quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

AVULSO - ASPÉCTOS ECOLÓGICOS DA PATOLOGIA TROPICAL BRASILEIRA




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PRAGA, REPÚBLICA CHECA
O PARLAMENTO NACIONAL
BUDAPEST, HUNGRIA
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ASPECTOS ECOLÓGICOS DA PATOLOGIA

 TROPICAL BRASILEIRA

Palestra realizada na Academia de Medicina da Bahia

Geraldo Leite

Não poderia deixar findar-se tão profícua administração sem atender - de modo o mais modesto embora - ao honroso e reiterado convite do ilustre Presidente, Prof. Jayme de Sá Menezes, para proferir uma de nossas palestras mensais. Falarei de um tema nacional, escolhendo para tanto o que chamarei "ASPECTOS ECOLÓGICOS DA PATOLOGIA TROPICAL BRASILEIRA".

ECOSSISTEMA é um conjunto dinâmico resultante da associação de dois componentes: - o SUBSTRATO BÁSICO e COMUNIDADE BIÓTICA. O Substrato Básico se compõe de Fatores Físicos (Clima, Solo, Relevo e Hidrogra­fia), Fatores biológicos (Flora e Fauna) e Fatores Humanos e Sociais (Habitação, Alimentação e Educação).

O Ecossistema Tropical tem características próprias, o mesmo acontecendo com os Ecossistemas das outras regiões. Nos trópicos o homem reage de maneira diferente às excitações de um meio que é também diferente. Diversos obstáculos dificultam a sua adaptação. A flora e a fauna são luxuriantes e determinam a proliferação de uma grande variedade de agentes etiológicos, vetores e reservató­rios. A temperatura média anual é mais elevada, a umidade do ar é mais pronun­ciada e o frio inexiste. As condições sociais e culturais são negativas, há má habitação, há má alimentação e há má educação.

Em quase todo o território formam-se "Complexos Patológicos" e "Nichos Ecológicos Naturais". Em extensas áreas prevalecem ou têm caráter exclusivo um conjunto de doenças, muitas das quais ocorrem de modo endêmico. Esta nosolo­gia está condicionada a agentes etiológicos e mecanismos de transmissão ligados ás condições bio-climáticas e ecológicas diferentes das que existem nos países temperados e frios.

Estudaremos de modo aligeirado os vários componentes do Substrato Bási­co do Ecossistema Tropical Brasileiro, buscando alcançar uma tese que de certo modo contraria a opinião vigente na classe médica do país: AS DOENÇAS VERDADEIRAMENTE TROPICAIS NÃO TEM IMPORTÂNCIA NO BRASIL

1 - FATORES FÍSICOS

1.1 - CLIMA

Não somente os germes patogênicos experimentam a ação do clima, varian­do assim a sua virulência e a sua capacidade morbígena. 0 organismo humano sofre também a influência dos fatores mesológicos, os quais provocam desvios e adaptações no seu metabolismo, alterando processos fisiopatológicos e a própria resistência orgânica. Vários elementos devem ser aqui considerados: a temperatu­ra, a pressão barométrica, a umidade do ar, o índice pluviométrico, o regime das chuvas, a nebulosidade, os ventos, etc. Os insetos são mais vorazes nos climas quentes. Os flebótomos desenvolvem-se mais rapidamente nas regiões cálidas e úmidas, com vegetação densa. O vento e a umidade são fatores decisivos para a proliferação de algumas espécies de triatomíneos. Os focos de filiarioses estão associados às zonas úmidas ou super-úmidas, onde a precipitação pluvial é eleva­da, oferecendo condição propicia para a proliferação de criadouros de culicídeos e simulídeos.

As chuvas nas zonas endêmicas de malária, recrudescem a incidência da protozoose pois a evolução dos anofelinos se efetua em condições ótimas de temperatura e umidade. 0 mesmo podemos dizer quanto ao desenvolvimento e a eclosão dos ovos de Schistosoma mansoni:

Cedo ou tarde, assinala ANES DIAS (1939), a Climatologia Médica há de retomar o seu lugar de destaque nos tratados de Parasitologia. Os grandes clínicos do passado preocupavam-se com tais estudos, hoje relegados ao abandono.

Vejamos como o Clima e a Parasitologia se relacionam:

1- Nos climas quentes e úmidos, com vegetação densa e precipitação elevada, ocorrem com grande incidência casos de dermatozoonoses provocados pela picada de Culicoides. Uma das maiores pragas da Amazônia vêm a ser os mosquitos, os quais prejudicam o trabalho durante o dia (especialmente os ceratopogonídeos e os simulídeos) e o repouso durante a noite (culicídeos).

2 - A bacia amazônica, com sua vasta vegetação, elevada umidade e baixa densi­dade demográfica, é palco de curiosos fatos de ordem científica. Ali prolife­ram, durante todo o ano, mosquitos transmissores de muitas arboviroses, as quais incidem naquela região de janeiro a dezembro. Estas mesmas arboviroses, fora da Amazônia, não são permanentes. O clima interfere sobre a reprodução de tais vírus e o período de incubação extrínseca torna-se inversamente proporcional à elevação da temperatura ambiente.

3 - Nas zonas de clima quente e úmido, com elevado índice de precipitação pluvial, ocorrem com frequência casos de filarioses e malária. Vários dípte­ros têm sido encontrados infectados com larvas de W. bancrofti, tais como os dos gêneros Culex, Aedes e Anopheles (subgêneros Nysorrinchus e Ker­tezia). No norte do país, onde existem condições climáticas favoráveis, en­contramos também a mansonelose, cujo principal transmissor é o Simullium amazonicum. A bancroftose incide de modo quase exclusivo no litoral, sen­do e cidade de Manaus um exemplo aberrante. Sua distribuição é nitidamen­te focal e urbana, enquanto a de mansonelose é rural e silvestre. A W. bancrofti prevalece nas zonas de clima tropical e temperado, úmido ou super-úmido, com temperatura anual acima de 17 graus C., umidade relativa do ar maior do que 80% e precipitação pluviométrica anual superior a 1.300 milímetros. Ao contrário, a mansonelose é de distribuição própria ao clima tropical super úmido, com temperatura anual acima de 24 graus C.

4 - A malária transmitida pelo Anopheles (N) darlingi é a mais difundida e a mais grave das parasitoses humanas da área amazônica. Durante o ano inteiromalária naquela região de vez que ali existem condições permanentes e ideais para a sua transmissão.

5 - No nordeste brasileiro reconhecemos, sob o ponto de vista fisiogeográfico, as seguintes faixas territoriais: o litoral, à floresta da encosta, o agreste e o sertão. A esquistossomose limita-se ao litoral, à floresta da encosta e ao agreste. Os focos mais importantes estão localizados na floresta tropical da encosta. No litoral e na floresta da encosta o regime de chuvas é periódico. A média pluviométrica é de 1.700 milímetros anuais e 80% das precipitações caem no período de março a agosto. De setembro a fevereiro os índices pluviométricos oscilam entre 25 e 66 milímetros e muitos criadouros secam completamente. A história natural dos planorbídeos e da própria esquistos­somose depende da dinâmica dos criadouros e o ciclo biológico é afetado pelo clima, sobretudo no que diz respeito à temperatura e à chuva. No fim da estação invernosa a densidade dos planorbídeos é alta e constituída, em sua maioria, de indivíduos jovens. No período pós-invernal os moluscos crescem, se reproduzem intensamente e os índices de infestação tornam-se bem mais altos.

6 - O T. infestans, principal transmissor da Doença de Chagas na América do Sul e em nosso país em particular, tem distribuição praticamente restrita ao clima mesotérmico. Sua valência ecológica, quando comparada com as dos outros triatomíneos brasileiros, oferece particularidades curiosas: o T. infes­tans e o P. megistus situam-se nas isotermas anuais de 17 e 23 graus C.; o T. braziliensis e o T. maculata preferem as isotermas de 23 a 28 graus C.; o T. sordida situa-se em posição intermediária, fixando-se entre as isotermas de 20 a 27 graus. Curioso é também o fato de não coexistirem no mesmo clima o T. infestans e os Anopheles do sub-gênero Kertezia.

7 - Os ovos de diversos helmintos, uma vez chegados ao solo e nele encontrando condições climáticas favoráveis, evoluem até a formação de larvas infestan­tes, sendo para tanto essencial que o clima seja quente e úmido.

8 - 0 bócio endêmico está relacionado com a pluviosidade. As chuvas provoca­da pelas massas de ar que procedem do oceano podem enriquecer o terreno com iodo. Daí o bócio endêmico ser uma doença própria das regiões eleva­das e das zonas isoladas do mar por serras e escarpas.

Muitos outros exemplos poderiam ser lembrados mas como o tempo dispo­nível é relativamente curto, passaremos ao estudo de outro fator físico.

1.2.- SOLO E RELEVO

muito o que falar sobre o solo e o relevo. Os solos arenosos e aluviais são mais favoráveis ao desenvolvimento das larvas dos geohelmintos, de vez que permitem a aeração e a migração das mesmas. O solo, para tais helmintos, desem­penha o papel de verdadeiro hospedeiro intermediário. Tais vermes são chamados geohelmintos e as doenças que eles causem recebem o nome de geohelmintoses. São exemplos: o A. lumbrioides, o N. americanus, o A. duodenale, o A. cani­mum, o A. brazilieraeis, o S. stercoralis, o T. trichiurus, os tricostrongilos, etc. Ovos e larvas sobrevivem infectantes em determinados tipos de solos, quer sejam eles areno-argilosos ou argilosos puros. Coleções de água em determinados terre­nos podem se constituir em criadouros de insetos e moluscos e nessas condições encontra-se o plancton do qual se alimentam vetores de numerosos parasitos.

A falta de iodo no solo pode facilitar o aparecimento do bócio endêmico. A natureza e a composição química do solo regulam a vegetação e esta influi na distribuição de várias espécies de seres vivos.

Vejamos, a guiza de exemplos, alguns casos de interdependência do solo e do relevo com certas doenças infecciosas e parasitárias:

1 - Tal como afirmamos anteriormente, os solos de textura média e fina, areno-argilosos, argilosos puros ou barrentos, são propícios para o ciclo evolutivo de determinados vermes. São solos que permitem o balanço hídrico, com boa drenagem, facilitando o escoamento da água capilar. Tais características são necessárias à migração das larvas. O teor em matéria orgânica e o pH constituem fatores importantes para a sobrevida de tais helmintos. Os terrenos argilosos impermeáveis, associados a chuvas torrenciais, propiciam o arrastamento mecânico e, em conseqüência, seu saneamento. Chuvas abun­dantes, provocando a lixívia da terra, prejudicam os geohelmintos, uma vez que o meio ácido resultante da dissociação dos sais dificulta o seu desenvol­vimento.

A ascaridiose é por excelência uma infestação de pátios e jardins, propagada pela "semeadura do solo" em volta das casas. Estas "semeadu­ras", em condições favoráveis, podem constituir fontes de infestação que perduram meses e anos. Sendo o solo continuadamente poluído, sobretudo nas áreas rurais, os ovos destes helmintos vão se concentrando de tal modo que durante o tempo seco, o vento levanta nuvens de poeira misturada com ovos de A. lumbriooides, T. trichiurus, T. seginata, T. solium e outros geohelmintos e biohelmintos, os quais caem sobre as áreas urbanas, determi­nando um parasitismo universal do qual não escapam moradores de bairros saneados. Em trabalhos anteriores tivemos oportunidade de tecer comen­tários sobre as poeiras que se depositaram em lâminas de vidro untadas com vaselina e por nós colocados em vários pontos das Cidades de Salvador e Feira de Santana. Encontramos em tais poeiras ovos de geohelmintos bem como ovos e fragmentos de larvas sobre preparações semelhantes deixadas em contacto com o solo durante algumas horas. Colhendo material nasal e com ele fazendo esfregaços, obtivemos em escolares do meio rural, na int­erior do município de Feira de Santana, idêntico resultado.

2 - Assim como há geohelmintos, há também geofungos. Numerosos cogumelos, agentes de micoses superficiais e profundas, têm sido isolados do solo, tais como o responsável pelas blatocomioses e coccidioses em nosso país.

3 - O A. braziliensis, parasito de gatos e cães em sua fase adulta, provoca nos seres humanos uma dermatite específica, chamada "dermatite serpiginosa". Tal parasito alcança o homem sob a forma larvária, a qual penetra em nossa pele quando tomamos contacto com o terreno contaminado com fezes de animais.

4 - Os oocistos maduros de T. gondii, eliminados com as fezes do gato, perma­necem viáveis, no solo, durante meses.

5 - A hidatidose, doença que ocorre na grande planície meridional do Brasil, onde a irradiação solar é escassa e o solo é plano e revestido por vegetação baixa e úmida, é um exemplo da influência do relevo na gênese de certas parasitoses.

6 - O calazar é também outro exemplo pois é uma afecção que prevalece nas zonas de vales ou sopés de serras, ondegrande densidade de flebótomos. É uma doença dos vales úmidos dos rios, dos chamados "boqueirões" ou "pés de serras".

5.3 - HIDROGRAFIA

A hidrografia está muito comprometida com a nosologia tropical. Citare­mos algumas de suas implicações com certas parasitos comuns em nosso país.

1 - Nas corredeiras de águas, isto é, nos rios de rápido curso, os simulídeos se desenvolvem com facilidade, especialmente o Simullium amazonicum, responsável pela transmissão da Mansonella ozzardi. Daí a frequência com que ocorre este filariose na Amazônia Interior, onde a presença da água é uma característica dominante.

2 - A Onchocerca volvulus é também transmitida por simulídeos, os quais vivem - tanto na África como na Amazônia - nas águas de grande curso. É uma parasitose de importância crescente em nosso país, visto terem sido descritos, nos últimos anos, focos de certa importância em núcleos indígenas localizados na fronteira com a Venezuela.

3 - Os planorbídeos transmissores da esquistossomose mansônica, pelo contrá­rio, habitam coleções de água de pouco curso e de pouca profundidade. Fontes, riachos, lagos, vales de irrigação e valas de drenagem, ricos em vegeteção rasteira, constituem-se excelentes biótopos para estes vetores. Curioso observar-se que a esquistossomose é, por excelência, uma doença da água. O ciclo evolutivo do S. mansoni é original pois o trematódio atravessa dois períodos de vida parasitária (um no hospedeiro vertebrado e outro no hospedeiro invertebrado) alternados por dois períodos de vida livre (ambos na água).

4 - A distribuição dos anofelinos transmissores da malária depende, entre outros fatores, das condições hidrográficas. O Anopheles (N.) aquassalis é encontra­do ao longo do litoral brasileiro e suas larvas sobrevivem nas coleções de águas salobras. São depressões ou terrenos influenciados pelas marés, tais como pequenas lagoas, valas de drenagem, cacimbas, sulcos de rodas e pisa­das de animais onde o teor de cloreto de sódio atinge às vezes taxas que variam de 2 a 10 gramas por mil.

O Anopheles (N.) darlingi distribui-se por quase todo o território brasileiro, habitando grande coleções de água doce, profundas e ensolaradas, com vegetação aquática superficial. É um inseto que evita as regiões áridas ou muito altas.

O Anopheles (K.) cruzi cria-se em gravatás ou caraguatás de árvores (Bromeliáceas), na mata densa, úmida e sombreada.

O Anopheles (K) bellator localiza-se em gravatás situados próximos às praias ou sobre pedras.

5 - Na Amazônia, os casos de calazar ocorrem nas zonas de terra firme e nunca nas várzeas, pois estas são influenciadas pelas marés, ficando intermitante­mente submersas, não podendo por isso desenvolverem-se nelas as larvas de flebótomos que são transmissores terrícolas de pequena autonomia de vôo.

2 - FATORES BIOLÓGICOS

2.1 - FLORA

No particular da flora alguns fatos merecem ser assinalados.

1 - A leishmaniose tegumentar americana é uma doença típica das áreas flores­tais, nas quais existem flebótomos transmissores e animais que funcionam como reservatórios. É doença própria de determinadas matas, atacando trabalhadores que derrubam a vegetação nelas existentes. Nestas áreas são cole­tadas várias espécies de flebótomos. Em São Paulo a parasitose sempre esteve associada às derrubadas, ocasião em que são mobilizadas grandes quantida­des de trabalhadores rurais. A doença é também conhecida como "Leishma­niose Florestal Americana", incluindo neste título os sub-títulos "espúndia" ou "úlcera de Baurú" no Brasil, "uta" no Peru, "pian bois" na Guyana Francesa e "úlcera de los chicleros" no México.

2 - A hidatidose é, como dissemos, uma doença própria de regiões planas, de grande pastagens, com clima ameno, onde existem gramíneas rasteiras, capa­zes de facilitar a fertilização dos ovo: eliminados pelos cães, o que propicia a contaminação dos herbívoros.

3 - Focos naturais da Doença de Chagas têm sido registrados em matas residuais, no meio de extensas áreas cultivadas. Trata-se do ciclo enzoótico natural, mantido por triatomíneos silvestres, dentre os quais destacam-se o P. geni­culatus, o P. megistus e o R. prolixus, ao lado de ratos, gambás e tatus. Não podemos esquecer que foi CARLOS CHAGAS quem encontrou, pela primei­ra vez, P. geniculatus em locas de tatus.

Nos ninhos de gambás, construídos em touceiras de gravatás, têm sido capturados exemplares de P. megistus, os quais estão infectados em 100% dos casos. Ninhos de ratos, também localizados em gravatás, apresentam P. megistus com altos índices de positividade para T. cruzi. Gravatás são plan­tas terrestres, quase acaules, com longas folhas que chegam a medir dois metros de comprimento. Exemplares do gênero Rhodnius têm sido encontrados colonizando copas de palmeiras. Estes vegetais são focos naturais da Doença de Chagas.

Das várias espécies de palmeiras são os babaçus as que são encontradas mais freqüentemente infestadas por "barbeiros". E importante assinalar que a domiciliação dos "barbeiros" pode ser o resultado de uma mutação genéti­ca mas assim mesmo depende de dois fatores: a redução da fauna silvestre, devido ao desmatamento intenso e a existência de "casas de sopapo". Na Amazônia a fauna e a flora são abundantes mas a habitação humana e os hábitos higiênicos não permitem a instalação da tripanosomíase, muito em­bora existam o agente etiológico e vetores adequados.

4 - A paisagem fitogeográfica condiciona o aparecimento das arboviroses e o homem desempenha papel acidental na cadeia epidemiológica dessas parasi­toses. Entre os vertebrados hospedeiros incluem-se grande número de mamíferos e aves, suspeitando-se inclusive de alguns répteis. Nas regiões tropicais, de clima quente e úmido, os arbovirus multiplicam-se - ou melhor, propa­gam-se - sem solução de continuidade, utilizando o binômio VERTEBRADO-ARTRÓPODE, em que pese a curta vida deste e a breve viremia daquele. A proliferação dos vetores, particularmente mosquitos, faz-se sem interrup­ção durante todo o ano, de janeiro a dezembro. A infecção pode passar de uma estação para outra, no mesmo vetor. A vegetação constitui elemento importante para a abundância e a variedade de mamíferos e aves de tais regiões. Nas áreas onde o clima é temperado, nas quais as estações do ano são bem marcadas, a transmissão das arboviroses sofre interrupções durante as épocas desfavoráveis e os arbovirus sobrevivem em mosquitos hibernantes ou então por meio de infecções latentes em aves, morcegos e répteis.

5 - No caso da Doença do Sono, a distribuição das moscas transmissoras está ligada è vegetação. As Glossinas são divididas em hidrófilas e xerófilas. As hidrófilas vivem em vegetação densa, com sombra profunda, alto grau de umidade e isoterma elevada, geralmente entre 16 e 30 graus C, alimentando-­se principalmente de répteis e primatas. As xerófilas são moscas da savana arborizada, sem exigências de sombra e umidade, e se alimentam de bovi­nos, suínos, elefantes, hipopótamos, rinocerontes e búfalos.

6 - Em determinadas regiões, com a presença de depósitos de água doce, onde se cultiva agrião e outras plantas de caule curto, vivem moluscos, geralmente do gênero Lymnea, cujas cercárias infestantes, eliminadas pelos ovos de F. hepática se encistam na vegetação aquática e uma vez ingeridas se desenvolvem no homem e em outros animais, causando a parasitose.

7 - A ancilostomose é também influenciada pela vegetação. O sombreamento denso é favorável à evolução e à longevidade das larvas dos ancilostomídeos, as quais não resistem muito ao sombreamento discreto e à dessecação.

2.2 - FAUNA

O papel da fauna é da mais alta importância pois dela depende a existência de vetores e reservatórios. Citaremos alguns fatos dentre os que julgamos mais importantes.

1 - Em condições naturais, vários roedores são encontrados infectados pelo S. mansoni. 0 mesmo ocorre com outros animais, inclusive o boi e o cavalo. Estudos realizados nas Filipinas demonstraram que o contacto rato-planorbí­deo é muito mais intenso do que o contacto homem-caramujo. Os ratos, nas Filipinas, mantém o ciclo do trematódio mesmo quando a densidade do caramujo é muito reduzida nos criadouros. No Brasil tal fenômeno não acontece porque os ovos eliminados nas fezes dos reservatórios não humanos são praticamente inviáveis. Na África o fenômeno não atinge as proporções das Filipinas mas tem papel epidemiológico de certa importância.

2 - Diversos animais funcionam como reservatórios da Leishmaniose Tegumen­tar e da Leishmaniose Visceral, inclusive roedores silvestres e até mesmo lacertídeos. O cão e a raposa são, no Brasil, importantes reservatórios do Calazar. Chacais, lobos, roedores silvestres e outros animais estão envolvidos no ciclo evolutivo da L. donovani, quer no Mediterrâneo, quer no Sul da Rússia, quer no Sudão.

3 - Os roedores são também imputados pela manutenção da Peste causada pela Y. pestis. Sirvam de exemplos os ratos, guabirús, cobaios, preás, mocós, lembres, coelhos e cotias.

4 - Diversos vertebrados devem albergar arbovirus, tais como mamíferos, aves, e répteis. O mesmo ocorre com mosquitos dos gêneros Aedes, Anopheles, Culex, Culioides e Simullium.

5 - Vários animais domésticos e silvestres participam da história natural da Doença de Chagas, incluindo-se entre eles morcegos, macacos, gambás, tatus, gatos, cães e roedores. Vale lembrar que CARLOS CHAGAS antes de encon­trar o T. cruzi no homem, encontrou-o em gatos, tatus e macacos.

6 - O gato, as aves, os artrópodes, e cerca de 70 animais os mais diversos, podem ser considerados como reservatórios do T. gondi. 0 papel do gato no ciclo evolutivo deste esporozoário é hoje reconhecido em todo o mundo.

Inútil seria entrar em pormenores sobre o papel dos diferentes animais na difusão das doenças infecciosas e parasitárias. Limitamo-nos a recordar que o cachorro participa da história natural do calazar, da leishmaniose cutânea, da Doença de Chagas, da Doença do Sono, da Amebíase, da Leptospirose, de certas Filarioses, da Dermatite Serpigionosa, da Hidatidose, etc. O gato, do mesmo modo, quanto a Larva Migrans Cutânea, a Larva Migrans Visceral, a Doença de Chagas, a Toxoplasmose, e muitas outras. A raposa e o chacal, quanto ao Cala­zar. O carneiro, no que diz respeito a certas Encefalites, a Fasciolose, a Hidati­dose, etc. O cavalo, no que respeita a algumas Arboviroses. O boi, no que toca à Doença do Sono, a Teníase, e outras parasitoses. O porco, quanto a Balantidiose, a Teníase, a Triquinose, a Cisticercose, etc. O macaco, em se tratando de Febre Amarela, outras Arboviroses, Doença de Chagas, Estrongiloidose, Malária, Amebíase, etc. Estes são apenas alguns exemplos, dentre os quais não incluímos as bacterioses. O homem, aliás, á o mais importante de todos os reservatórios de vez que ele tem cerca de 500 espécies diferentes de parasitos! Depois do homem surgem, em grau de importância, os animais domésticos. A minúscula mosca doméstica, pode transmitir 150 doenças.

3 - FATORES HUMANOS E SOCIAIS

As chamadas "Condições Sociais Negativas" são de papel fundamental para a gênse de numerosas patologias, em nosso país e em outras nações tropicais. A ignorância, a fome crônica, a sub-nutrição, e má alimentação, a miséria, a má habitação, a precariedade de recursos médico-sociais, constituem óbices que ator­mentam a saúde de milhões de pessoas. A falta de instalações sanitárias e de serviços de água, aliados às péssimas condições de higiene, fazem do homem tropical um doente crônico. dizia EUCLIDES DA CUNHA que "O sertanejo deve ser sobretudo um fortel" Em rápidas pinceladas falaremos de alguns tópicos.

1 – HABITAÇÃO

A habitação do homem brasileiro oferece tipos negativos os mais variados: na Amazônia e na Bahia são os palafitas. No Recife são os mocambos. Pelo sertão afora são a casa de sopapo e a palhoça. Nos subúrbios das grandes cidades são as malocas, as favelas e os barracos. A "casa de pau a pique" ou a "casa de sopapo" constitui excelente biótipo para os triatomíneos transmis­sores da Doença de Chagas. Funciona como verdadeiro abrigo, sobretudo no meio rural. Nessas casas esses artrópodes são protegidos do excesso de irra­diação solar e da umidade, especialmente em certas épocas do ano. O homem e os animais domésticos (sobretudo o cão e o gato) servem de fontes de alimento, favorecendo a sua colonização. Até mesmo nas zonas urbanas formam-se verdadeiros nichos ecológicos, como demonstrou COURA, em 1965, no bairro de Santa Tereza, em pleno centro do Rio de Janeiro. 0 mesmo demonstrou LEAL COSTA, nosso saudoso confrade, em excelente tese de concurso à cátedra de Parasitologia, quanto a Cidade do Salvador.

Habitações coletivas, tipo favelas, nas quais se aglomeram homens e animais, podem servir como focos de numerosas parasitoses, inclusive toxoplasmose. Inquérito realizado por JAMRA, em 1964, englobando 100 famílias de uma área da Cidade de São Paulo, demonstrou que a maior parte possuia animais em suas casas ou nos quintais. Em cativeiro foram encontra­dos papagaios, periquitos, araras, tucanos e inúmeros pássaros albergando parasitos.

2 – ALIMENTAÇÃO

A alimentação é outro capítulo interessante no estudo das parasitores brasi­leiras. Para vencer as infestações contínuas, o nosso homem necessita possuir forte grau de resistência orgânica. A sub-nutrlção funciona como se fosse um permanente estado de "stress". Aumenta a atividade adrecortical, diminui a resposta inflamatória e reduz a defesa orgânica. Essa falta de resistência pode ser transmitida congenitamente, desde quando a fome se torne crônica. A extrema sensibilidade das criancinhas em certas áreas do nordeste do Brasil é devida a falta de resistência congênita, geradas como foram por mães sub-nu­tridas. HERALDO MACIEL, impressionado com a gravidade do problema, declarou: "Desde o útero materno o filho do sertanejo é preparado para a miséria!"

Dietas pobres em proteínas são favoráveis ao parasitismo pelos helmin­tos. Importa não somente a quantidade mas, sobretudo, a qualidade de tais proteínas. As mais necessárias são a glicina, a leucina, a lisina, e a tirosina. Destas ricas em proteínas mas pobres em glicina, leucina, lisina e tirosina mostram-se favoráveis à implantação de parasitos. As proteínas mais precio­sas são as de origem animal. A mais importante é a lisina porque ela facilita a síntese da gama-globulina, matéria-prima necessária à fabricação de anticor­pos.

Não as proteínas mas as vitaminas e os sais minerais são preciosos para e defesa do nosso organismo. A carência de Ferro, por exemplo, manifestada geralmente sob a forma de anemia, determina não somente a queda da resistência ao parasitismo pelos ancilostomídeos como a exacerbação da patogenia dos mesmos.

A bem da verdade devemos generalizar o fenômeno, afirmando que a passagem de bactérias, vírus, protozoários e helmintos por seres desnutridos e mal alimentados determina o aumento da sua ação patogênica. Este é um dos princípios mais elementares em laboratório. Uma população desnutrida constitui perigo potencial para a coletividade.

3 - A POBREZA

A pobreza, ou melhor, a miséria, é outro ponto a assinalar. A principal causa determinante da alta incidência das verminoses intestinais no nordeste do Brasil, é o estado de pobreza de sua população. O paupérrimo traz como consequência a falta de saneamento, a falta de educação de base e de educa­ção sanitária, além dos baixos níveis de alimentação e de habitação.

Eis, em traços gerais, o Ecossistema Tropical Brasileiro, com suas tintas mais berrantes. Todos as unidades federativas de nosso país estão situados na região tropical, com excessão apenas de parte do Paraná e de São Paulo, além da totalidade de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Justifica-se portanto nossa preocupação com os trópicos, ou melhor, com a Medicina Tropical.

Existe realmente uma medicina, chamada Medicina Tropical? Sim, ela existe. O que acabamos de expor assim o demonstra. O Brasil é a maior civilização dos trópicos e a sua medicina é uma medicina tropical. A expressão MEDICI­NA TROPICAL é absolutamente válida, que a nosologia das nações situadas entre o Trópico de Câncer e o Trópico de Capricórnio oferece aspectos particula­res.

O mesmo todavia não ocorre com a expressão DOENÇAS TROPICAIS. Para SAMUEL PESSOA "doença tropical" é a que ocorre freqüentemente nos trópicos e quase nunca nas regiões frias ou temperadas. A Doença de Chagas é uma doença tropical? O Calazar é uma doença tropical? A Esquistossomose é uma doença tropical? Nossas grandes endemias são, enfim, tropicais? Não, cer­tamente não: Elas não são doenças tropicais.

Para CARLOS CHAGAS, modificado por LACAZ, as doenças parasitárias são de três tipos:

TIPO I
DOENÇAS COSMOPOLITAS, MODIFICADAS PELO AMBIENTE TROPICAL
 Amebíase – Giardíase – Tricomoníase – Malária
TeníaseCisticercose – Ascaridíase – Triocefalíase – Enterobíase -Arboviroses em GeralPeste - Febre Amarela.

TIPO II
DOENÇAS DAS REGIÕES TEMPERADAS E TROPICAIS, PORÉM MAIS GRAVES, MAIS DIFUNDIDAS E MAIS PREDOMINANTES NAS REGIÕES TROPICAIS
Leishmaniose Tegumentar - Leishmaniose Visceral - Doença de Chagas ­Toxoplasmose - Equistossomose - Hidatidose - Ancilostomose - Estrongiloi­dose - Bancroftose - Mansonelose – Dermatite Serginosa.

TIPO III
DOENÇAS EFETIVAMENTE TROPICAIS, ISTO É, EXISTENTES UNICA­MENTE NAS REGIÕES TROPICAIS
Doença do Sono - Doença de Carrion - Loííase Oncocercose - Blastomicose Sul Americana - Blastomicose de Jorge Lobo.


Senhor Presidente,
Caríssimos Confrades,

Terminando minhas palavras direi que das seis doenças realmente tropicais, na verdadeira acepção da palavra, apenas três existem no Brasil: a Oncocercose, e as duas Blastomicoses. Elas no entanto estão adstritas a uma valência tão estenoxênica e a uma casuística tão limitada que, por ironia da sorte, pouquíssi­ma importância têm para a nosologia brasileira.

Esta é a tese na qual se resume, em última análise, esta simples e despreten­ciosa palestra. . .








 

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