REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA TROPICAL
Print version ISSN 0037-8682
Rev. Soc. Bras. Med. Trop. vol.42 no.3 Uberaba May/June 2009
doi: 10.1590/S0037-86822009000300027
NECROLÓGIO
ÍTALO RODRIGUES DE ARAÚJO SHERLOCK (*1936 †2009)
Geraldo Leite
ÍTALO SHERLOCK
*
Perdeu o Brasil, em março último, um de seus maiores entomologistas: Ítalo Rodrigues de Araújo Sherlock.
No século passado, década de quarenta, o casal Deane e o Prof. Samuel Pessoa, percorrendo o nordeste do Brasil em viagem de estudo, chegaram a cidade de Sobral e tiveram conhecimento que ali existia um menino prodígio. Era um adolescente, de 14 anos, dotado de uma habilidade extraordinária para lidar com insetos e outros animais. Essa paixão pela investigação ele herdara do seu avô, o qual cultivava a mania de pesquisar tudo o que encontrava. Daí o nome de Sherlock, nome que passou para a família.
O casal Deane e O Prof. Samuel Pessoa procuraram o pequeno cientista e ele, com o entusiasmo dos predestinados, mostrou seu museu e suas coleções de insetos.
Os visitantes convidaram Ítalo para trabalhar com eles, e o menino prodígio deixou Sobral para exercer o mister de auxiliar de entomologista.
Ingressou na campanha contra a leishmaníase, ajudando os Deane em suas pesquisas, no interior do Ceará.
Depois, os Deane levaram Ítalo para São Paulo e conseguiram uma licença especial para que o jovem, apesar da pouca idade, realizasse um curso de entomologia na Universidade de São Paulo (USP).
Concluído o curso, Ítalo publicou seu primeiro trabalho científico, sob a orientação de Leônidas e Maria Deane.
De São Paulo, o jovem foi encaminhado para o Rio de Janeiro, onde frequentou o Instituto Oswaldo Cruz. No Instituto, conheceu o Dr. Otávio Mangabeira Filho, grande entomologista recém-chegado dos Estados Unidos. O Dr. Otávio Mangabeira Filho convidou Ítalo para vir para a Bahia.
Aqui chegando, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, pela qual foi diplomado em 1963.
Após alguns cursos de pós-graduação, realizados em Salvador, Ítalo voltou para São Paulo e especializou-se em entomologia, na USP.
Durante o regime militar, o Prof. Samuel Pessoa, acusado de ser comunista, refugiou-se, com a esposa, na casa de Sherlock, em Salvador. Observando que Sherlock era um pesquisador e, como pesquisador, não tinha como se manter, Samuel Pessoa e sua esposa induziram-no a seguir uma especialidade clínico-cirúrgica. Assim impulsionado, Ítalo fez um curso de otorrinolaringologia e tornou-se, além de pesquisador, um profissional conceituado.
Em 1971, foi para Londres e especializou-se em Medical Entomology and Protozoology, na London School of Hygiene Tropical Medicine.
Nos anos de 1995, 1996 e 1997, fez o doutorado em Biologia Parasitária, na Fundação Oswaldo Cruz.
Como pesquisador titular do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, em Salvador, Ítalo desenvolveu intensa atividade científica, notabilizando-se como um dos maiores entomologistas do Brasil.
Dedicou-se, nas horas de lazer, à pintura (herança de seus pais, os quais também eram pintores, nas horas vagas). Produziu cerca de trinta telas artísticas, inclusive uma tela a óleo, intitulada Monalisa da Conceição Santos, exposta em 1988.
Ítalo é autor de 166 trabalhos científicos, 12 capítulos de livros e 195 trabalhos apresentados em congressos. Sua área de atuação era leishmaníases, esquistossomíase, peste e outras endemias tropicais.
Dentre seus trabalhos, ressalto os referentes ao levantamento dos triatomíneos e dos flebotomídeos da Bahia, os dos reservatórios silvestres do calazar, os da periodicidade epidêmica decenal da leishmaníase visceral, os da endemia canina do calazar e os da transmissão das leishmânias pelo Rattus rattus, Didelphys albiventris e Ripicephalus sanguineus.
Ítalo descobriu e descreveu várias espécies de flebótomos e de triatomíneos.
Muitos dos seus trabalhos tiveram repercussão internacional.
Perdemos assim, em 2009, um dos maiores pesquisadores do Brasil.
DR. ÍTALO SHERLOCK, UM PRESENTE CEARENSE PARA A BAHIA
Ogvalda Devay de Souza Torres
ÍTALO SHERLOCK
Ítalo Rodrigues de Araújo Sherlock, nasceu na cidade de Sobral, estado do Ceará, em cinco de abril de 1936, filho de Raymundo Freitas de Araújo Sherlock, engenheiro eletrônico prático e de Alda de Albuquerque Rodrigues de Araújo Sherlock. Foi o 6º filho do casal que constituiu uma prole de 14 filhos.
Sua mãe, donzela de beleza admirada por todos da época, nasceu no território do Acre onde os avôs maternos, portugueses legítimos, eram da família Teixeira de Albuquerque Souza Rodrigues, proprietários de imensos seringais na Amazônia e que, posteriormente, se mudaram para o Estado do Ceará.
Falando ainda de sua ascendência familiar, o homenageado conta com seu jeito descontraído e a voz grave carregada de sotaque sertanejo, que seu forasteiro avô paterno casou-se com uma linda ameríndia brasileira de cabelos negros, longos e esvoaçantes, na flor dos 13 anos de idade, após roubá-la na garupa de seu cavalo, de um orfanato do Ceará, acompanhados por uma troupe de ”cabras da peste” que os protegiam.
Dr. Sherlock viveu uma infância onde era freqüente a presença de pessoas cultas que visitavam ou se hospedavam com seus avôs. Teve uma educação formal e aprimorada em colégio de padres; sua mãe era muito prendada, lia e falava grego, desenhava, pintava e, como todas as moças da época, bordava e ‘11’cantava muito bem. Nesse ambiente artístico, pois o pai também desenhava, desenvolveu cedo habilidade para o desenho e pintura. Lembra-se de um de seus primeiros trabalhos, o Apolo do Belvedere, o homem mais perfeito segundo a mitologia grega, que recebeu a primeira crítica artística, devido a falta de proporção do corpo que não tinha 7 cabeças de altura, sendo de baixa estatura, provavelmente devido a influência do padrão da família Sherlock.
Segundo a historiadora Anna Beatriz de Almeida e a doutora em História da Ciência, Marli de Albuquerque, em artigo que publicaram (Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos V.7 n.1, RJ mar/jun. 2000), “o avô era um homem muito curioso, que gostava de investigar tudo que achava interessante, por conta disso, passou a ser conhecido como Sherlock, nome que passou à Família”. Esse interesse Dr. Ítalo herdou do avô e desde pouca idade colecionou insetos, ofídios e outros animais que guardava em caixas de malacacheta por ele próprio preparadas para organizar o seu “Museu”.
A vida se constrói, também, de oportunidades bem aproveitadas.
Na década de 50 pesquisava-se a obscura epidemiologia da Leishmaniose visceral, e os pesquisadores SAMUEL BARNSLEY PESSOA, LEÔNIDAS DE MELO DEANE, sua esposa MARIA JOSÉ VON PAUMGARTTEN DEANE e JOAQUIM EDUARDO DE ALENCAR, visitaram Sobral. Conheceram o “Museu” do jovem Ítalo, e despertados pelo interesse do cearense, logo o convidaram para trabalhar como auxiliar de entomologia na Campanha contra a Leishmaniose, onde foi aluno de entomologia do Prof. ARCHIBALDO BELLO GALVÃO. Iniciou assim sua vida de pesquisador. Fez em seguida o curso livre de Entomologia da Faculdade de Higiene e Saúde Publica da USP tendo publicado seu primeiro trabalho científico. De São Paulo foi estagiar, em 1957, no Instituto Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde conheceu o Dr. OCTAVIO MANGABEIRA FILHO que o convidou para trabalhar na Bahia, no Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, que criara recentemente e dirigia em Salvador.
Penso ter conhecido o Dr. Ítalo Sherlock em 1958, em Campanha contra a Filariose Bancroftiana, promovida pelo Lions Clube de Salvador-Itapagipe.
Cursou Medicina no antigo prédio da Faculdade de Medicina da Bahia do Terreiro de Jesus, hoje FAMED-UFBA, tendo-se graduado em 1963, passando então a pertencer ao quadro provisório de pesquisadores do Instituto Osvaldo Cruz do Rio de Janeiro, de onde já era bolsista de iniciação científica sob a orientação de Octavio Mangabeira Filho.
Impossível resumir, em espaço limitado, a trajetória científica do ilustre homenageado. Tem várias especializações, Entomologia Médica (USP, 1956), Clínica Otorrinolaringológica (HUPES-UFBA, 1966), Entomologia e Protozoologia (London School of Hygiene and Tropical Medicine, 1971) e doutorado em Biologia Parasitaria (IOC - FIOCRUZ, RJ, 1997). Desde 1958 é pesquisador da FIOCRUZ, tendo sido homenageado como seu funcionário mais antigo em atividade, durante as comemorações do centenário de fundação dessa entidade, em 2001, quando Dr. Ítalo completava 46 anos de dedicação à Instituição. Criou o primeiro Conselho de Ética do CPqGM-FIOCRUZ e dirigiu essa Instituição de Pesquisas após a morte de O.Mangabeira Filho, de 1963 a 1980. Como Professor, colaborou na Especialização sobre Ensino Básico Regionalizado de Saúde Pública (1976-1978), em Pós-graduação, na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, na Extensão Universitária sobre “Criação de um Conselho de Ética”, para a Faculdade de Tecnologia de Ciência da Bahia, foi Professor Colaborador para “Vetores, Transmissão e Controle de Dengue” e atuou como colaborador e Professor Assistente de Otorrinolaringologia do HPES-FM-UFBA (1964-1967).
É imensa sua produção científica. Nos últimos 5 anos, até setembro de 2004, em seu curriculum vitae por mim enviado à Sociedade Brasileira de Parasitologia, pude verificar a publicação de 20 trabalhos completos em anais de eventos e seis como colaborador, 102 resumos como autor principal e 47 como colaborador. Tem 11 capítulos de livros publicados, textos em Jornais de Notícias e impressos de sua autoria. São 49 os trabalhos técnicos que publicou. Numa publicação da Universidade Gama Filho do Rio Janeiro, até o ano 2001, só relacionados a entomologia, estão listados 116 trabalhos publicados em revistas científicas indexadas nacionais e internacionais e 108 trabalhos apresentados e publicados em resumos de congressos nacionais e internacionais.
Em memorial organizado em julho do ano 2004, a seguinte produção é salientada, com base no resumo estatístico das publicações científicas sobre clínica, epidemiologia, transmissão, controle, reservatórios e vetores de leishmanioses, doença de Chagas, filarioses, esquistossomose, peste bubônica, dermatozoonoses: 335 trabalhos publicados, sendo 111 em periódicos brasileiros indexados, 51 em periódicos estrangeiros, 11 capítulos de livros, 5 publicações diversas e 170 em resumos de congressos seminários e simpósios. Atualmente, o pesquisador informa haver mais dados, mas ainda não os tem disponíveis, em mãos, devido a mudança de local de sua documentação por motivo de sua aposentadoria, o que, só com mais tempo, será tudo organizado em novo Memorial documentado com os originais comprovantes.
Desde 1960 vem sendo laureado por mérito, tendo neste ano, ainda estudante de Medicina, recebido, por seus trabalhos, a MEDALHA DE BRONZE GASPAR VIANA comemorativa do cinqüentenário da descoberta do tratamento das leishmanioses por GASPAR VIANNA. Em 1974 recebeu a MEDALHA DE OURO e o Prêmio GERHARD DOMAGK pelo melhor trabalho publicado no período de 1972 a 1973, que lhe foi entregue pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e Laboratório Bayer em 1974, em Curitiba, Paraná. No mesmo ano recebeu a MEDALHA DE BRONZE ‘CARLOS CHAGAS”pela participação no I Seminário de Pesquisas Nacionais em Doença de Chagas, no Rio de Janeiro. Em 1976 recebeu a MEDALHA DE BRONZE pela participação no XII Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e I Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia,
Em 1987 foi Presidente da Comissão Científica do X Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia, realizado em Salvador, Bahia, tendo recebido Diploma de HONRA AO MÉRITO que lhe foi entregue pelo Presidente da SBP, na época, Dr. HABIB FRAIHA NETO. Em 1999 recebeu Diploma e Medalha “2000 OUTSTANDING SCIENTIST OF THE 20th CENTURY”, do International Biographical Center, Cambridge, England.
Outras homenagens de carinho e de reconhecimento lhe foram prestadas. Recebeu MENÇÃO HONROSA na Câmara Municipal de Sobral, em maio de 1987, como “FILHO ILUSTRE”. Em 1995 recebeu o título de CIDADÃO DA CIDADE DE CASTRO ALVES, pela Câmara Municipal e Prefeitura desta cidade baiana. Foi Professor Homenageado da turma de Biólogos pela UFBA em 1998.
Chama a atenção o número de novas espécies de flebotomíneos e triatomíneos por ele descritas, e a distinção que recebeu de entomologistas estrangeiros, nomeando espécies outras em sua homenagem entre os quais Lutzomyia sherlocki, Triatoma sherlocki, Panstongylus sherlocki.
Mas, o que mais me apraz referenciar a respeito do Dr. Ítalo, é a sua sensibilidade artística que costuma existir em pessoas de grande coração.
Seus primeiros trabalhos foram esculpidos, como SÃO JOÃO BATISTA E O CORDEIRO (1950), A ALUCINAÇÃO DE UM ESCULTOR (1952).
Visitando a sua casa, pude apreciar algumas de suas telas, pintura a óleo, o gênero preferido pelo artista, como AIYÁ (1960), EMÍLIA AMÉLIA, RETRATO DE MINHA AVÓ (1967), A DAMA DO BARALHO ANTIGO DE MINHA AVÓ (1969), MINHA NOIVA (1981), EMÍLIA E O PÁSSARO e TIM E ZOLA (de 1984), ANJO DE GUARDA (iniciado em 1992, inacabado). Outras tantas telas, como MINHA IRMÃ VILMA (1982), RETRATO ACADÊMICO – O PROFESSOR ALUIZIO PRATA (1995), RETRATO DE DR. ROBERTO BADARÓ e RETRATO DE MINHA MÃE (2000), não fazem parte do acervo do autor, já foram ofertados. Cheguei a conhecer MONALISA DA CONCEIÇÃO SANTOS, LA GIOCONDA NEGRA, que foi exposto em 1988 com outras obras de médicos pintores, e hoje faz parte do acervo de Dr. Geraldo Leite, outro parasitologista, presente sergipano para a Bahia. Algumas de suas telas pintadas a óleo, como A BELA DO 63; A BAIANA FLORINHA (1973), e A BAIANA VILMA (1974) estão em Londres, Inglaterra, assim como a PAÍS TROPICAL (1973), aquarela.
Dr. Ítalo também trabalha em escultura a ponta de canivete em gesso, óleo e vidraria, como sua “VELHA SABEDORIA CHINESA (1979)” que está nos Estados Unidos, acervo do Prof. THOMAS WELLER, em Boston.
No período de 1959 a 1980 elaborou desenhos a bico de pena com nankim ou aquarela, diversos representando peças anatômicas ou morfologia geral de triatomíneos ou flebotomíneos para ilustração de trabalhos científicos publicados em periódicos, livros e revistas.
Impressionaram-me muito 10 peças de porcelana pintadas com ouro e tintas próprias de porcelana queimadas a 800ºC, em estilo chinês, e também a tela a óleo “DILOGUN” que o autor descreve com uma “baiana tipicamente trajada e seu tabuleiro com comidas baianas, fazendo acarajé e usando todos os paramentos e adereços clássicos, inclusive o poderoso brinco dilogum que guarda todo o mistério e magia dos orixás”.
Em 2004 foi realizado, na Bahia, o I Congresso de Médicos Artistas, e convidei o Dr. Ítalo para participar como pianista, que sabia que era. Nessa condição, não aceitou, mas resolveu pintar DOUTORA OGVALDA E SEU VIOLINO, que descreveu como “A felicidade estampada no olhar e sorriso da Doutora Ogvalda bem demonstram a sua paixão pela música clássica que costuma exercitar no seu inseparável violino, nas horas de lazer, quando descansa das árduas tarefas médicas de sua carreira profissional”. E ganhei esse precioso presente!
Encerro referindo-me a sua Família, a JU, sua esposa de beleza completa, física e espiritual, e seus amados filhos Tim e Emília. Quanto a Emília, gradua-se em Biologia logo mais, pela Universidade Católica, e tive a honra de ter sido incluída na Comissão Julgadora de seu Trabalho de Conclusão de Curso, a Monografia sobre “Flebotomíneos da área metropolitana de Salvador; especulações sobre possíveis transmissores da leishmaniose visceral canina”, orientada por seu Pai. Que beleza! Emília pretende fazer o curso de Medicina e nós esperamos que ela continue o dedicado trabalho do seu Pai na Bahia.
Sua mãe, donzela de beleza admirada por todos da época, nasceu no território do Acre onde os avôs maternos, portugueses legítimos, eram da família Teixeira de Albuquerque Souza Rodrigues, proprietários de imensos seringais na Amazônia e que, posteriormente, se mudaram para o Estado do Ceará.
Falando ainda de sua ascendência familiar, o homenageado conta com seu jeito descontraído e a voz grave carregada de sotaque sertanejo, que seu forasteiro avô paterno casou-se com uma linda ameríndia brasileira de cabelos negros, longos e esvoaçantes, na flor dos 13 anos de idade, após roubá-la na garupa de seu cavalo, de um orfanato do Ceará, acompanhados por uma troupe de ”cabras da peste” que os protegiam.
Dr. Sherlock viveu uma infância onde era freqüente a presença de pessoas cultas que visitavam ou se hospedavam com seus avôs. Teve uma educação formal e aprimorada em colégio de padres; sua mãe era muito prendada, lia e falava grego, desenhava, pintava e, como todas as moças da época, bordava e ‘11’cantava muito bem. Nesse ambiente artístico, pois o pai também desenhava, desenvolveu cedo habilidade para o desenho e pintura. Lembra-se de um de seus primeiros trabalhos, o Apolo do Belvedere, o homem mais perfeito segundo a mitologia grega, que recebeu a primeira crítica artística, devido a falta de proporção do corpo que não tinha 7 cabeças de altura, sendo de baixa estatura, provavelmente devido a influência do padrão da família Sherlock.
Segundo a historiadora Anna Beatriz de Almeida e a doutora em História da Ciência, Marli de Albuquerque, em artigo que publicaram (Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos V.7 n.1, RJ mar/jun. 2000), “o avô era um homem muito curioso, que gostava de investigar tudo que achava interessante, por conta disso, passou a ser conhecido como Sherlock, nome que passou à Família”. Esse interesse Dr. Ítalo herdou do avô e desde pouca idade colecionou insetos, ofídios e outros animais que guardava em caixas de malacacheta por ele próprio preparadas para organizar o seu “Museu”.
A vida se constrói, também, de oportunidades bem aproveitadas.
Na década de 50 pesquisava-se a obscura epidemiologia da Leishmaniose visceral, e os pesquisadores SAMUEL BARNSLEY PESSOA, LEÔNIDAS DE MELO DEANE, sua esposa MARIA JOSÉ VON PAUMGARTTEN DEANE e JOAQUIM EDUARDO DE ALENCAR, visitaram Sobral. Conheceram o “Museu” do jovem Ítalo, e despertados pelo interesse do cearense, logo o convidaram para trabalhar como auxiliar de entomologia na Campanha contra a Leishmaniose, onde foi aluno de entomologia do Prof. ARCHIBALDO BELLO GALVÃO. Iniciou assim sua vida de pesquisador. Fez em seguida o curso livre de Entomologia da Faculdade de Higiene e Saúde Publica da USP tendo publicado seu primeiro trabalho científico. De São Paulo foi estagiar, em 1957, no Instituto Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro, onde conheceu o Dr. OCTAVIO MANGABEIRA FILHO que o convidou para trabalhar na Bahia, no Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz, que criara recentemente e dirigia em Salvador.
Penso ter conhecido o Dr. Ítalo Sherlock em 1958, em Campanha contra a Filariose Bancroftiana, promovida pelo Lions Clube de Salvador-Itapagipe.
Cursou Medicina no antigo prédio da Faculdade de Medicina da Bahia do Terreiro de Jesus, hoje FAMED-UFBA, tendo-se graduado em 1963, passando então a pertencer ao quadro provisório de pesquisadores do Instituto Osvaldo Cruz do Rio de Janeiro, de onde já era bolsista de iniciação científica sob a orientação de Octavio Mangabeira Filho.
Impossível resumir, em espaço limitado, a trajetória científica do ilustre homenageado. Tem várias especializações, Entomologia Médica (USP, 1956), Clínica Otorrinolaringológica (HUPES-UFBA, 1966), Entomologia e Protozoologia (London School of Hygiene and Tropical Medicine, 1971) e doutorado em Biologia Parasitaria (IOC - FIOCRUZ, RJ, 1997). Desde 1958 é pesquisador da FIOCRUZ, tendo sido homenageado como seu funcionário mais antigo em atividade, durante as comemorações do centenário de fundação dessa entidade, em 2001, quando Dr. Ítalo completava 46 anos de dedicação à Instituição. Criou o primeiro Conselho de Ética do CPqGM-FIOCRUZ e dirigiu essa Instituição de Pesquisas após a morte de O.Mangabeira Filho, de 1963 a 1980. Como Professor, colaborou na Especialização sobre Ensino Básico Regionalizado de Saúde Pública (1976-1978), em Pós-graduação, na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, na Extensão Universitária sobre “Criação de um Conselho de Ética”, para a Faculdade de Tecnologia de Ciência da Bahia, foi Professor Colaborador para “Vetores, Transmissão e Controle de Dengue” e atuou como colaborador e Professor Assistente de Otorrinolaringologia do HPES-FM-UFBA (1964-1967).
É imensa sua produção científica. Nos últimos 5 anos, até setembro de 2004, em seu curriculum vitae por mim enviado à Sociedade Brasileira de Parasitologia, pude verificar a publicação de 20 trabalhos completos em anais de eventos e seis como colaborador, 102 resumos como autor principal e 47 como colaborador. Tem 11 capítulos de livros publicados, textos em Jornais de Notícias e impressos de sua autoria. São 49 os trabalhos técnicos que publicou. Numa publicação da Universidade Gama Filho do Rio Janeiro, até o ano 2001, só relacionados a entomologia, estão listados 116 trabalhos publicados em revistas científicas indexadas nacionais e internacionais e 108 trabalhos apresentados e publicados em resumos de congressos nacionais e internacionais.
Em memorial organizado em julho do ano 2004, a seguinte produção é salientada, com base no resumo estatístico das publicações científicas sobre clínica, epidemiologia, transmissão, controle, reservatórios e vetores de leishmanioses, doença de Chagas, filarioses, esquistossomose, peste bubônica, dermatozoonoses: 335 trabalhos publicados, sendo 111 em periódicos brasileiros indexados, 51 em periódicos estrangeiros, 11 capítulos de livros, 5 publicações diversas e 170 em resumos de congressos seminários e simpósios. Atualmente, o pesquisador informa haver mais dados, mas ainda não os tem disponíveis, em mãos, devido a mudança de local de sua documentação por motivo de sua aposentadoria, o que, só com mais tempo, será tudo organizado em novo Memorial documentado com os originais comprovantes.
Desde 1960 vem sendo laureado por mérito, tendo neste ano, ainda estudante de Medicina, recebido, por seus trabalhos, a MEDALHA DE BRONZE GASPAR VIANA comemorativa do cinqüentenário da descoberta do tratamento das leishmanioses por GASPAR VIANNA. Em 1974 recebeu a MEDALHA DE OURO e o Prêmio GERHARD DOMAGK pelo melhor trabalho publicado no período de 1972 a 1973, que lhe foi entregue pela Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e Laboratório Bayer em 1974, em Curitiba, Paraná. No mesmo ano recebeu a MEDALHA DE BRONZE ‘CARLOS CHAGAS”pela participação no I Seminário de Pesquisas Nacionais em Doença de Chagas, no Rio de Janeiro. Em 1976 recebeu a MEDALHA DE BRONZE pela participação no XII Congresso da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e I Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia,
Em 1987 foi Presidente da Comissão Científica do X Congresso da Sociedade Brasileira de Parasitologia, realizado em Salvador, Bahia, tendo recebido Diploma de HONRA AO MÉRITO que lhe foi entregue pelo Presidente da SBP, na época, Dr. HABIB FRAIHA NETO. Em 1999 recebeu Diploma e Medalha “2000 OUTSTANDING SCIENTIST OF THE 20th CENTURY”, do International Biographical Center, Cambridge, England.
Outras homenagens de carinho e de reconhecimento lhe foram prestadas. Recebeu MENÇÃO HONROSA na Câmara Municipal de Sobral, em maio de 1987, como “FILHO ILUSTRE”. Em 1995 recebeu o título de CIDADÃO DA CIDADE DE CASTRO ALVES, pela Câmara Municipal e Prefeitura desta cidade baiana. Foi Professor Homenageado da turma de Biólogos pela UFBA em 1998.
Chama a atenção o número de novas espécies de flebotomíneos e triatomíneos por ele descritas, e a distinção que recebeu de entomologistas estrangeiros, nomeando espécies outras em sua homenagem entre os quais Lutzomyia sherlocki, Triatoma sherlocki, Panstongylus sherlocki.
Mas, o que mais me apraz referenciar a respeito do Dr. Ítalo, é a sua sensibilidade artística que costuma existir em pessoas de grande coração.
Seus primeiros trabalhos foram esculpidos, como SÃO JOÃO BATISTA E O CORDEIRO (1950), A ALUCINAÇÃO DE UM ESCULTOR (1952).
Visitando a sua casa, pude apreciar algumas de suas telas, pintura a óleo, o gênero preferido pelo artista, como AIYÁ (1960), EMÍLIA AMÉLIA, RETRATO DE MINHA AVÓ (1967), A DAMA DO BARALHO ANTIGO DE MINHA AVÓ (1969), MINHA NOIVA (1981), EMÍLIA E O PÁSSARO e TIM E ZOLA (de 1984), ANJO DE GUARDA (iniciado em 1992, inacabado). Outras tantas telas, como MINHA IRMÃ VILMA (1982), RETRATO ACADÊMICO – O PROFESSOR ALUIZIO PRATA (1995), RETRATO DE DR. ROBERTO BADARÓ e RETRATO DE MINHA MÃE (2000), não fazem parte do acervo do autor, já foram ofertados. Cheguei a conhecer MONALISA DA CONCEIÇÃO SANTOS, LA GIOCONDA NEGRA, que foi exposto em 1988 com outras obras de médicos pintores, e hoje faz parte do acervo de Dr. Geraldo Leite, outro parasitologista, presente sergipano para a Bahia. Algumas de suas telas pintadas a óleo, como A BELA DO 63; A BAIANA FLORINHA (1973), e A BAIANA VILMA (1974) estão em Londres, Inglaterra, assim como a PAÍS TROPICAL (1973), aquarela.
Dr. Ítalo também trabalha em escultura a ponta de canivete em gesso, óleo e vidraria, como sua “VELHA SABEDORIA CHINESA (1979)” que está nos Estados Unidos, acervo do Prof. THOMAS WELLER, em Boston.
No período de 1959 a 1980 elaborou desenhos a bico de pena com nankim ou aquarela, diversos representando peças anatômicas ou morfologia geral de triatomíneos ou flebotomíneos para ilustração de trabalhos científicos publicados em periódicos, livros e revistas.
Impressionaram-me muito 10 peças de porcelana pintadas com ouro e tintas próprias de porcelana queimadas a 800ºC, em estilo chinês, e também a tela a óleo “DILOGUN” que o autor descreve com uma “baiana tipicamente trajada e seu tabuleiro com comidas baianas, fazendo acarajé e usando todos os paramentos e adereços clássicos, inclusive o poderoso brinco dilogum que guarda todo o mistério e magia dos orixás”.
Em 2004 foi realizado, na Bahia, o I Congresso de Médicos Artistas, e convidei o Dr. Ítalo para participar como pianista, que sabia que era. Nessa condição, não aceitou, mas resolveu pintar DOUTORA OGVALDA E SEU VIOLINO, que descreveu como “A felicidade estampada no olhar e sorriso da Doutora Ogvalda bem demonstram a sua paixão pela música clássica que costuma exercitar no seu inseparável violino, nas horas de lazer, quando descansa das árduas tarefas médicas de sua carreira profissional”. E ganhei esse precioso presente!
Encerro referindo-me a sua Família, a JU, sua esposa de beleza completa, física e espiritual, e seus amados filhos Tim e Emília. Quanto a Emília, gradua-se em Biologia logo mais, pela Universidade Católica, e tive a honra de ter sido incluída na Comissão Julgadora de seu Trabalho de Conclusão de Curso, a Monografia sobre “Flebotomíneos da área metropolitana de Salvador; especulações sobre possíveis transmissores da leishmaniose visceral canina”, orientada por seu Pai. Que beleza! Emília pretende fazer o curso de Medicina e nós esperamos que ela continue o dedicado trabalho do seu Pai na Bahia.
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