quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

AVULSO- ENSINO MÉDICO NA BAHIA: PAPEL DA SANTA CASA DE MISERICÓRDIA

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ENSINO MÉDICO NA BAHIA: PAPEL DA SANTA

CASA DE

MISERICÓRDIA


Conferência pronunciada na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública

Geraldo Leite


A primeira escola primária do Brasil "foi aberta aqui na Bahia, na antiga povoação do Pereira, hoje "Baixa da Graça", em abril de 1549, onde se alojaram Tomé de Souza e sua comitiva, antes da funda­ção da primeira capital do Brasil (11).

Meses depois a referida escola passou para os muros da cidade, em uma das casas então chamadas "Da Ajuda", por estarem próximas da igreja do mesmo nome.

Pouco tempo mais tarde, transferiram-na para o colégio do Terreiro, idéia lançada por Manoel da Nóbrega em carta que escreveu para EI Rei, em 9 de agosto de 1549. Disse ele à sua Alteza Real: "Eu trabalhei para escolher um lugar para o nosso colégio dentro da cerca e somente achei um que lá vai por mostra à sua Alteza, o qual tem muitos inconvenientes porque fica junto da Sé e duas igrejas juntas não é bom" (ibidem).

O colégio floresceu e em 1575 já contava com 120 alunos, "sendo 70 na sua escola elementar e 50 nos cursos mais elevados" (11). "Recém-criada, a Companhia de Jesus, impregnada daquele ardor que toda uma boa causa inspira, cuidou logo de ministrar o ensino leigo e religioso" (Serafim Leite, in Silva, obra citada).

Foi assim que os jesuítas organizaram "aulas", "colégios" e "semi­nários". "Aulas", ou "classes de ler, escrever e contar", a cargo, quase sempre, de um único padre. "Colégios" nas principais vilas (Salvador, Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo, como exemplos), destinados aos cursos de Letras Humanas e de Artes, ministrados em três anos, incluin­do o ensino de Ciências Naturais e Filosofia. Ao concluírem o curso oferecido nos colégios, os estudantes estavam aptos a ingressarem em qualquer universidade. Os "seminários", plantados em um ou outro colégio - tal como ocorreu na Bahia, ordenavam os futuros padres, ou melhor, os "irmãos" da Companhia.

Ensinando a ler, escrever, contar, rezar e cantar, cumpriram os jesuítas. de modo admirável, a sua missão.

"Superiormente educado e muito bem orientado, pode o jesuíta, com vantagem, exercer a medicina a praticar a enfermagem" (9). Tendo sólido conhecimento da Ciência Hipocrática oficial, a ela não se limitou. Aprendeu com o indígena o conhecimento da flora medicinal brasileira e deste conhecimento fez uso, beneficiando-se dos seus efeitos. Em suas cartas dirigidas para a Europa, transmitiram profundos ensina­mentos não só de ordem etnológica e etnográfica, como, também, de natureza médica e de modo especial sobre patologia e terapêutica (10).

Com os jesuítas - diz Santos Filho - começaram e terminaram sua rudimentar instrução os futuros cirurgiões e os futuros boticários do Brasil (ibidem). Foi também nos colégios Jesuítas que, a partir da século XVII e durante o século XVIII, receberam as instruções primária e secundária os estudantes brasileiros que foram doutorar-se em leis ou cânones em Coimbra e bacharelar-se ou licenciar-se em Medicina, de princípio em Coimbra e depois em Coimbra, Edinburgo, Montpellier e Paris.

Em paralelo à atividade jesuíta tiveram início, em terras do Brasil, a partir de meados do século XVI, as Irmandades da Misericórdia. Eram aglomerados de pessoas católicas, endinheiradas e caridosas, aglutinadas para a realização de piedosos empreendimentos, chamados "Obras da Misericórdia". Estas obras eram em número de 14, das quais 7 "espirituais" e 7 "corporais".

As 7 "espirituais" eram:
-         ENSINAR OS SIMPLES
-         DAR BOM CONSELHO A OUEM PEDE
-         GASTIGAR OS QUE ERRAM
-         CONSOLAR OS DESCONSOLADOS
-         PERDOAR AOS OUE NOS CRIARAM
-         SOFRER INJÚRIAS COM PACIÊNCIA
-         REZAR PELOS VIVOS E PELOS MORTOS

As 7 "corporais" eram assim enumeradas:
-         REDIMIR OS CATIVOS
-         VISITAR OS PRESOS
-         CURAR OS ENFERMOS
-         COBRIR OS NUS
-         DAR DE COMER AOS FAMINTOS
-         DAR DE BEBER A QUEM TEM SEDE
-         DAR POUSO AOS PEREGRINOS
-         ENTERRAR OS MORTOS (10).

As irmandades assim constituídas surgiram em vários pontos do País, sendo a primeira, talvez, a de Santos. Afirmam alguns que a de Salvador precedeu a de Santos, mas a documentação comprobatória foi destruída por um incêndio ocorrido durante a Invasão Holandesa. Cuidavam, todas elas, de praticar as chamadas "obras de misericórdia" e com este objetivo instalaram hospitais, chamados "hospitais da miseri­córdia" ou "santas casas".

A da Bahia foi instituída no início do, ano de 1549, logo após a chegada de Tomé de Souza, sendo, portanto, contemporânea do colégio do Terreiro de Jesus. Com ela surgiu o Hospital da Misericórdia, cons­truído em terreno doado por Simão da Gama de Andrade, um dos moradores mais ricos e antigos de Salvador. Diogo Muniz Barreto foi o primeiro provedor (ibidem): Nóbrega, em carta de 1561, faz refe­rência à dita irmandade da Bahia e, pouco depois, o padre Blasques - também em carta - fez alusão aos indigentes internados no Hospital da Misericórdia.

Foi no Hospital da Santa Casa da Bahia que se recolheu para ali morrer, Garcia D'Avila, na época com mais de 90 anos de idade.

"Períodos tumultuosos conheceu o velho hospital, que passou por múltiplas reconstruções e reformas. Quando da invasão dos holande­ses, no século XVII, os batavos ocuparam-no e ali trataram, pelos seus próprios cirurgiões e boticário, os soldados feridos e doentes" (Santos Filho, obra citada).
Internavam também os hospitais de Misericórdia. soldados e mari­nheiros feridos ou adoentados. Muito embora suas acomodações fos­sem acanhadas para o atendimento de tal mister. Os próprios chefes militares, reconhecendo a gravidade do problema, criaram pequenas enfermarias nos alojamentos de algumas guarnições.

Decretada a expulsão da Companhia de Jesus, em 1759, teve fim o ensino jesuíta e o Marquês de Pombal - ferrenho inimigo dos jesuítas - mandou instalar nos colégios da Companhia, hospitais desti­nados ao atendimento das corporações militares, logo denominados "Hospitais Reais Militares". As principais cidades do Brasil passaram a ter, além da Santa Casa, um Hospital Real Militar. O da Bahia foi instalado no antigo Colégio dos Jesuítas, no Terreiro de Jesus.

Foi assim, sob os auspícios do antigo Colégio dos Jesuítas (então transmudado em Hospital Real Militar) e da Santa Casa de Misericórdia que nasceu e viveu o ensino médico brasileiro, aqui representado pela "Escola de Cirurgia da Bahia", a primeira do País.

Criada em 18 de fevereiro de 1808, por D. João VI, e instalada no Hospital Real Militar de Salvador, nele permaneceu até 1815, quando - por meio da Carta Régia de 29 de dezembro daquele ano - foi a "Escola de Cirurgia" transformada em "Academia Médico-Cirúrgica". Dizia a referida Carta Régia que as lições deveriam ser dadas "de acordo com o provedor da mesma Santa Casa".

No Hospital Real Militar o curso praticamente se limitou ao ensino da anatomia e da cirurgia. A transferência para o Hospital da Santa Casa foi efetivada em 17 de março de 1816. Dentre os alunos desta fase, alguns se tornaram eminentes, tais como JONATHAS ABBOT, FRANCISCO DE PAULA ARAÚJO E ALMEIDA, FRANCISCO MARCE­LINO GESTEIRA, FORTUNATO CÂNDIDO DA COSTA DORMINDO E ANTÔNIO TORQUATO PIRES, que foram lentes, sendo que os dois primeiros chegaram a ser diretores da Faculdade (2). "O ensino na Escola da Bahia, diga-se logo, não foi regular nem efi­ciente."

Ainda em 1829 as aulas eram ministradas nos corredores da Santa Casa. Apesar de figurarem entre os lentes nomes então dos mais bri­lhantes no cenário médico e político do país, a Academia vivia numa pobreza franciscana, sem móveis, sem utensílios, sem nada! Em 1829, o número de alunos matriculados ainda era somente de 17" (9).

Por força do decreto de 3 de outubro de 1832, a Academia Médico - Cirúrgica transformou-se em "Faculdade de Medicina" e no ano seguinte voltou a funcionar no antigo Colégio dos Jesuítas e com ela o Hospital da Santa Casa, também chamado "Hospital São Cristóvão de Caridade", o qual passou a ocupar as instalações do real Hospital Militar, extinto pouco antes. Sobre o real Hospital Militar disse Vilhena em suas cartas: "É de admirar a grande desordem que há no hospital em prejuízo da real fazenda e muito mais o ver que nele mandam os cirurgiões-mores dar aos soldados regalos de que eles próprios se dispensam em suas casas; de forma que me persuado ser o Hospital da Bahia o único onde se dá aos soldados, quando o pedem, leite para almoçar, ovos, manteiga, doce indispensavelmente para a sobre­mesa, pão-de-ló, mãos de vaca, a que chamam mocotós e o mais é caruru, vianda que já em outra parte expliquei". E acrescenta: "com estes regalos pois, raro há o que quer sair do hospital!" (17).

Ali, no Terreiro de Jesus, continuaram a Faculdade e o, hospital de caridade por cerca de 60 anos, até que a Santa Casa transferiu o seu hospital para o Largo de Nazaré, sob o nome de Hospital Santa Izabel.

Com o correr do tempo as acomodações do Hospital da Santa Casa - no Terreiro de Jesus - tornaram-se incompatíveis com as necessidades do ensino. Em 11 de outubro de 1859 o Imperador D. Pedro II o visitou e a seu respeito disse o seguinte: "Da Faculdade de Medicina passei para o Hospital da Misericórdia que é MISERÁVEL, sobretudo as enxovias dos doidos, parecendo que a irmandade pretende continuar a obra começada do novo hospital, em Nazaré" (16).

Relata Pacífico Pereira que tais acomodações, nos idos de 1880, eram péssimas e suas condições de higiene, "podiam comparar-se às das enfermarias do antigo hospital de Glasgon, onde Lister fez os primeiros ensaios do seu tratamento. E aqui como lá - completa Pací­fico Pereira - "os efeitos do método listeriano foram igualmente sem precedentes" (7).

Luiz Anselmo da Fonseca, em sua memória histórica, referente ao ano de 1891, afirma que o ensino da clínica, naquele ano, estava aquém da importância de seus destinos. São suas palavras textuais:

"Que lhe falta pois?

Falta-lhe hospital em condições convenientes.

O Hospital da Misericórdia da Bahia não está, de modo nenhum, na situação de "preencher, ainda mediocremente, seu duplo e eleva­díssimo fim.

"Sobre o edifício em que ele funciona já dissemos o necessário para que se possa julgar do grau de sua prestabilidade, que é nenhuma”.

"Mas o edifício não é só o que merece reparo”.

"Seria difícil determinar em todos os elementos que o constituem - salas, anfiteatro, enfermaria, leitos, serviço farmacêutico, regime dietético, privadas e esgotos - o que é que não deve ser condenado em nome da ciência e dos mais palpitantes interesses do país e da humanidade" (8).

E acrescenta: "Quem conhece o hospital em que funcionam as clínicas oficiais desta faculdade; a situação das suas enfermarias, a disposição dos seus cômodos; o acúmulo dos seus serviços clínicos, a sua ventilação; a construção dos seus esgotos, quem já teve uma vez sensibilizado o olfato pelas suas emanações; quem ali respira os seus fétidos odores e doentios ares, e conhece, pelo que leu ou pelo que viu, qual o conjunto de circunstâncias que devem tornar saudável um estabelecimento desta ordem, não pode deixar, sob o ponto de vista das grandes intervenções cirúrgicas, de considerá-lo um FOCO DE LETALIDADE, ao invés de um meio de restabelecimento para a saúde" (Ibidem).

Como remediar tão horrível situação?

José Olímpio de Azevedo, na sua memória histórica, esclarece que a providência divina, ela própria, deu a solução: "Ao tempo mais ou menos em que a comissão apresentou este parecer - diz ele ­a venerável Ordem Terceira de São Francisco ofereceu à venda o grande edifício do Asilo Santa Isabel, por cento e sessenta contos de réis, fora o preço das desapropriações de pequenas casas contíguas, e o Exmo. presidente da província, encarregado pelo governo imperial de efetuar a compra, no caso que o edifício pudesse servir aos fins desejados, convidou o conselheiro diretor e os professores da faculdade, a uma visita ao mesmo edifício a fim de darem sua opinião sobre a conveniência da compra"?(8)

"De acordo com o combinado, o presidente, o diretor e vários professores fizeram um exame do belo edifício em questão, o qual foi julgado conveniente para a instalação dos gabinetes e dos labora­tórios após as necessárias adaptações" (Ibidem).

Finalmente, em 1893 foi Inaugurado o novo Hospital da Santa Casa, o Hospital Santa Izabel, no Largo de Nazaré.

"Seria possível fazer-se uma comparação entre o velho edifício que existia e o atual, da Praça Conselheiro Almeida Couto?" - indaga Sá de Oliveira (8). E continua: "Em relação ao primeiro disse, além do que já vimos, o prof. Antônio Fonseca: "Do atual Hospital de Carida­de, daquele ininteligível labirinto, situado detrás da Faculdade e nos fundos dos quintais, na Rua das Portas do Carmo, daquela disparatada aglomeração de baixos corredores, de trevosas galerias inferiores ao nível comum do solo, daquele tristonho conjunto de grutas, de lojas, alveólos e cubículos" daquela sombria estância de ar estagnado, daque­le insanável foco de infecção, daquele monumento de barbária, daquilo só uma coisa pode ser aproveitado: - é a área - depois de inteiramente desocupada pela demolição completa e pela remoção do material e de estar por muito tempo exposta à ação profícua dos agentes naturais" (4).

"Os próprios materiais de sua demolição irremíssivel, nós não sabe­mos se deverão ser de novo utilizados, numa época em que, na Europa, que nos serve de guia, não somente se apura muito a qualidade dos materiais empregados nas construções, como, previamente, se os de­sinfeta, quando isto é julgado conveniente" (ibidem).

"Quanto ao segundo, isto é, o prédio do atual hospital da Santa Casa de Misericórdia ou hospital Santa Isabel, ninguém deixará de reconhecer, mesmo notando suas múltiplas falhas - diz Sá de Oliveira - que é impossível compará-lo com o mencionado anteriormente, tais seus préstimos relevantíssimos e condições higiênicas. Seria justo, por outro lado, alguém de boa-fé deixar de proclamar a superioridade dos nossos gabinetes e laboratórios sobre aqueles do passado (8).

Quem de sã consciência, pergunto eu, há de negar o concurso extraordinário que o Hospital Santa Isabel, ao longo dos seus cem anos de funcionamento, tem prestado à classe médica, aos seus ideais e aspirações? não foi por certo ali, nas suas entranhas, que milhares e milhares de estudantes de medicina receberam lições inigualáveis de mestres como José Adeodato de Souza, Antônio Bastos de Freitas Borja, Antônio do Prado Valadares, Antônio Circundes de Carvalho, Albino Leitão, Clementino Fraga, Martagão Gesteira, Fernando Luz, Aristides Novis, Aristides Pereira Maltez, Edúardo Rodrigues de Morais, Armando Sampaio Tavares, José Francisco da Silva Melo e muitos outros?

Não foi em um dos seus laboratórios que, o então assistente de clínica médica ao pôr sob seus olhos, através das lentes de um modesto microscópio, as fezes de pacientes internados em seu serviço nosoco­mial, viu com certa freqüência, "elementos estranhos até então desco­nhecidos em nosso meio"? (3).

"Tratava-se, diz Edgard Cerqueira Falcão, "de ovos de vermes dotados de espículo lateral, cuja proveniência intrigou a curiosidade do observador" (ibidem). Eu me refiro, senhores, a MANOEL AUGUSTO PIRAJÁ DA SILVA, o inesquecível descobridor do SCHISTOSOMA MANSONI, agente etiológico da esquistossomose americana, também chamada "doença de Pirajá da Silva" patrono do diretório acadêmico desta escola e figura luminar da parasitologia brasileira.

Este foi apenas um dos feitos extraordinários que Pirajá da Silva e o Hospital Santa Isabel realizaram. Ao encerrar sua carreira docente, recebeu o grande sábio significativa homenagem de despedida, assi­nada por todos os seus colegas de congregação. Rezava o documento: "Estudastes depois a fase larvária do parasita, quando descrevestes os caracteres da furco-cercária e, ainda mais, pesquisastes com plenitude, as lesões causadas no homem pelo SCHISTOSOMA MANSONI " (3).

"E eis porque, com muita justiça, se aliou o vosso nome ao de Manson, designando a esquistossomose dita americana, como "doença Manson - Pirajá da Silva" (ibidem).

"Entre os vossos trabalhos originais, avulta o estudo de duas novas espécies de cogumelos produtores do micetoma podal: Madurella rami­rai e Actinomyces bahiensis" (3).

"Vistes e cultivastes aqui o protozoário causador da leishmaniose tegumentar, de cuja transmissão pelo Phlebotomus intermedius suspei­tastes, concentrastes a solução de tártaro emético até então usada em injeções endovenosas, tornando mais prático o seu emprego no tratamento da leishmaniose e do granuloma venério; escrevestes sobre dois casos de "ainhum"; registrastes na Bahia, os dois primeiros casos de blastomicose; descobristes, em Mata de São João, o Triatona megis­tus, um dos transmissores da doença de Chagas; realizastes estudos sobre os "potós" (Peduros colombinus) e sobre a Crisomia macellaria etc. (ibidem).

Tudo isto foi feito nas enfermarias e no laboratório do Hospital Santa Isabel.

Assim prosseguiu o Hospital Santa Isabel, abrigando nas suas salas e enfermarias a Faculdade de Medicina da Bahia, vetusto ninho da medicina brasileira!

Com a inauguração do "Hospital das Clinicas", as atividades docen­tes da antiga faculdade passaram para o Canela mas não ficou vazio, a partir da então, o Hospital da Santa Casa, no Largo de Nazaré. Fermentou nas suas salas, enfermarias e corredores, durante quatro anos, a gênese formadora de uma nova Escola de Medicina.

De 1953 até a data presente, o Hospital Santa Isabel passou a agasalhar no seu seio amigo, uma nova entidade de ensino médico concebida por um grupo de idealistas, dentre os quais se colocaram o seu mordomo e o próprio diretor.

À sombra do idealismo, treze pioneiros criaram, nos idos de 1952, a "Fundação Bahiana Para o Desenvolvimento da Medicina", com o objetivo precípuo de manter uma escola com os cursos de medicina e saúde pública.

Era Secretário de Saúde, na ocasião, o saudoso companheiro Antô­nio Simões. Seu relato é o seguinte: "No meu gabinete" (localizado no antigo prédio da Secretaria - hoje Museu - no corredor da Vitória) "reuniram-se no dia 31 de maio daquele ano, além da minha pessoa, Urcício Santiago, Jorge Valente, Orlando de Castro Lima, Colombo Spínola, José Santiago da Mota, Aristides Novis Filho, Adelaido Ribeiro, André Negreiros Falcão, Padre Pinheiro, Cônego Manoel Barbosa, Antô­nio de Souza Lima Machado e René Guimarães. Após darmos por criada a nova fundação, nos dirigimos para o Palácio do Governo a fim de transmitir ao Governador Regis Pacheco a boa nova e dele recebemos o mais entusiástico apoio, com a determinação de que fosse elaborado, de imediato, um convênio pelo qual passassem à disposição da futura escola, todos os serviços médicos e assistenciais do Governo do Estado (12).

Era diretor do Hospital Santa Isabel um dos fundadores referidos, isto é, o Prof. Aristides Novis Filho, o qual, prontamente, proporcionou todos os meios necessários para o funcionamento nas suas depen­dências, não só da fundação como da Escola, logo chamada "ESCOLA BAHIANA DE MEDICINA E SAÚDE PÚBLICA".

A Santa Casa de Misericórdia da Bahia - tal como havia feito em 1815, em 1832 e em 1893, com a antiga Faculdade de Medicina - cedeu, de pronto, as instalações do seu hospital.

Ambas as instituições de fato nasceram e viveram dentro do hospital e nele tiveram durante muitos anos as suas sedes, a fundação, no salão nobre e, no mesmo local, a congregação da escola. Outra não foi a sede do Conselho Técnico-Administrativo e neste mesmo salão foi eleito o nosso primeiro diretor e teve lugar, pouco depois, a sessão solene de instalação da escola, no dia 26 de maio de 1953.

O primeiro diretor, Prof. Jorge Valente, foi eleito em 4 de abril de 1951 e, através de sucessivas reeleições, conduziu os destinos da instituição com obstinada proficiência, até outubro de 1969. A ele coube a implantação acadêmica e administrativa do novel estabele­cimento. Iniciou também a implantação física, reformando o antigo "Pavilhão Lídio de Mesquita" (Enfermaria Santa Rosa) e o "CTR" (Centro de Tratamento Rápido), ambos pertencentes ao hospital, trabalho este continuado por Orlando de Castro Lima e Celso Luiz Figueiroa.

"Quando se cogitou da criação de uma nova Escola Médica na Bahia, não se podia alhear a Santa Casa de Misericórdia. Consultada sua alta administração, presidida pelo seu esclarecido provedor, Octávio Ariani Machado, de logo abriu crédito de estímulo ao empreendimento que se iniciava. E da Santa Casa não se podia esperar outra receptivi­dade", disse Aristides Novis Filho (12). São igualmente suas estas palavras: "A tarefa secular a que se tem' dedicado o hospital em favor dos que sofrem se fez à custa da soma do capital ao trabalho, os que dispunham de recursos financeiros forneceram os meios e nós, profissionais, demos em assistência a nossa cota" (ibidem).

Com a transferência dos serviços da antiga Faculdade para o seu novo hospital, no Canela, alguns claros se abriram no corpo médico do Santa Isabel, a exigirem preenchimento. Por outro lado, acrescenta Novis: "Os Institutos de Previdência atraíram valiosos profissionais, os quais militavam, de igual modo, no Santa Isabel. Como pois, solucio­nar a Santa Casa o problema, se os seus parcos recursos não podiam propiciar meios para a concorrência, fixando em seu quadro, médicos dos quais não podia dispensar tão valiosa colaboração?". Explica ele: "Eis porque recebeu a Santa Casa, com entusiasmo, a nova Escola, sentindo a colaboração de que carecia, transfundindo nos seus quadros, duplamente desfalcados, novos elementos, cujo padrão técnico é de se esperar sejam do melhor quilate" (ibidem).

Quem, folheando os periódicos do passado, repousar a vista sobre o "Diário de Notícias", edição de 19 de abril de 1953, verá sob o Título "Quarenta e três Aprovados nos Exames da Escola Bahiana de Medicina", a seguinte reportagem: "Terminada a última prova do concurso de habilitação para o curso médico da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, pôde a nossa reportagem apurar na manhã de ontem no Hospital Santa Isabel, onde funciona a secretaria da referida escola, a relação dos candidatos habilitados. Dos 93 inscritos, quarenta e três conseguiram média de conjunto superior a 5, merecendo, assim, aprova­ção no concurso". Acrescenta o periódico que as vagas eram 30 e relaciona dentre os candidatos que puderam alcançar a média de apro­vação, nomes como os de Jorge Valente Filho, Saphira de Andrade, Carlos Ruy Tourinho, Vanize de Oliveira Macedo, Jairo Azi, Maria Tere­zinha Perazzo Ferreira e Fernando Vitória Costa, nomes que depois se projetaram na vida profissional, política, científica e social do estado (13).

“Com a presença de conselheiros da Fundação Bahiana Para o Desenvolvimento da Medicina, professores, autoridades, alunos e gran­de número de convidados, realizou-se ontem à tarde no Salão Nobre do Hospital Santa Isabel, a instalação do novel estabelecimento de aprendizado da Ciência de Hypócrates”, diz o mesmo jornal em sua edição de 26 de maio de 1953. E continua: "Iniciados os trabalhos, falou o Prof. Jorge Valente, diretor da escola, que convidou o presidente da Fundação Bahiana Para o Desenvolvimento da Medicina, Prof. Antônio Simões, para dirigir a sessão - este, numa homenagem à Santa Casa, que foi muito bem recebida pelos presentes, passou a direção ao provedor, Dr. Otávio Ariani Machado. Logo em seguida foi proferida a aula inaugural da escola, a cargo do Prof. Eduardo Diniz Gonçalves, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia" (14).

E assim continuaram sempre integrados no elevado mister de bem servir a juventude e a pátria, a Escola Bahiana, o Hospital Santa Isabel e a Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

Sob o teto do Hospital Santa Isabel, nasceram esta escola e o seu órgão mantenedor e até hoje este estabelecimento de ensino cresce e se renova nos terrenos da Misericórdia, alimentando com o trabalho de todos nós - alunos, professores e demais servidores - o fogo sagrado, aceso na pira do ideal em 1952, pelos seus fundadores.

Os anos passaram, passaram quarenta deles e cada um levou consigo um bom número de antigos alunos, alguns voltaram à escola, após terem alcançado com a continuação dos seus estudos, o tão almejado título de professor. Outros, aos milhares, lançaram-se na vida profissional, Brasil afora, conquistando bom conceito na sociedade e excelentes colocações nos concursos públicos aos quais se subme­teram, o que comprova a nossa vitória. A todos os antigos alunos prestamos nossa homenagem, homenagem plena de saudade, reco­nhecimento e gratidão!


A escola sob a liderança de Jorge Valente, Orlando de Castro Lima e Celso Luiz Figueirôa (seus diretores) e a Fundação sob a égide dos seus presidentes (Antonio Simões, Orlando de Castro Lima, Manoel Aquino Barbosa, José Santiago da Mota e Humberto de Castro Lima), percorreram longo caminho; foram quarenta anos de trajetória, alguns dos quais repletos de dificuldades.

Valeu a pena, pois durante este período graduamos 4.418 médicos, 642 fisioterapeutas e 232 terapeutas ocupacionais e pós-graduamos, além de outros, 92 sanitaristas e 541 médicos do trabalho.


Agora, confiantes no futuro e sempre com os olhos no passado, contemplamos horizontes mais amplos: os cursos de fisioterapia e tera­pia ocupacional já estão reativados. A Escola e a Fundação estão sendo transformadas, certas de que ali adiante, mais perto do que muitos pensam, há uma esquina e depois dela uma avenida a ser palmilhada. Avenida bem larga e longa, cheia de edifícios e cursos onde as gerações de amanhã serão iluminadas de modo perene e sempiterno pela luz do saber e da cultura, única luz capaz de apagar a escuridão da nossa alma!


BIBLIOGRAFIA


01 - Azevedo, S. Olimpio de - Membria Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia. Bahia, 1883.

02 - Carvalho Filho, José Eduardo Freire de - Not(cia Histórica sobre a Faculdade de Medicina da Bahia. Typ. Bahiana. Bahia, 1909.

03 - Falcão, Edgard Cerqueira - Pirajá da Silva, o inesquecível descobridor do Schis­tosoma Mansoni. Oficinas Gráficas da "Revista dos Tribunais". S. Paulo, 1959.

04 - Fonseca, Luiz Anselmo da - Memória Histórica da Faculdade de Medicina. Typ. Bahiana, 1891.




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