ANTÔNIO CARLOS NOGUEIRA BRITO
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Nasceu em Cachoeira. Seus pais mudaram-se para Ilhéus, onde Antônio Carlos viveu a meninice e, na expressão de José Jorge Randam, “fez os deveres à luz de velas, escondido pelo black-out da 2ª guerra mundial, com janelas cobertas por jornais” ( 1).
Continuou seus estudos em Jequié, datando desta época, ao que parece, sua vocação para a pesquisa histórica, pois, ainda criança, “costumava recortar e arquivar, cuidadosamente, matérias de jornais sobre acontecimentos históricos” (Ibidem).
Seu gosto pela literatura foi também precoce, pois, segundo a mesma fonte, “aos 12 anos já lia “Os Sertões” e alguns outros clássicos”.
Por fim chegou a Salvador, onde ingressou no Colégio da Bahia e, em seguida, na Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia.
Em 1960 concluiu o curso médico.
“No ofício de médico – completa Random – “passou por várias e valiosas experiências: Petrobrás, SANDU, INAMPS, entre outras, aguçando-lhe a curiosidade e a sensibilidade no servir” (1).
Em seu périplo afanoso e cristão, a criança de ontem e o respeitável profissional de hoje, nunca perdeu o gosto pela História da Medicina, buscando-a nas fontes primárias mais preciosas e verídicas.
Antônio Carlos Nogueira Brito se afirmou pela seriedade de suas pesquisas e pelo talento do seu estilo elegante e burilado, ameno e encantador.
Ingressou, enfim, no Instituto Baiano de História da Medicina e Ciências Afins, na cidade do Salvador. Ali, no convívio com seus pares, foi, de pesquisa em pesquisa, conquistando a admiração e o respeito do sodalício. Eleito Vice-Presidente, e logo depois Presidente, publicou o livro, hoje clássico, “A Medicina Baiana nas Brumas do Passado”.
Sobre esta obra notável, diz o seu prefaciador: “Primoroso trabalho de cunho histórico resgatando a notável saga da medicina baiana, desde os seus primórdios, carinhosa e pacientemente pesquisada e pontuada com estilo e gosto de historiador” (1).
O autor, apesar dos encômios recebidos, não abandonou a modéstia: “Não sou um historiador. Considero-me, creio, mais precisamente, um “contador de história”. Sim. Sou seguramente uma espécie de periodista, aprendiz do ofício, bisbilhoteiro, porém autodidata e determinado, que tomou a firme decisão de “voltar ao passado” para narrar acontecimentos em derredor da medicina baiana e de aspectos da sociedade, vida, instituições e personalidades de antanho na província da Bahia” (2).
A Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, ao comemorar duzentos anos de existência, reconhecendo o mérito de suas pesquisas, prestou-lhe justa e significativa homenagem.
REFERÊNCIAS:
Nogueira Brito, Antônio Carlos – A Medicina Baiana nas Brunas do Passado – Empresa Gráfica da Bahia. Salvador, 2002.
Antonio Carlos Nogueira Brito . Disponível em http://www.me dicina.ufba.br/historia_med/Nogueira_Britto.htm. Acesso em 07 de janeiro de 2009.
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“O DIA EM QUE O MOÇO ESTÁCIO DE LIMA CHEGOU À SALVADOR PARA ESTUDAR MEDICINA”
(Extraído de Nogueira Britto, Antonio Carlos - A Medicina Baiana nas Brumas do Passado. Salvador, 2002)
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“Amanhecer na quinta-feira, 3 de fevereiro de 1916.
Estava demandando à barra da Baia de Todos os Santos, em mar Glauco, o provecto e afadigado vapor nacional “Bahia”, do “Loyde Brasileiro”, procedente de Manaus, “com escala por Pará, Maranhão, Ceará, Natal, Cabedelo, Pernambuco e Maceió”.
O experimentado “lúpus maritimus!, que timonava o paquete deu uma ordem para a máquina e o ofego dos êmbolos tornou-se menor e o ruído dos motores amorteceu. A fragrância que exalava do hálito do mar impregnava o navio.
A madrugada dealbara de uma pureza acrisolada e uma claridade de encantadora formosura alumiava o céu azul-ferrete, sem nuvens para embuçá-lo, dourando toda a paisagem da entrada da barra, dissipando as brumas matinais e desnudando as formas da elegante e mimosa cidade da Bahia.
O vapor-escape do paquete silvou longamente e, mais tarde, o bater da hélice cessou e um grosso calibre foi atado ao molhe. Uma aragem fria, da balsâmica viração da manhã, cortou e perpassou a face dos viajores, que anelavam pelo momento de saltar em terra, porquanto alguns, fracos e descorados, esverdinhados do rosto, padeciam de estuação pelo marulho.
Os viageiros, errando pela toda, de lês a lês,, num bulício de gente, abraçavam-se, apertavam-se as mãos e beijos chilreados de despedida eram trocados.
A seria de bordo berrou e, no portaló, foi arriada a ponte passadiça pelos mareantes.
A amaragem do paquete “Bahia” foi feita sem tardança, pois, naquela manhã gloriosa e consoladora, não havia outros navios vindos do
Sul e do Norte, atopetados de gente a ser posta em terra. Apenas algumas sumacas e alvarengas faziam companhia ao velho “Bahia”, que iria levantar ferro, depois da demora necessária, para Vitória e Rio de Janeiro, tão logo recebesse a carga e passageiros de primeira, segunda e terceira classes.
Sul e do Norte, atopetados de gente a ser posta em terra. Apenas algumas sumacas e alvarengas faziam companhia ao velho “Bahia”, que iria levantar ferro, depois da demora necessária, para Vitória e Rio de Janeiro, tão logo recebesse a carga e passageiros de primeira, segunda e terceira classes.
Os viajantes desceram a escada do portaló e formaram uma fila, algaraviada, de prendadas senhoras e senhorinhas, com caixas de chapéus e de homens e rapazitos, com malas nas mãos, notando-se alguns cavalheiros, elegantes no trajar, verdadeiros “dandies”, empunhando badines.
Saltaram em terra 63 passageiros, incluindo 20 militares de um contigente do exército, além de 4 infantes.
Do Pará, desembarcaram 31 viajantes; 14 do Maranhão; 6 de Pernambuco e 12 de Alagoas.
Em fila, os passageiros se encaminhavam em direção ao “Commissariado de Polícia do Porto”, e foram atendidos por pachorrento amanuense que, dispersivo, assuntava as passagens e mais papéis.
Chamado pelo amanuense, à sua frente, carregando as roupas emaladas, postava-se um pulcro e galhardo mancebo, de média estatura, airosamente aprumado, de enérgico ânimo juvenil, esbelto de corpo, vigoroso e dotado de maneiras resolutas e fidalgas, irradiando a graça de máscula juventude.
Sua harmoniosa cabeça apolínea era coifada por sedoso cabelame castanho claro. Fronte serena, olhos pardos e cismadores, animados por vivo olhar, penetrante e franco. Nariz plasticamente proporcionado e estético. Lábios finos e bem delineados, onde se debuxava a sombra de um buçozinho. Dos seus lábios, tinha-se a impressão de que nunca se apagaria o fulgor de tênue sorriso.
O amanuense molhou a pena e começou a escrevinhar na página 125-v: “ESTÁCIO VALENTE LIMA” e assinalou na coluna correspondente à nacionalidade: “brasileira” e marcou no espaço referente à procedência: “Maceió”. Ao depois, pousou um pedaço de papel mata-borrão sobre as anotações.
Omitiu o funcionário escrevente, como, de resto, o fizera com o assentamento dos demais passageiros, a averbação, nas colunas respectivas do grande e volumoso livro, dos dados referentes à idade, estado civil e profissão.
Findo o seu registro de entrada, o rapaz Estácio Luiz Valente de Lima, natural de Alagoas, nascido a 11 de junho de 1897, filho do desembargador Luiz Monteiro de Amorim Lima e da virtuosa senhora D. Maria de Jesus Valente de Lima, começou, na pujança dos seus 18 anos, a despedir-se dos companheiros de viagem, vindos de Maceió...”
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