sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

AVULSO- ORAÇÃO DE PARANINFIA

   SINCERO AGRADECIMENTO AOS

MÉDICOS E ESTUDANTES DE MEDICINA DE

PORTUGAL PELO INCENTIVO AO

DESENVOLVIMENTO DESTE

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MODERNA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA
LISBOA, PORTUGAL 
 
*
AOS AMIGOS DO EXTERIOR
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         AVULSO: ORAÇÃO DE PARANINFIA

                                      Geraldo Leite


"Mais vale ser modesto com os humildes do
 que repartir os despojos com os soberbos”.
(PROVÉRBIOS, 15: 19)


Estas sábias palavras do primeiro dos Livros Sapientais, proferidas nesta noite de tanta alegria, luzes e flores, traduzem de modo admirável o sentimento que me invade a alma.

Fostes humildes, vez que escolhestes como paraninfo da vossa formatura um de vossos mestres mais despretensiosos. Fostes modestos porque elevastes a esta tribuna um de vossos professores menos significativos.

Mereceis, portanto, a singeleza dos ensinamentos que recolhi ao longo dos sete lustros em que vivi a medicina.


Sinto que me deserta o espírito, que me fogem a inspiração e o ânimo, nesta hora de emoções tão fortes. Sirvo-me do exemplo de um pretérito, o inesquecível CLEMENTINO FRAGA, o qual, em situação como esta, assim falou aos seus afilhados: "Suponho que aqui me trouxestes para sentir convosco as justas alegrias da investidura doutoral e por isto não quero, nem devo, desfazer da escolha do vosso paraninfo, receando atritar os sagrados melindres da livre e espontânea determinação, embora acertasse ela de premiar uma vida que à sombra do sossegado retiro, correria de todo esquecida, não fosse o milagre do vosso prestígio e o incentivo da vossa bondade. E mais ainda: "Seria insincero se quisesse dissimular quanto a vossa festa me felicita e comove, e a peso igual o vosso apreço me prestigia e encoraja; chegarei até a confessar se mi permitir, que ela envaidece a quem ~ vaidade, de ânimo advertido, quer resistir, fiel ao conse­lho de VIElRA, que considera "um grande sinal de não merecer honras quem as pretende com grande ânsia" (IBIDEM).


Fostes, na verdade, humildes e nisto andaste bem. Disse NEWTON GUIMARÃES que "nenhuma virtude ensina em maior grau a prática da medi­cina, e nenhuma outra é mais essencial e indispensável ao exercício dessa profis­são do que aquela tão sabia e profundamente cristalizada no capítulo terceiro, versículo dezenove do Gênesis" isto é, a humildade:

"COMEREIS O PÃO COM O SUOR DO VOSSO ROSTO, ATÉ QUE VOLTEIS À TERRA DA QUAL FOSTES TI RADO; POROUE SOIS , E EM HAVEREIS DE TORNAR":


Humildes foram todos os que de sã consciência viveram a medicina e a iluminaram com o fulgor do saber e o brilho da inteligência. A modo de exem­plo, sirvo-me da narrativa do meu paraninfo, o sempre lembrado ESTÁDIO DE LlMA: "Um dia, em um grande salão, abertas as janelas para o parque renascido das invernais, justamente na primavera, as flores ainda em botão, um mestre ilustre se dirigia a seus alunos. Estava cheio de entusiasmo, e aludia aos jovens ouvintes alguma coisa extraordinária que julgava ter descoberto. Este homem era MAGENDIE, que enxergara, ali, ante os discípulos deslumbrados e atentos, um jovem que não teria mais de dezesseis anos. MAGENDIE o adverte: "Menino, você não pode seguir a carreira para que se propõe. Está absorto, distraído, sem entusiasmo. Você não tem vocação e talento. Como é o seu nome?" - CLAUDE BERNARD, respondeu, com humildade, o adolescente:


Ainda de ESTÁDIO DE LIMA: "Pouco depois, na Bretanha, trabalhava dentro de uma pequena farmácia, um jovem de quatorze anos. Empregado naquela botica do interior da França, em vez de permanecer no balcão para atender aqueles que procuravam simplórios medicamentos; ficava no fundo da farmácia, com um pequeno tubo de ensaio a observar o comportamento dos ácidos, bases e sais. O boticário despediu o pequeno empregado, dizendo: "Você não pode ser nada na vida e coisa alguma será. Como se chama você"?
-         LOUIS PASTEUR, respondeu o jovem, humildemente:


"Mas o século XIX não havia de parar nestes dois nomes apenas. Na Holanda, ainda e sempre dentro de tão extraordinário período, havia um menino estudante a frequentar o curso pré-universitário, da Universidade de Utrecht. Enquanto o professor fazia exposição rotineira da matemática, o menino, com lápis na mão, desenhava figuras geométricas e se aprofundava em equaç8es difíceis, que o explicador não teve condições de percebe-las. Foi expulso da Universidade, por incapaz. O incapaz garoto que em seus desenhos e indagações ultrapassava de muito as rotinas da lição, não era mais, nem menos, que o embrião de um gênio, cujo nome difícil de se pronunciar, não era outro senão o de ROENTGEN, o revolucionário da física e o imortal descobridor dos raios X" (IBIDEM).


JOVENS AFILHADOS:
Pensastes por acaso o que seria da medicina, sem CLAUDE BERNARD, PASTEUR e ROENTGEN?

CLAUDE BERNARD criou a Medicina Experimental. PASTEUR criou uma ciência inteira e ROENTGEN, o primeiro Prêmio Nobel, ensinou em diver­sas Universidades e os seus raios X, além das múltiplas aplicações industriais, tornaram-se um dos maiores e mais seguros instrumentos de que se valem, até hoje, o diagnóstico e a terapêutica.

Dos três jovens, sumamente humildes, o que deixou marca mais indelével foi aquele que, segundo MAGENDIE, "não tinha vocação nem talento". Eu me refiro a CLAUDE BERNARD, o criador da Fisiologia Moderna e da Medicina Experimental. A seu respeito dizia PAULO MANGABEIRA ALBERNAZ: "Para encetar a vida de médico, creio que devia ser obrigatório, nas Faculdades do mundo inteiro, uma prova de conhecimento exato disso que se poderia chamar a "Bíblia do Médico", na verdadeira acepção do termo. Esta obra, que poucos conhecem, é a "Introdução ao Estudo da Medicina Experimental", de autoria de CLAUDE BERNARD. Quanto mais me passam os anos, mais leio e mais me convenço de que o médico está na obrigação de lê-la, de relê-la, de meditá-la e, sobretudo, de cumprir·lhe os ensinamentos".


Concedeis, agora, que eu vos fale daqueles que contribuíram, ainda como estudantes, para o progresso da medicina.

Em sua "Oração de Paraninfia", disse NEWTON GUIMARÃES, há pouco citado: "Se a medicina aprende-se com o enfermo - o ensiná-la aprende-se com o aluno", Acolho a afirmativa mas a recíproca é verdadeira, isto é, a medicina aprende-se também com o aluno e o ensiná-la, com o enfermo:

Quem de vós não se recorda do que disse eu sobre REDUCCIT? Não foi ele quem interrompeu uma aula, em um anfiteatro da Universidade de Pádua, e demonstrou .que e escabiose, ao contrário do que expunha o professor, não é uma intoxicação e sim uma doença parasitária, cujo agente etiológico passou a ser chamado Sarcoptes scabiei?

E de GUERREIRO, o que vos disse? Eu não vos contei que ele ainda estudante, foi co-autor de uma reação para o diagnóstico da doença de Chagas, hoje acreditada em todo o mundo?

De DANIEL ALCIDES CARRION, ainda vos lembrais? Eu não vos contei que ele Inoculou-se, em ambos os braços, com material proveniente de um enfermo com "Verruga Peruana" e que tendo apresentado um quadro grave, considerado pelos clínicos da época como correspondente à chamada "Febre de Oroya", veio a falecer pouco depois? E mais, eu não vos disse que deste fato se deduziu que ambas as doenças têm a mesma etiologia e são a mesma coisa? Também não vos disse que ao contrário do que ocorre nos outros países - o dia cinco de outubro, data da morte de CARRION, é, no Peru, o dia do Médico?


Nenhuma destas contribuições estudantis produziu em mim maior emoção do que a de SCHILLING, o inventor do hemograma.

Minha vida profissional está muito ligada ao invento daquele estudante. Sou o que sou, devido ao hemograma de SCHILLING. Eu vos conto a estória. Tão logo conclui meu curso, recém-formado ainda, fui para o interior, a fim de iniciar a vida profissional. Mal chegado, o laboratório em fase final de instalação, fui convocado para realizar um hemograma em uma paciente muito especial. Tratava-se da filha de um dos colegas mais ilustres da região, a qual apresentava sinais e sintomas de uma salmonelose resistente ao cloranfenicol.

Puncionada a paciente, realizei o hemograma, o qual, contrariando a expectativa, revelou tratar-se de um processo infeccioso agudo, grave, com pouca reação orgânica e tendência à supuração. Aconselhei, de imediato, a audiência de um cirurgião.

O pai recebeu o laudo do exame como se estivesse sob a ação de um raio, em meio à tempestade. Aflito, pediu o socorro de um cirurgião. Este, após acurado exame da paciente, discordou do hemograma e pediu uma reavaliação.

Novamente convocado, repeti o hemograma e este, mais uma vez, para desespero de todos, se mostrou mais grave ainda.

De imediato foi convocada uma junta médica, com a participação de dois cirurgiões e um clínico, além do angustiado pai da paciente.

Concluídos os exames, procedida a conferência, foi enunciado o vere­dicto, nos termos seguintes: "Constatada a discrepância entre os dados do exame físico e os do laboratório, os facultativos que assinam o presente, optam pelos dados clínicos, por considerarem a clínica soberana".

Recebi com humildade a decisão dos colegas, a qual, na verdade, em outras palavras, era o meu atestado de óbito profissional. Solicitei, apenas, repetir, mais uma vez, o hemograma.

Com urbanidade e elevado espírito de coleguismo, fui reconduzido à cabeceira da paciente e, pela terceira vez, realizei o estudo das suas células sanguíneas. Fiz e refiz vários esfregaços. Corei e tornei a corar um sem-número de lâminas. Li e reli, páginas inteiras, de PEDRO JANINI e do próprio SCHIL­LING. Tudo em vão: o quadro hematológico era de uma gravidade meridiana e o processo, à luz do microscópio, não alimentava a menor dúvida quanto à sua natureza cirúrgica.

Cumpri o dever de levar a notícia ao conhecimento da família e, sem conciliar o sono, me recolhi ao leito.

Ao surgir o novo dia, tive conhecimento que a doente havia sido trans­portada, em caráter de urgência, para a capital, A laparotomia, realizada no Hospital Manoel Vitorino, sob o comando do saudoso MANUEL VITORINO PEREIRA, constatou tratar-se de apendicite supurada da qual resultou longa e pertinaz peritonite...


Do exposto se infere, meus afilhados queridos, que o maior de todos os nossos compromissos é o de ser e permanecer sempre humilde.

Do princípio ao fim, do primeiro ao último dia da vossa vida profissional, havereis de ser honestos e humildes.

Daí o conselho de GUIMARÃES: "Apresentei-vos desde o início, a humildade, como a virtude fundamental para a prática da medicina. Podereis retrucar-me que a humildade dissimula e esconde as cintilações do triunfo: que o sucesso, que não se apresenta como tal, não brilha, não refulge, que é discreto, não aparece, não é sucesso" (OBRA CITADA).

Puro engano. Tudo depende do que considereis sucesso. Para mim, sucesso, na medicina, é saber ser médico e, por isso, mais uma vez repito:

"MAIS VALE SER MODESTO COM OS HUMILDES QUE REPARTIR OS DESPOJOS COM OS SOBERBOS”:

Deixeis, agora, que eu vos transporte nas asas do tempo e recue convosco um século atrás.

O que vedes? O que os vossos olhos contemplam? A Bahia de ontem, a Bahia do século XIX, a Bahia de tantos médicos ilustres, puros, virtuosos e bons. A Bahia, sobretudo, de médicos amados e queridos:

Passei os olhos sobre eles e examinei as suas vidas: JOSE EDUARDO FREIRE DE CARVALHO, ALEXANDRE BITTENCOURT, CEZAR ZAMA, AUGUSTO NOVIS, VIRGILÍO DAMÁSIO, CARNEIRO RIBEIRO, SÁTIRO DIAS, RODRIGUES LIMA, FLORENCIO GOMES, ARTUR RIOS, MANUEL VITORINO, todos pérolas primorosas, esmeraldas benditas da última centúria.

E aquele, como se chama? CIPRIANO BARBOSA BETÂMIO, eis o seu nome. Sua vida, justiçou MENANDRO NOVAES, "se identifica com aspectos do hagiológio cristão dos grandes santos". "E uma vida em holocausto da huma­nidade", sentenciou BROCHADO PRINCIPE. "Herói excelente" ele foi, na expressão culta de JAYME DE SÁ MENEZES.

CIPRIANO BARBOSA BETÂMIO, "um homem de coração evangélico", como o chamou FRANCISCO DE PAULA CÂNDIDO, se ofereceu de modo espontâneo pare enfrentar o caos e as atribulações horríveis vividos pelo povo de Santo Amaro da Purificação, durante a epidemia da cólera que dizimou a Bahia.

"Ficai certo de que vou trabalhar sem descanso - disse ele ao Presidente da Província. Vou tomar a dianteira das empreitadas mais arriscadas e não me lembrarei de minha vida. Nada exigirei em recompensa de meus sacrifícios, se puder vencer, mas se sucumbir, Vossa Excelência e o Governo olhem para os meus filhos". Em seguida, numa expressão jocosa, para serenar a emoção, voltou-se para sua esposa e exclamou: - "Felismina, até a volta, se não for torta".

Solicitou tropa militar para incinerar os cadáveres, mandou buscar escravos, enxadas, carros de boi, e lenha, nos engenhos próximos. Cremou centenas de cadáveres, requisitou ambulâncias, padiolas e enfermeiros, desin­fetou todas as casas e, mercê de Deus, dominou a epidemia. Salvou Santo Amaro mas contraiu a doença e veio a falecer em cinco de setembro de 1855.


Levantai vossos olhos, afilhados meus, e admirai outro médico ilustre. Seu nome é OTTO WUCHERER. Foi por muitos motivos uma figura admirável. Enfrentou a epidemia de febre amarela, cujo diagnóstico esclareceu. Ditou normas, defendeu princípios, impôs argumentos e transformou sua casa em hospital. Lutou com tanto heroísmo que a muitos pareceu ser imune ao vírus amarílico.

Certo dia disse, amargurado "Fechei a minha casa, onde tinha enfer­maria. Entraram vinte doentes de febre amarela e saíram vinte e um cadáveres, incluindo o da minha esposa".


E aquele esculápio, também de aparência européia, quem é ele, como se chama?

Descobri as vossas frontes, paraninfados meus, porque estais diante de um dos vultos mais extraordinários da medicina baiana: Trata-se, nem mais, nem menos, de PATERSON, o médico dos pobres:

A seu respeito, disse SILVA LIMA: "A clientela dos seus compatriotas, somou PATERSON a da população em geral, sobretudo a dos pobres, e de tal modo o fez que, com o andar do tempo chegou, em extensão e trabalho, a proporções verdadeiramente assombrosas e nunca vistas nesta cidade".

A morte deste médico foi uma comoção pública. Ei-la, na palavra do mesmo SILVA LIMA:

"Depois de jantar cedo, como costumava sempre, e de algum descanso, montou a cavalo à tarde, nas melhores disposições, e foi visitar um doente na povoação da Barra, em frente ao farol. Era um caso grave que ele via desde algum tempo. O doente estava sentado na cama e o Dr. PATERSON sentou-se também em uma cadeira, adiante e um pouco ao lado dele; depois de o ter examinado detidamente, conversava sobre o estado de sua moléstia, e sobre a conveniência de ouvir a opinião de outro colega. Neste ponto da conversação, o dr. PATER­SON calou-se de repente. Imóvel, com o rosto voltado para uma janela que dava para o mar, fixou a vista sobre o sol poente por pouco mais de um minuto, e caiu súbito para o lado da cama, com a cabeça entre os travesseiros. Colhera-o a morte de surpresa no seu posto de honra e no meio da quase divina tarefa de servir e socorrer a humanidade".

"O Dr. PATERSON morrera a grande distância de sua morada. Os habitantes da estrada da Vitória, que pela tarde o viram passar a cavalo, foram no começo da noite dolorosamente impressionados por um tristíssimo espetáculo. Ele passava outra vez para casa, mas inanimado, conduzido aos ombros de quatro homens, acompanhado pelos amigos, que pelo caminho iam sabendo da infausta nova. Atrás deste fúnebre cortejo ia a passo lento, o seu cavalo”.

"A notícia do triste acontecimento espalhou-se com grande rapidez surpreendendo penosamente toda a população. Foi imenso o concurso de pessoas que nessa noite foram informar-se do inesperado sucesso que ecoara com a repercussão de um grande desastre".

"O funeral do Dr., PATERSON, no dia seguinte, foi o mais importante que viu a Bahia. Tornou-se um funeral público. Os ofícios foram celebrados na capela inglesa, do Campo Grande, que estava literalmente coberta de povo".

Acrescenta SILVA LIMA: "Assistiram à cerimonia grande número de compatriotas, colegas, professores da Faculdade de Medicina, amigos, clientes e outros cidadãos de todas as classes e profissões.

Ao terminarem os ofícios, e no momento em que saía o féretro da capela pare ser depositado no carro mortuário, a multidão que estava fora precipitou-se de súbito para a porte, e apoderou-se à força do ataúde para o levar, à mão, até o cemitério, à ladeira da Barra. Apesar da intervenção do cônsul inglês e de outras pessoas, o povo não desistiu do seu intento, alegando que aos pobres que per­diam no Dr. PATERSON um amigo e um pai, ninguém teria a crueldade de im­pedir aquela homenagem de reconhecimento, a última e única que eles, como filhos e como pobres, lhe podiam prestar”.


Os médicos baianos sempre mereceram, fora da Bahia, respeito e consi­deração. Vejamos, por exemplo, o que foi o passamento de FRANCISCO DE CASTRO, ocorrido no Rio de Janeiro. Assim relata IVOLINO DE VASCON­CELOS, o seu biógrafo:

"FRANCISCO DE CASTRO fora chamado, em conferência, a ver um doente, afetado de pneumonia pestosa. Examinara o enfermo, com devotamento e a unção, quase religiosa com que procedia, habitualmente, no sagrado mister.

"Em certo momento, de inesperado, fora o enfermo presa de violento acesso de tosse, a cuja contaminação não pudera fugir o médico”.

"Pouco depois, fora ele a cair doente, e a sucumbir, vitimado pela mesma enfermidade, em meio a surpresa e consternação gerais”.

"Findara-se, o glorioso mestre, na mais prematura, mas, igualmente, honrosa das mortes, pois imolara sua vida à Medicina, ao do leito do enfermo a que tentava salvar..."

E continua: "O sepultamento foi uma apoteose. Um silêncio apenas interrompido por suspiros de preces ou abafados gemidos, era o imponderável sudário da dor. Arrastavam-se os minutos, sonolentos e tardos, no quadrante das horas, rumo à eternidade. Poderia notar-se, no piedoso velório, o que de ilustre havia, na sociedade carioca - os seus colegas, homens de letras, políticos, jorna­listas - que vinham oferecer ao grande mestre a mais completa consagração pública que, até então, tivera a Medicina, em nosso país, numa cerimônia fúne­bre".

"Constituíam multidão, os seus alunos, que lhe vinham trazer as últimas e inconsoláveis despedidas... Viam-se, em toda parte, os seus clientes, e se uniam na mesma dor, os representantes das classes mais abastadas às mais humildes..."

AZEVEDO SODRÉ, reportando-se ao fato, teceu os seguintes comen­tário, no "Brasil Médico": "Os funerais de FRANCISCO DE CASTRO equivaleram, de fato, a uma verdadeira apoteose; no préstito fúnebre, que se organizou para conduzi-lo à última morada, tomaram parte mais de duas mil pessoas, representando todas as camadas sociais, desde o Presidente da República até o mísero mendigo que, ,com os olhos rasos de lágrimas, imprecava as bênçãos do céu para o seu benfeitor.

O ataúde que conduziu os seus restos mortais foi levado à mão e acom­panhado a até o cemitério de São João Batista. Em todas as ruas por onde passou era grande o número de pessoas que o aguardavam nas janelas, portas e jardins. Em todos os semblantes transparecia a tristeza e não eram raras as pessoas que prorrompiam em pranto".


Humildade não faltou a FRANCISCO DE CASTRO nem aos outros grandes médicos do passado. Seu filho, ALYSIO DE CASTRO, assim testemunhou: "Num outro dia, durante a lição de clínica, eu vi o meu pai interromper por momentos e preleção, abaixar-se, tomar ele próprio a escarradeira, e oferece-la, carinhosamente, ao doente, que, no ímpeto de um acesso, tossia sem cessar. Com a austera figura emoldurada na sua elegante sobrecasaca, eu vi e ouvi a lição, quando ele, voltando-se para os alunos, disse, impondo as mãos no doente: "Isto se faz aqui no hospital, com o indigente, a quem temos a honra de servir. fora, na clientela privada, na casa dos ricos, não desça o médico ao papel do auxiliar de enfermagem, para que não se tome um ato destes como dedicação interesseira"!


Hoje, decorrido um século, eu vos pergunto: - AFILHADOS MEUS, O QUE HOUVE? MUDARAM OS MEDICOS OU MUDOU A MEDICINA?

"Entre nós, pondera JOSE SILVEIRA, a figura do médico não era valorizada e respeitada, como adorada e querida. Do seu indiscutível prestígio vem ainda a onda de jovens, onde, até hoje, domina a preferência pela medi­cina".

Inesperadamente, porém, as cousas se transfiguraram., O médico, de carinhoso, dedicado e bom, passou a ser visto como um interesseiro vulgar, frio, desumano, dessidioso e incapaz... Por que tudo isso? E completa o mestre querido: "Tão grave e singular problema, que fere e abala os alicerces da nossa própria vida profissional, está a exigir, com urgência, uma análise cuidadosa e responsável, um julgamento equinânime e seguro, de onde possam partir soluções justas e salvadoras".


Disse ANTÔNIO JESUÍNO DOS SANTOS NETO, nesta tribuna, há dois anos; que ser médico, hoje em dia, é algo penoso e difícil. E atuar em unidades mal aparelhadas e desassistidas, é examinar em pouco tempo uma multidão de doentes, é receber pelo seu trabalho, quase sobrehumano, uma remuneração ínfima: A medicina foi massificada e o médico recebe por tudo isso acerbada crítica que não lhe cabe. Alguma parcela de culpa, no entanto está dentro de nós mesmos.

Confessou OSCAR WILDE, atrás das grades de sua prisão, quando escreveu em cartas a tragédia da sua vida: "Ninguém, por grande ou pequeno que seja, poderá perder-se a não ser por meio de suas próprias mãos!"


A mim me parece que a resposta à dolorosa pergunta formulada por JOSÉ SILVEIRA está com MÁRIO RIGATO. Ei-la na íntegra:

"Na verdade, se investigarmos com mais vagar do que eram capazes, os médicos do passado, chegaremos a algumas conclusões, à primeira vista, bastante acabrunhadoras. Tudo Indica que um século atrás - um século na esteira do tempo não é muito - os nossos irmãos de profissão não eram capazes de curar praticamente nada.

. "Se remontarmos à história da medicina, veremos que o século passado foi marcado por notáveis progressos no conhecimento da patologia e do diagnóstico das doenças. Mas em termos de terapêutica, em termos de cura, prati­camente nada naquela época se sabia. Os grandes mestres da medicina, de cujos retratos temos cópias a ornamentarem nossos consultórios, prescreviam para os seus doentes sanguessugas. Seis milhões de sanguessugas eram vendidas, por mês, nas farmácias de Paris, ao redor de 1850. A arte, a ciência, não estavam em saber se devia ou não receitar sanguessugas. A arte e a ciência consistiam em saber quantas sanguessugas se deveria receitar para cada moléstia, e por quanto tempo!

"Se os médicos do passado não eram capazes de curar praticamente nada, de onde provinha o seu inegável, o seu extraordinário prestígio?

"A resposta não é assim tão difícil: sabe-se que, pelo menos, dois terços dos pacientes que batem às portas dos consultórios não possuem doença orgânica. Dois de cada três pacientes não são doentes do ponto de vista físico. São ansiosos e angustiados, em busca de orientação, apoio e conselho. Este fato é tão verdadeiro nos dias de hoje como o foi no passado. O médico do século XIX era um homem que não tinha conhecimentos para poder curar doenças orgâni­cas. Mas era tão inteligente como nós. Ciente de suas limitações, dedicava um grande calor humano aos que o procuravam. A tomada da anamnese, ao que tudo indica, era feita com extrema atenção e interesse. O exame físico chegava às raias do primoroso. Hoje, não. Hoje nós estamos montados numa ciência real­mente poderosa, capaz de curar a maioria das doenças orgânicas e, ao invés de continuarmos humildes, nos tornamos tão orgulhosos que, realmente, não temos muita consideração para com aqueles que não possuem patologia orgânica.

"O pouco tempo de que dispomos para ouvi-los, a presteza com que nos dispomos e pedir exames complementares, e longa romaria pelos laboratórios clínicos, radiológicos, eletrocardiográficos, endoscópicos, anatomopatológicos a outros que tais, acabam infundindo, mais e mais, no paciente angustiado, e certeza de uma patologia que ele não tem.

"Outra razão pela qual, eu acredito, os médicos do presente têm menos prestígio do que os médicos do passado, diz MÁRIO RIGATO, é a sua menor exposição ao mundo afetivo dos pacientes. Não me causa surpresa que uma recepcionista de uma Olimpíada tivesse se tornado a esposa do monarca que lhe coube receber e acompanhar durante aquele festival de esportes. Pois não foi ela que o esperou no aeroporto? Não foi ela que o acompanhou ao hotel? Não foi ela que o levou ao estádio? Não foi ela que lhe fez companhia às refeições? Não foi ela que o transportou até o avião do retorno? Este longo convívio permitiu que florescessem simpatias e se revelassem atrações. Mas se o Rei da Suécia tivesse sido recebido por uma jovem, levado ao hotel por uma segunda, conduzido à praça de esportes por uma terceira, acompanhado ao Hotel por uma quarta, Jantado com uma quinta, seria crível, ou pelo menos provável, que ele se casasse com a equipe assim constituída?

"Pois eu acho que entre o médico do passado e o médico do presente está acontecendo a mesma coisa. Quem ouvia a história de um doente de um século atrás, era o seu médico. Quem o examinava depois da história contada, era o seu médico. Quem fazia as investigações complementares, ainda que simples, tal como o primitivo exame de urina, era o seu médico. Quem prescrevia a medi­cação, ainda que ineficaz, era o seu médico. E quem passava e vir vê-lo, dia após dia, noite após noite, até que o alívio ou a morte chegassem era o seu médico. Seria de surpreender que se criasse entre este médico e este paciente uma notável relação com grande, ampla e sólida afetividade?"


Durante os seis anos que passastes na nossa Escola, alegrando com as vossas presenças o diuturno das nossas enfermarias e salas de aulas, esta foi a única lição que eu vos transmiti:

SÊDE HUMILDE E AMAI O VOSSO PACIENTE COMO SE ELE FOSSE O VOSSO PAI OU O VOSSO FILHO.

assim, somente assim, tereis sucesso e sereis felizes!

A Escola, paraninfados da minha alma, discípulos queridos que os anos não me trarão jamais, há de ser, hoje e sempre, o farol das vossas vidas.

É pensando nela que concluo esta Oração de Paraninfia. Concluo repetindo o que vos disse quando me comunicastes a vossa escolha, isto é, retiro das reminiscências do passado, o meu primeiro livro de leitura: "CORAÇÃO", de EDMUNDO D'AMICIS. Abro-o! Quantas lembranças! Em cada página uma recordação da infância. Elas compõem, nesta noite de luzes e flores, minhas palavras de despedida, as quais, impressas em vosso convite de formatura, estão dirigidas a cada um de vós, nos termos seguintes:

"A ESCOLA, MEU FILHO, É UMA MÃE. ELA RECEBEU DE MEUS BRAÇOS UMA CRIANÇA E ME DEVOLVEU UM HOMEM. ABENÇOADA, POIS, A TUA ESCOLA. TU NÃO A OLVIDARÁS JAMAIS É IMPOSSIVEL QUE A ESOUEÇAS! VIAJARÁS PELO MUNDO, VERÁS CIDADES E MONUMEN­TOS E DE MUITOS DESTES TE ESOUECERÁS, MAS AQUELE EDIFÍCIO MODESTO, AQUELA PORTA E AOUELE PÁTIO ONDE DESABROCHARAM O TEU SABER E A TUA CIÊN­CIA, VE-LO-ÁS ATÉ O ÚLTIMO DIA DA TUA VIDA, COMO EU, TUA MÃE, VERE! PARA SEMPRE A CASA EM QUE OUVI PELA VEZ PRIMEIRA, O TEU VAGIDO!"

IDE, DEUS VOS ACOMPANHE!
OBRIGADO, MUITO OBRIGADO,
ESTAMOS DESPEDIDOS









































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