(Extraído de “Galileu”-Número 238, maio 2011: pg. 63)
UNIVERSITY COLLEGE
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Robert Liston caminha em direção ao centro cirúrgico, ao lado do necrotério do hospital do University College, em Londres. Lamparinas a gás iluminam a mesa de operação, onde seu paciente é colocado. Mesa de operação, aqui, é só um modo de dizer. A pessoa fica estendida em um banco de pinho repleto de manchas de sangue de outros adoentados que por lá passaram. Ele tem um osso quebrado que perfura a pela de sua pantorrilha. Seria um procedimento relativamente simples, não tivessem o doutor e o paciente nascido na época errada.
O ano é 1842, quando uma fratura exposta significava infecção seguida de gangrena e morte. A outra opção, amputar a perna, não era muito melhor. Um em cada seis amputados por Linston – o melhor cirurgião do Império Britânico- não resistia. Sem dizer que, antes de enfrentar a morte, ainda tinham que passar por momentos de dor intensa pois não existia anestesia, só alguns paliativos, como álcool ou algum tipo de psicotrópico.
Um dos auxiliares de Liston amarra a perna boa do paciente à mesa e dois outros homens seguram seus ombros e braços para evitar que ele saia do lugar quando começar a se debater. Um terceiro ajudante pega a perna machucada enquanto Linston, em um movimento rápido, corta a carne da coxa. Outro assistente aperta um torniquete para reduzir o sangramento. Depois, coloca os dedes (sem luvas) dentro do corte e puxa para cima a massa de pele e músculos, expondo o osso. O paciente urra – é provavelmente a pior dor da sua vida. Linston esfrega uma serra em vai e vem contra o osso e uma poça vermelha de sangue se forma no chão enquanto ele se solta, no que o cirurgião alcança agulha e linha para fechar veias e artérias. O procedimento é cronometrado: 30 segundos.
Este é um dos relatos recuperados em documentos históricos por Richard Hollinghan, jornalista da rede de TV inglesa BBC, em seu livro “Sangue e Entranhas: A Assustadora História da Cirurgia”, recém-lançado no Brasil pela Editora Geração. A obra mostra os percalços de cirurgiões e pacientes até que a prática se tornasse mais segura.
Nesse caminho, transplantes feitos com órgãos de animais, lobotomias com picadores de gelo e infecções transmitidas pelas mãos contaminadas dos cirurgiões eram comuns. “Sem raios X para identificar os males, sem anestesia para reduzir a dor, sem antibióticos e sem esterilização, os procedimentos cirúrgicos até o começo do século XX eram extremamente perigosos”, diz Hollingham.
OS CASOS DE ROBERT LISTON
ROBERT LISTON
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Robert Liston era a faca mais rápida do West End, em Londres. Podia amputar uma perna em dois minutos e meio.
Liston era de uma agitação incorrigível, mesmo para um cirurgião. Evitava carruagens, visitava seus pacientes a cavalo, e adorava caçar. A reputação de sua velocidade lotava sua sala de espera, e o mordomo tinha que circular uma jarra reanimadora de vinho madeira e biscoitos. Quando a anestesia ainda não era conhecida – podia-se escolher entre embriagar-se com ópio ou rum, ou morder um pano enrolado em um bastão – a cirurgia era uma questão de quanto maior a velocidade, menor a dor.
Tinha 1,85m de altura, e operava usando um casaco verde-garrafa e botas Wellington. Movia-se como um duelista através de mesas salpicadas de sangue com seu paciente desmaiado, suado e amarrado, e gritava "Cronometrem, senhores, cronometrem!" a estudantes com relógios de bolso em galerias com amuradas de ferro. Todos juravam que o primeiro brilho do seu bisturi era seguido tão suavemente pelo som do raspar da serra nos ossos que a visão e o som pareciam simultâneos. Para liberar ambas as mãos, ele segurava o bisturi ensangüentado entre os dentes.
Liston era de uma agitação incorrigível, mesmo para um cirurgião. Evitava carruagens, visitava seus pacientes a cavalo, e adorava caçar. A reputação de sua velocidade lotava sua sala de espera, e o mordomo tinha que circular uma jarra reanimadora de vinho madeira e biscoitos. Quando a anestesia ainda não era conhecida – podia-se escolher entre embriagar-se com ópio ou rum, ou morder um pano enrolado em um bastão – a cirurgia era uma questão de quanto maior a velocidade, menor a dor.
Tinha 1,85m de altura, e operava usando um casaco verde-garrafa e botas Wellington. Movia-se como um duelista através de mesas salpicadas de sangue com seu paciente desmaiado, suado e amarrado, e gritava "Cronometrem, senhores, cronometrem!" a estudantes com relógios de bolso em galerias com amuradas de ferro. Todos juravam que o primeiro brilho do seu bisturi era seguido tão suavemente pelo som do raspar da serra nos ossos que a visão e o som pareciam simultâneos. Para liberar ambas as mãos, ele segurava o bisturi ensangüentado entre os dentes.
Foi Robert Liston quem realizou, em 21 de dezembro de 1846, a primeira operação sob anestesia na Europa. Único comentário: "Esse truque ianque ganha de longe do hipnotismo." A perna caiu no balde de serragem em dois minutos e meio, mas, ainda assim, o talento de Liston em velocidade cirúrgica já se via ultrapassado.
O terceiro mais famoso caso de Liston
Discussão com seu residente. Aquele tumor vermelho e pulsante no pescoço do garoto era um abscesso na pele? Ou era um perigoso aneurisma da artéria carótida? "Ora!" exclamou Liston impacientemente. "Quem já ouviu falar de um aneurisma em um garoto tão jovem?" Tirando rapidamente um bisturi do bolso de seu casaco, ele o punçou. Nota do residente: "Jorrou sangue arterial, e o garoto foi-se." O paciente morreu, mas a artéria está viva, no Museu de Patologia do University College Hospital, objeto número 1256.
O segundo mais famoso caso de Liston
Amputou a perna em dois minutos e meio, mas em seu entusiasmo foram-se também os testículos do paciente.
O mais famoso caso de Liston
Amputou a perna em menos de dois minutos e meio (o paciente morreu mais tarde de gangrena na enfermaria do hospital, o que geralmente acontecia naqueles tempos pré-listerianos – Lister foi o inventor da anti-sepsia). Amputou, também, os dedos de seu jovem assistente (que morreu mais tarde de gangrena na enfermaria do hospital, o que geralmente acontecia naqueles tempos pré-listerianos). Cortou também as caudas do fraque de um ilustre espectador da cirurgia, que, de tão aterrorizado com a possibilidade de o bisturi ter perfurado seus órgãos vitais, caiu morto de susto.
Essa foi a única operação da história com uma taxa de mortalidade de 300 por cento
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