininterrupta convivência ”.
Recordo com emoção o seu interesse pelo grande ideal da minha vida . Com que paciência me convidava para uma palestra a fim de indagar algum pormenor da futura UNIVERSIDADE DE FEIRA DE SANTANA ( hoje , pela Graça de Deus , uma palpitante realidade ) ! Sua estrutura , seus cursos , os currículos , seus candidatos a professores , seus instrumentos normativos, tudo enfim não escapava ao interesse do grande educador . Com que saudades me recordo das suas recomendações e dos seus conselhos , dos erros que , segundo ele , eu não deveria cometer , quer no projeto , quer na implantação . Conselhos de mestre querido e também de Presidente do Conselho Estadual de Educação ! Com que saudade evoco sua constante presença às reuniões preparatórias e aos debates , quer em Feira , quer em Salvador , quer em Brasília ! Com que preocupação ele me orientava nos momentos mais difíceis, receoso que eu desanimasse diante de tantos obstáculos . Será que um deles, poderia matar no nascedouro a futura Universidade pela qual lutei, com outros abnegados companheiros , durante mais de vinte anos ? Quantas e quantas vezes me acompanhou ao Conselho Federal de Educação , à Câmara dos Deputados , ao Senado da República e ao Ministério da Educação !
Quis o destino que a morte o levasse quase no mesmo dia em que o plenário do Conselho Federal de Educação aprovou a autorização para o funcionamento da nova Universidade . Triste coincidência que me furtou o grato prazer de um abraço tão sincero . Triste evento que impediu que o mestre querido visse o seu discípulo investido no cargo de primeiro Reitor da nova instituição a qual , ao longo de tantos e tantos anos , tem dado a Feira de Santana e ao Brasil advogados , odontólogos , engenheiros , enfermeiros e tantos e tantos outros profissionais , verdadeiros baluartes da mudança cultural de uma imensa região ! Como ele se sentiria feliz ! Descanse em paz , mestre querido , a Universidade Estadual de Feira de Santana não desmerecerá seus conselhos e recomendações !!!
Terminando a belíssima oração que proferiu durante a missa encomendada pelo Governo do Estado , pela Universidade Federal da Bahia, por outras instituições e por seus amigos , no sétimo dia do falecimento de ALEXANDRE LEAL COSTA , disse o Padre JOSÉ PEREIRA : “Professor emérito . Amigo sem jaça . Pai extremoso . Médico bom . Cultor das Ciências em todos os seus ramos . Adepto do bom dizer e do bem querer . Ainda teve tempo de, na convalescença de terrível moléstia que o assaltou no segundo semestre de 1975, traduzir um trabalho de ULE sobre as caatingas da Bahia. Praza a Deus que os apontamentos ou a tradução não se tenham perdido ou deteriorado com as andanças motivadas pela doença . O mesmo se diga da monografia que escreveu sobre nossas cactáceas e bromeliáceas”.
As minhas últimas palavras são as mesmas de todos quantos o conheceram e admiraram. ALEXANDRE LEAL COSTA deixou em todos nós marcas indeléveis de sua presença , frutos opíparos de sua convivência , de sua modéstia e de sua cultura . Adorável criatura foi ele : mestre e amigo , sábio e humilde , tímido e introvertido . Humano , profundamente humano , até o fundo do coração . Deus o tenha no Seu aconchego , confrade inesquecível , honra e glória desta Academia . Você partiu apressado como sempre mas continuará vivo , bem vivo , na nossa memória . Você se foi, você desapareceu quando menos esperávamos, deixando em cada um de nós uma saudade profunda , uma eterna lembrança ...
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