domingo, 20 de março de 2011

AVULSO- NEGROS E MULATOS NA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

AVULSO- NEGROS E MULATOS NA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

MUDANDO O RUMO DA HISTÓRIA
Agnes Mariano

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FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA


 

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Negros e mulatos na Faculdade de Medicina sempre foram poucos e não é nada difícil encontrar relatos sobre ofensas e perseguições sofridas, protagonizadas por algum professor elitista. O que não impediu a presença desses rapazes na escola, como estudantes e até professores, desde o começo. Os irmãos José e Domingos Melo estão entre esses pioneiros. Ambos, além de médicos foram professores dessa instituição no século XIX. Outro médico e professor negro foi Luis Anselmo da Fonseca. Nascido em Santo Amaro, em 1853, ele foi também um homem das letras, como era comum entre os médicos da época. Além dos livros sobre medicina, escreveu trabalhos historiográficos: “O seu livro ‘A escravidão, o clero e o abolicionismo’ é fantástico”, assegura o historiador Cid Teixeira.
O próprio Cid explica as razões desse fenômeno: “Na verdade, a Faculdade continuadora do Colégio Médico-Cirúrgico foi bem mais uma escola de cultura humanística, uma opção universitária para os que não tinham condições para os estudos europeus de Coimbra ou de Montpelier ou para a freqüência dos cursos jurídicos de Olinda e São Paulo”. Alguns, é claro, amavam tanto as letras quanto a ciência. Um desses foi o médico, deputado, conselheiro e professor Salustiano Souto, que tinha um alto cargo entre os malês da cidade. Vindo do interior – Vila Nova da Rainha –, formou-se logo nas primeiras turmas da faculdade, 1840, e em seu concorrido consultório atendia pobres e abastados. Solteirão, dedicava-se nas horas vagas a estudos religiosos, dirigiu por dez anos o Passeio Público e promovia reuniões sociais em sua casa, reunindo convidados como Castro Alves e Ruy Barbosa, conta Cid.
Outro médico ilustre dessa época foi Manuel Maurício Rebouças, irmão do conselheiro Antonio Rebouças e tio do engenheiro André Rebouças. Após ter trabalhado como escrevente num cartório, ao lado do irmão, lutado nas batalhas da Independência e procurado “em vão por um emprego público”, ele foi para a França, conta o historiador João Reis. Morou e trabalhou lá por sete anos, conseguindo estudar letras, ciências e medicina. Como cientista, Maurício produziu o mais importante trabalho de um brasileiro sobre os enterros nas igrejas. Nessa época, a medicina ainda tateava, usando mais a intuição do que método científico, mas o trabalho de Maurício atualizou os baianos sobre a questão com um oportuno espírito conciliador que muito ajudou a resolver o impasse. Dois outros destaques na sua família são os seus irmãos José, que se formou em regência na Itália e Manuel Maria, que, além de músico, foi pedagogo, conta Reis.
Muitos já tinham vindo antes dele, mas Juliano fez tudo de um modo diferente, pessoal, inovador. As suas grandes marcas eram a extrema bondade no trato com os pacientes, como atestou o escritor Lima Barreto, quando passou por uma internação, e a sua capacidade de trabalho. Juliano aliava uma inteligência incomum com uma generosidade rara. “O pai dele era um homem simples, mas gostava de ler e foi lendo os jornais que o pai comprava que Juliano começou a sua trajetória”, conta o psiquiatra e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Ronaldo Jacobina. Ele teve ainda um padrinho importante, o barão de Itapuã, que talvez fosse patrão de sua mãe. “Já no Liceu, ele revelou um talento incomum e lhe foi permitido cursar ao mesmo tempo a Faculdade de Medicina, por isso ele se formou tão cedo”, explica Jacobina.
Sendo professor da clínica psiquiátrica e depois atuando no Hospital Santa Isabel e no Asilo São João de Deus, Juliano se tornou famoso como psiquiatra, mas também colaborou em outras áreas. Fez vários trabalhos em dermatologia, inclusive sobre doenças que afetavam principalmente os escravos e foi pioneiro na implantação de exames microscópicos e na criação de laboratórios, que quase não existiam por aqui. Após uma viagem à França e Alemanha, para freqüentar cursos, “ele introduziu aqui a punção lombar como recurso diagnóstico em neurologia e psiquiatria”, cita, como exemplo, Jacobina.
Lendo, escrevendo e falando cinco línguas, produzindo dezenas de artigos publicados em vários países, Juliano tinha como um dos seus maiores prazeres ficar na torre do Solar Boa Vista, de onde se vê o mar e o Dique do Tororó, discutindo questões médicas com colegas e alunos. Na época funcionava lá o asilo que depois passou a se chamar Hospital Juliano Moreira. Como a sua fama corria mundo, um dia veio o convite para assumir uma responsabilidade maior: dirigir o Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro. A grande dúvida para aceitar o convite foi uma razão amorosa: “Ele era apaixonado por uma professora primária de Cachoeira, Honorina, que era mulata. Fez até poemas para ela”, conta Jacobina. Honorina não quis ir para o Rio, mas Juliano foi. Do outro lado do mundo, no Egito, numa de suas viagens em busca de tratamento para a sua tuberculose, Juliano conheceu a mulher com quem se casou, uma alemã.
Do seu trabalho como psiquiatra, no Rio e na Bahia, Juliano deixou um saldo de valor inestimável, que influenciou várias gerações de psiquiatras. Aboliu o uso das camisas e coletes-de-força, mandou tirar grades das janelas, fundou associações médicas, conhecia Freud já no século XIX, introduziu novos tratamentos – como a hidroterapia, a laborterapia e a sonoterapia -, criou um atendimento especial para crianças com deficiência mental e uma escola para preparar enfermeiros, conduziu a elaboração de uma classificação brasileira das doenças mentais. Por tudo isso, e ainda pelos seus pronunciamentos contra todas as formas de racismo e xenofobia, foi homenageado e publicado em todo o mundo. Jacobina acrescenta ainda uma última e importante qualidade do mestre Juliano: “Ele era um incrível formador de discípulos. Todos foram pessoas importantíssimas na psiquiatria brasileira. Seus discípulos nunca romperam com ele. Juliano estimulava todos, nunca apagava o brilho de ninguém”.


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