GOVERNADOR LUIZ VIANA FILHO
Geraldo Leite
Corria o ano de 1968 e eu continuava com os meus afazeres na terra do Senhor do Bonfim.
Embora residindo em Salvador, acompanhava com interesse os acontecimentos de Feira de Santana, sobretudo aqueles ligados ao ensino superior.
Convivendo no meio acadêmico da capital, a oportunidade seria maior para a concretização do sonho de ver em Feira uma Universidade.
Meu entusiasmo cresceu quando vi medrar em solo feirense a Faculdade de Educação, com os cursos de Letras, Ciências e Estudos Sociais. Acredito que Wilson Falcão foi peça importante para a criação da referida Faculdade.
Tomei contato com o denodado batalhador das causas feirenses, o deputado Wilson Falcão, e percebi que continuava vivo em sua pessoa o sonho que junto alimentamos em companhia de Fernando Pinto de Queiroz e outros idealistas.
Face a grandiosidade do projeto, optamos pela estratégia de pleitear uma Faculdade de Medicina para em seguida chegarmos à Universidade.
Para que o plano surtisse o efeito esperado, necessitávamos apenas de dois ou três professores universitários de Salvador, para me ajudarem na elaboração do projeto.
Depois de cuidadosa pesquisa, identifiquei em Plínio Garcês de Sena e em Ruy Machado da Silva, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, as pessoas procuradas.
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Concluído o projeto, Wilson expressou o desejo de ouvir o reitor da Universidade Nacional de Brasília.
Na manhã de 29 de agosto de 1968 rumamos para a Asa Norte e entramos na Universidade. Penetramos no gabinete do reitor e, quando íamos anunciar a nossa presença, aconteceu o inesperado.
A situação do país era a pior possível. A tensão social e o clima de descontentamento diante da violência com que as forças de segurança agiam, tinham atingido o clímax. O exército e a polícia, naquela madrugada, tinham invadido o campus universitário, colocando sob custódia vários estudantes e professores.
Todos foram colocados no pátio central. O justificativa era o cumprimento do mandato de prisão do presidente do Diretório Central dos Estudantes, Honestino Guimarães. A resistência estudantil provocou os atos de violência, os quais foram aumentando no decorrer da manhã.
Os jornais disseram que as agressões praticadas pelos militares, inclusive com metralhadoras, repercutiram imediatamente no Congresso. A verdade é que só tomamos conhecimento do fato quando a reitoria foi invadida e vimos várias pessoas, aos gritos, sendo perseguidas por soldados fortemente armados.
Ao meu lado, dentre vários estudantes deitados, vi dois ou três banhados de sangue. Um deles chorava e dizia, aos gritos, que tinha sido preso durante a madrugada, e torturado.
Não sei explicar como, mas o fato é que saímos da reitoria.
Quando dei por mim, estávamos nos limites da Universidade, cercados por soldados. Um deles, um oficial do Exército, dirigiu-se para Wilson e indagou o que estávamos fazendo ali, no meio daquele tumulto. Wilson tirou sua carteira de congressista e se identificou, afirmando que éramos deputados federais e que tínhamos sido enviados pela Câmara para verificar a ocorrência. A mim, felizmente, nada indagou.
Em seguida advertiu que nós, por medida de segurança, não devíamos circular livremente e colocou outro oficial à nossa disposição.
Wilson informou que nossa missão estava cumprida e que já tínhamos presenciado o bastante.
Na volta à Praça dos Três Poderes, Wilson Falcão, cunhado de Lourival Batista, governador de Sergipe, dizia a todo o momento:
-- Eu só pensava em seus pais. Você, filho único, metido em uma confusão como esta !
A invasão da UNB repercutiu no Congresso. Vários discursos foram pronunciados contra o regime militar. Um deles conclamou o boicote aos festejos de 7 de setembro e serviu de pretexto para que fosse baixado o Ato Institucional Número nº5, o mais terrível de todos os Atos Institucionais.
Assim, lamentando o desastre que foi a tentativa de criar uma Faculdade de Medicina em Feira de Santana, ficamos a espera de outra oportunidade.
Desistir de ver uma Universidade em Feira, nunca !
Pois é, desiludido, decepcionado, perdi o projeto da Faculdade de Medicina de Feira de Santana. Não sei se no desespero daquela manhã, o esqueci na ante-sala do reitor da UNB, não sei se, como aquele viandante, o joguei fora, como se fosse mais uma pedrinha da vida.
De qualquer forma eu me enganei. Aquela pedrinha, talvez jogada no mar da desilusão, era na verdade um diamante.
Um diamante que iria transformar em realidade o meu sonho de tantos e tantos anos !
É que, no dia 26 de novembro de 1969, às 11 horas da manhã, estando eu ainda atormentado com a morte do meu tio Oscar, Wilson Falcão me telefonou, perguntando:
-- Geraldo, você tem uma cópia daquele projeto da Faculdade de Medicina de Feira de Santana ? Hoje, às 16 horas, no Palácio de Ondina, temos uma audiência com o Governador Luiz Viana Filho. Seria bom leva-lo para apreciação.
Ao chegarmos ao Palácio, dissemos ao governador que o projeto não estava em nossas mãos, o que não importava muito porque na verdade nosso desejo não era uma Faculdade de Medicina mas uma Universidade. O governador, aquele homem de visão ampla e objetiva, aquela inteligência viva que enxergava longe, interrompeu nossa exposição e indagou:
-- Porquê não ? Vamos pensar alto, Feira merece. Vamos criar uma Universidade, uma Universidade Estadual.
Eu olhei para Wilson, Wilson olhou para mim, parecíamos estar sonhando. Aquele encontro era real ? Balbuciamos mais ou menos o seguinte:
-- É verdade, Goverandor. Este é o nosso objetivo, este é o sonho de todos os feirenses. Feira merece uma Universidade !
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Três dias depois, em 29 de novembro de 1969, o Diário Oficial publicou o decreto nº 21.583, de 28 de novembro, dispondo sobre a instalação da Fundação Universidade de Feira de Santana. O aludido decreto, no seu artigo 4º, constituía uma comissão composta pelos senhores Joaquim Vieira de Azevedo Coutinho Neto, Geraldo Leite e Maria Cristina de Oliveira Menezes, para elaborar o ante-projeto para implantação da Fundação.
E assim nasceu a Universidade Estadual de Feira de Santana.
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