quarta-feira, 20 de abril de 2011

AVULSO- JOÃO BATISTA DA COSTA CARVALHO, MEU AVÔ DE OURO

VISITE SALVADOR, BAHIA




MEU AVÔ DE OURO
Geraldo Leite



JOÃO BATISTA DA COSTA CARVALHO,
MEU AVÔ DE OURO


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Meu avô materno era João Batista da Costa Carvalho, conhecido como Banga, meu avô de ouro. Nasceu em 1871. Era filho do coronel Clementino Costa Carvalho, homem dos mais importantes que viveram em Santa Luzia, Estância e região circunvizinha.
Por ocasião da morte do pai do meu avô materno,a imprensa de Estância registrou farto nioticiário, do qual destaco o seguinte: "Dolorosa e sensível perda, para uma família unida, nobre e bastante estimada de todos, foi a triste nova que, na manhã de 21 deste mês, divulgou-se por toda a cidade, causando sentimento geral. Em a noite antecedente após receber as últimas graças da religião católica, manancial santo que eleva a alma ao seio de Deus, faleceu no Engenho  São José, de propriedade de seu filho e nosso amigo João Batista da Costa, o venerando nonagenário e nosso bom amigo Sr. Clementino Costa Carvalho, um dos homens mais puros, mais sinceros e probos, que conhecemos. Residindo nesta cidade, desde alguns anos, em completo descanso, por assim opinarem seus filhos, atento a vida afanosa que, desde sua juventude até o declínio para o último quartel da vida, levara, permitiu o destino que almejasse seguir para os próximos sítios de sua propriedade Antas, onde a parca, no apogeu de sua inclemência e no seu inexorável fadário, aguardava ceifar o fio daquela preciosa existência".
Conta minha mãe que o coronel Clementino Costa Carvalho era uma pessoa extremamente justa e muito querida por todas as camadas sociais, sobretudo pelos indivíduos mais pobres e desprotegidos.
Quando um escravo ou serviçal qualquer sofreia um abuso, injúria ou desumana humilhação, colocava as mãos na parede e gritava:
- Acuda-me, Coronel Clementino !
A notícia chegava de imediato ao conhecimento do grande homem público que colocava a Justiça em ação. Se o apelante era inocente, seria desagravado. Se culpado, seria punido na forma da lei.
Paara impor de tal modo o império da ordem, contava o coronel com seus parentes, o desembargador João Batista Costa Carvalho e seu filho, juiz João Batista Costa Carvalho Filho, exemplos de magistrados que prestaram grandes serviços ao Brasil. O desembargador gozava de notável prestígio na cidade de Estância. Diz um jornal da época que "como juiz, nenhum mais íntegro e cumpridor dos seus deveres. Como parente e amigo, nenhum mais dedicado. Como esposo e pai, era invejável na direção do seu lar e, na aprimorada educação de seus filhos que tanto lhe honram  e hão de exaltar a  sua memória". Formado pela Faculdade de Direito do Recife, exerceu a magistratura nas províncias e estados de Sergipe, Bahia, Mato Grosso, Amazonas e Alagoas. Era, portanto, um anteparo para seu iremão Clementino Costa Carvalho !
Também de minha mãae ouvi várias vezes que o coronel Clementino era um chefe político autoritário. É de minha progenitora o seguinte relato: No final do século XIX, a cidade de Estância tinha apenas, ou quase apenas, a rua principal e a Praça da Matriz. A rua principal era a atual Rua Capitão Salomão e a Praça da Matdriz, tal como hoje, abrigava além da Igreja Matriz, a Intendência, o mercado e a feira-livre. Os senhores de engenho mandavam, nos dias de feira, seus carros de bois, com os respectivos carreiros e chamadores, para a cidade a fim de fazerem a feira necessária ao sustento de suas famílias. Desde modo, às segundas- feiras, a cidade era um eterno desfile de carros de bois numa chiadeira sem-fim, pois a economia da região era açucareira, os engenhos eram numerosos e de pequeno porte e se espalhavam por vários municípios vizinhos. Decidiu o Intendente de Estância proibir o trânsisto de carros de bois pela rua principal e pela praça da feira, devendo o abastecimento ser feito por meio de tropas de burros devidamente apetrechados. Todavia não fez a comunicação aos interessados.
Certo dia, sem aviso prévio, o carro de bois, a feira  e o carreiro do coronel Clementino foram aprisionados e o chamador, enviado de volta para o Engenho Antas com ordem de comunicar ao seu amo o ocorrido. O coronal Clementino devolveu o portador com uma contra-ordem: decorridas 48 horas, ele e os demais proprietários de engenhos da região, por ele convocados, com todos os seus bens materiais e imateriais, carros de bois, vacas, cabras, animais de todas as espécies, escravos, pessoas livres, parentes e serviçais, invadiram a cidade, soltaram o carro de bois e o carreiro presos, respeitaram os demais detentos e ficariam acampados em frente à intendência durante três dias, não devendo ser molestados.
Ao meu avô de ouro, coube a missão de convocar os proprietários dos engenhos São José, São Félix, Priapu, Mato Grosso, Engenho Velho , Cedro e outros, bem como coordenar todos os lances da operação. O intendente, é claaro, se ausentou da cidade e ausente permaneceu durante os três dias.
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Não obstante os arroubos da juventeude, o meu avô de ouro era um homem tão enérgico como o seu pai, porém extraordinariamente compreensivo, carinhoso e bom. Era muito avançado para a sua época. Quantas e quantas vezes o vi dizer que seu filho Lauro, adulto de mais de quarenta anos, não fumava em sua vista e que ele considerava aquele fato  uma bobagem. Enquanto tecia tais comentários, voltava-se para os netos mais velhos, filhos do meu tio Oscar e oferecia cigarros exclamando:
- Sei que vocês fumam, querem cigarros ?
Naquele tempo, é claro, os malefícios do fumo eram desconhecidos.
Sua admiração pela tecnologia, pelo progresso e pela ciência não tinha limites. Da família, foi o primeiro a adquirir um automóvel a fim de usá-lo na Estância e no Engenho, em pleno meio rural, desprovido de qualquer tipo de estrada. Acabou desisstindo do veículo tamanha a quantidade de empréstimos, para casamentos, festas e batizados para os quais tinha de fornecer, além do veículo, combustível, motorista e tudo o mais.
Também foi um dos primeiros a comprar um rádio. Com que admiração, com que entusiasmo, vencendo todos os percalços, apurando o ouvido, escutava os discuros de Hitler, sem entender uma palavra de alemão e exclamava:
- Admirável, admirável, ouvir Hitler no outro lado do Atlântico, discursando!!!
O que dizer, se hoje o meu avô de ouro visse, em pleno funcionamento, a televisão a cabo e a cores, o DVD, o fax, o telefone celular, a internet, as naves espaciais e outras maravilhas do mundo moderno?
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Minha amizade pelo meu avô de ouro data dos primeiros anos da minha infância. É tão antiga quanto a amizade que ele me dedicou durante toda a sua vida. Parecíamos, às vezes, ter a mesma idade, embora ele fosse muitas vezes mais idoso do que eu ! Quando eu em Estância e ele, nos fins de semana, vinha do Engenho para a cidade a fim de ficar com a família, por incrível que pareça, nós brincávamos juntos !  Éramos duas crianças ! Íamos tomar banho no Rio Piaitinga, correr, pular nas pedras, sentar sobre as pequenas quedas d´água, andar, brincar de se esconder ... Pegávamos a toalha, o sabão, a saboneteira, e lá íamos nós dois, ele na frente e eu a dois passos atrás. Se eu acelerava o passo, ele acelerava também, de modo que eu não o alcançava nunca. E ele gritava, sorrindo:
- Menino mole! Anda, Geraldo!
Eu me esforçava, aumentava as passadas, ofegava, lutava inutilmente, numa luta desigual.
No meio do caminho, perto da ponte de pedra que ligava a estrada ao braço do rio, ele me agarrava, dava uma imensa gargalhada e saíamos rindo, eu em seus braços, até o outro lado do rio onde os amigos do meu avô estavam à nossa espera. Eu, cheio de orgulho, metia o dedo na conversa deles, conversa de gente grande, e opinava sobre engenho, moagem, cana piojota, preço do açucar, boi zebu e coisas que tais. Todos riam, ninguém me escutava, só o meu avô prestava atenção ao que eu dizia.
O apego era tão grande que meu avô convenceu meus pais que eu deveria ficar mais tempo em Estância, aprendendo as primeiras letras com o Professor Zacarias, cuja escola era em um sobrado em frente ao mercado, na Praça da Matriz, bem pertinho da casa onde morávamos.
Foi o meu avô de ouro que me deu o primeiro velocípede com o qual eu atormentava meus vizinhos da Rua Itabaiana, em Aracaju, todas as tardes, atropelando uns e outros, andando pela calçada, buzinando numa velocidade louca.
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Meu avô Banga tinha 15 cunhados dos quais dois eram médicos de renome: Berilo Leite e José Vieira Leite. O primeiro formou-se em 1906, na Faculdade de Medicina da Bahia, e mereceu da imprensa de Aracaju o seguinte julgamento: "espírito calmo e caritativo homem da Pátria, médico do povo, coração abençoado, portador de um conjunto de preciosidades que muito o seu passado". Morreu aos 74 anos, como disse o poeta Freire Ribeiro, "em plena tarde do século, vencido por imbatível doença, arrebatado pela morte!" Eu o conheci. Morava na Rua Pacatuba em uma casa de esquina, muito bonita, com um grande viveiro, repleto de pássaros, ornamentando o jardim...
O outro  médico ilustre, cunhado do meu avô, eu não conheci. Foi o Dr. João Vieira, nascido em 1867, no Engenho Saõ Félix. Ao atingir a idade dos oprimeiros estudos, passou a residir na cidade do Conde, sob os cuidados de seu avô materno, o Barão do Timbó. Dotado de inteligência privilegiada, fez os preparatórios com muito brilhantismo, cursou a Faculdade de Medicina da Bahia com igual denodo e diplomou-se em 1890, vindo clinicar na cidade de Estância.
Dotado de espírito caritativo, trabalhou gratuitamente no hospital da cidade tendo ajudado com sua bolsa na reconstrução do referido nosocômio. Casou-se com a senhora Laura Gomes. Eleito deputado estadual em duas legislaturas consecuetivas, alcançou a presidência da Assembléia no ano de 1894. Daí foi guindado à Presidência de Sergipe  e como Presidente permaneceu, até a posse do General Oliveira Valadão.
Falecu, em circunstâncias trágicas, no dia 25 de janeiro de 1902, aos 35 anos de idade. Diz Ana Maria Nunes Espinheira: "No começo de 1902, apresentou sinais de alienação mental, moléstia que foi cruciante e rápida. Em poucos dias sentiu-se gravemente doente. Sua família resolveu mandá-lo para tratamento no Hospital de Alienados, no Rio de Janeiro. Acaompanhava-o seu sogro e o seu irmão, posteriormente formado em medicina, Berilo Leite. Mas ao entrar na barra de Vitória faleceu a bordo do navio Manaus, que o conduzia".
A imprensa de sua terra registrou o fato do modo seguinte: "Completa hoje um ano que desapareceu da comunhão dos vivos, do meio dos seus amigos e do seio desta querida Estância o dr. João Vieira Leite. Quem foi o dr. João Vieira Leite que diga Sergipe inteiro quando o teve na sua direção, que o diga a Estância que lamentará sempre tão funesta perda, porque via encarnada nele a mais sensata de todas as virtudes - a caridade.
Para ajuizar bem a grandeza de seu coração, a bondade de sua alma, como homem social, bastaria ir-se ao hospital e contemplar aquele edifício belo construído quase todo sob a sua administração. Para aquela casa de caridade, que ele estremecia, não só dedicava os seus trabalhos clínico-cirúrgicos com o maior desinteresse como também até a sua bolsa sempre aberta para o que era necessário fazer em prol do seu desenvolvimento".
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Os anos foram passando, eu fui crescendo, fui me tornando menino e moço e a amizade por meu avô de ouro não mudava, era sempre a mesma. Certa vez, movido pela empatia, ofereci ao meu avô um presente: a biografia de um grande vulto da cultura brasileira. Ele olhou para mim, olhou bem nos olhos e perguntou com o maior interesse:
-- Meu filho, quando você crescer, o que você quer ser na vida ?
Eu respondi, sem pestanejar:
-- Meu avô: eu quero ser médico, quero ser Reitor, quero ser Diretor da Faculdade de Medicina!
Para mim, médico era ser um tio Berilo, um tzar, um ser superior. Reitor, era alguma coisa ligada a rei, governante. Universidade, algo imenso, universal. Diretor de Faculdade de Medicina, chefe de todos os médicos do mundo, pai de todos os esculápios. Coisas de menino, meio criança, meio adolescente!
Meu avô olhou para mim e disse mais ou menos o seguinte:
-- O importante é que você alcance os seus sonhos sem pisar em ninguém, sem atropelar os outros, sem prejudicar seus colegas e seus semelhantes. Siga o curso da sua vida, naturalmente. Cada coisa virá ao seu temjpo. Eu estarei lá em cima lutando por você, abrindo o seu caminho, pedindo a Deus pra que você seja, pelo menos, um médico, um médico como o seu tio Berilo, o seu tio José Vieira. Sei que não estarei vivo quando você conquistar suas vitórias, mas, seu eu puder, ficarei ao seu lado, batendo palmas, apludindo seus esforços, bendizendo seu futuro!
Não é que Deus ouviu meu  avô?
Não é que, sem atropelar ninguem, me formei em medicina, fui Diretor da Faculdade  e Reitor ?
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Alguns anos depois, o meu avô Banga, sempre entusiasmado com as novidades do  progresso, da tecnologia e da ciência, projetou e mandou construir um mecanismo hidráulico destinado a fornecer energia eléterica ao Engenho Antas e suas dependências.
Todos os dias visitava sua obra-prima e dela cuidava com o maior empenho. No dia 7 de junho de 1943, ao cair da tarde, dirigiu-se o meu avô de ouro, em companhia de um menor de apenas sete anos de idade, a fim de lubrificar o maquinário. Trajava, como era de hábito,calça social e paletó de pijama. O fim do dia era sombrio, o crepúsculo cheio de nuvens escuras, típicas do inverno. As parcas esvoaçavam pelo horizonte e, de repente, uma delas, com seu braço de vento, apanhou o pijama do meu avô e o enrolou na polia da roda d´água. Meu avô de ouro, preso na gigantesca roda,deu 120 voltas por minuto, espalhando partes do seu corpo pela relva e pela copa das árvores mais próximas, num quadro dantesco, horripilante.
O seu neto de ouro, em Salvador, no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, dos Irmãos Maristas, no bairro do Canela, iniciava os preparativos para a grande jornada que teve início em março de 1945, na Faculdade de Medicina da Bahia.
Coisas da vida, não adianta lamentar.
Guardo o seu retrato sempre ao meu lado, em minha mesa de trabalho.
É um estímulo, uma consolação ...

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DEI AO MEU FILHO O NOME DE JOÃO BATISTA DA COSTA BISNETO E TOMEI  MEU AVÔ DE OURO COMO PATRONO, NA ACADEMIA DE CULTURA DA BAHIA!!!

                                                      
USINA ANTAS, SERGIPE - A RODA D´ÁGUA

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