248- LUIZ PINTO DE CARVALHO
TERREIRO DE JESUS, SALVADOR (BAHIA)
INÍCIO DO SÉCULO XIX
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Nasceu em Salvador, em 31 de março de 1877, sendo seu pai Luis da França Pinto de Carvalho, fundador do Colégio Sete de Setembro, conceituada instituição de ensino desta capital.
Realizados os estudos primários e secundários, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, pela qual recebeu o grau de doutor em Medicina, em 17 de dezembro de 1898.
Desde os bancos acadêmicos, demonstrou grande inclinação para a literatura e as artes.
Em 1900 submeteu-se ao concurso para professor assistente de Clínica Pediátrica, da qual foi professor efetivo. Aposentou-se em 1945, quando recebeu o título de Professor Emérito.
Autor de números trabalhos científicos e literários, exerceu, com brilhantismo, as atividades de médico, professor, jornalista, grande orador, notável polemista e crítico de arte.
Foi exímio pianista e possuia grande cultura humanística.
Redator Chefe do “Correio do Brasil” e da “Gazeta do Povo”, redator-secretário de “O Norte”, colaborador assíduo do “O Imparcial”, “Jornal de Notícias” , “Diário de Notícias”, “Diário da Bahia”, “A Tarde’ e outros periódicos baianos.
Escreveu sobre cólera-morbo, neurites, educação sexual e outros assuntos, na “Gazeta Médica da Bahia”( da qual também foi redator).
Foi presidente do Conselho Nacional de Educação, membro da Academia de Letras da Bahia, da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris, da Academia de Medicina da Bahia, da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, da Academia Nacional de Medicina, do Instituto Brasileiro de História da Medicina, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e de diversas outras instituições.
Faleceu em Salvador, em fins de 1965, com 88 anos de idade.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
1. Loureiro de Souza, Antônio – Baianos Ilustres. Salvador, 1973.
2. Machado da Silva, Ruy – Discurso de Posse. Anais da Academia de Medicina da Bahia. Volume 8. Setembro. Salvador, 1992.
APÊNDICE I
DEPOIMENTO DE ESTÁCIO DE LIMA (I)
(Extraído de Lima, Estácio de – Luiz Pinto de Carvalho. Sinopse Informativa. Universidade Federal da Bahia. Vol. II, No II. Outubro.
Salvador, 1978
ESTÁCIO DE LIMA
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“Se as leis da Genética admitissem, ou explicassem, a transmissão de uns tantos caracteres adquiridos, e, sobretudo, a passagem, de ascendentes a descendentes, do saber que, na vida, colhemos e resguardamos, o mundo teria outras manifestações, ou expressões de ascensão e de grandeza.
Às vezes, no entanto, os gênios se reproduzem, sob a forma de tristes mediocridades, com o perigo de as mediocridades, repetidamente, gerarem pobres incapazes...
LUIZ PINTO DE CARVALHO, todavia, desde o seu primeiro ano médico, em 1893, ainda e sempre no Terreiro de Jesus, era havido, por colegas, amigos e mestres, como um descendente iniludível do insigne professor LUIZ DA FRANÇA PINTO DE CARVALHO, notável educador da época, orador famoso e um apaixonado dos livros.
Não recolhi, entretanto, seguros informes quanto ao biótipo dos dois: pai e filho, ou mais precisamente ainda – pais e filho. A estrutura corpórea definiria, em parte, pelo menos a personalidade...
Luiz que nascera a 31 de março de 1877, era, claramente, de estatura média, ajustando-se às linhas que o Mestre KRETSCHMER batizara de pícnico.
Alegre, extrovertido, não lhe aprazia o viver solidário. Nas rodas estudantis, professorais, ou, apenas, de amigos, mantinha e orientava as conversações, com segurança e clareza. Além de um homem de ciência, possuía apreciável formação literária e artística. Prendia, assim, o auditório que estimava escutá-lo, não apenas quanto aos problemas da medicina, porém, ainda, sobre assunto, por exemplo, musicais, pianista sensível que ele fora. No teatro, manifestava-se crítico seguro.
Fora um polemista ríspido, porém leal, na imprensa ou na tribuna, e um argüidor vigoroso de Teses, quer para o doutorado, quer no concernente ao magistério superior. Era, porém, de um correção excepcional nas controvérsias. Escutei-o, certa vez, pedir perdão ao candidato, convencido, afinal, que a razão pertencia ao antagonista.
ALFREDO BRITTO, o grande diretor que reconstruíra, de brutal incêndio, a nossa Faculdade de Medicina, conheceu, de perto, o estudante PINTO DE CARVALHO, precisamente numa oportunidade de angústias. A guerra de Canudos no auge, e os nossos compatrícios, autênticos brasileiros de ambos os lados, eram transportados para os às enfermaria do Santa Izabel, tratamentos difíceis, lesões cavitárias contaminadas, fraturas graves e morte de vem em vez.
A Clínica Propedêutica possuía o único aparelho de Raios X, na Bahia, e, talvez, o único, também, no Brasil. PINTO e os colegas exercitaram, então, uma condigna medicina de guerra, afetuosa e técnica.
Enquanto o jovem estudante batalhava em defesa das vidas periclitantes dos combatentes, brasileiros, como todos nós, pró e contra o “santo” malsinado, ANTÔNIO CONSELHEIRO, cuja cabeça, alguns meses depois, chegaria, sem o corpo, à nossa amargurada Cidade do Salvador, PINTO DE CARVALHO, em meio a todo esse tumulto de agonias, escolhera a especialidade na qual tanto se aprofundaria a seguir...
O magistério convocava o estudante raro, e o estudante buscava a neuropsiquiatria que se constituiu no seu mundo cultural...
Formou-se PINTO DE CARVALHO, em Medicina, a 17 de dezembro de 1898, e o alvoroço de sua defesa de Tese ainda o mais o projetou...
A especialidade que abraçaria, com verdadeiro entusiasmo, estava definida, Clínica Neurológica ou Neurologia, com quanto a designação da Cadeira se constituísse em duas diferentes matérias que se reuniram, afinal, conforme as exigências do ensino da época: Clínica Psiquiátrica e Clínica de Moléstias Nervosas. Melhor conhece a História de ambas as disciplinas o PLÍNIO GARCEZ DE SENA, hoje Catedrático ilustre de Clínica Neurológica.
O poliformismo cultural de PINTO o levou à direção da Saúde Pública do Estado, sempre comportando-se com inteligência e o rigor técnico imprescindível. Defendeu a Bahia de exóticas epidemias estrangeiras, criando, em Monte Serrate um posto de quarentena... Não foi, entretanto, sem concurso, apesar do renome alcançado, que PINTO DE CARVALHO se fez Assistente de Clínica Psiquiátrica e de Moléstias Nervosas, constituídas numa disciplina única. Teve competidor: PARMÊNIO RAMOS. As provas do jovem PINTO, entretanto, superaram, claramente, as do ilustre candidato. Conta-se que, ao término do certame, o DR. PARMÊNIO, confessando-se vencido, exclamara: “onde foi esse camarada aprender tanta coisa ? !” Responderia o próprio PINTO: “Estudando, sob a orientação de ALFREDO BRITTO, e clinicando em Muritiba, pertinho de São Felix ...” Findou o concurso para Assistente, a 31de março de 1900, sendo PINTO nomeado, por Decreto presidencial, a 12 de maio do mesmo ano, tomando posse, em seguida, do cargo.
Mas, em 1903, a Bahia assistiu, com emoção, a partida de uma grande figura do seu magistério médico, JULIANO MOREIRA, destino ao Rio de Janeiro, convidado para dirigir, ali, o Hospital Nacional dos doentes mentais, o que fez com alto saber e por largo tempo.
O concurso, porém, decorrente da transferência de JULIANO MOREIRA, para o Rio, realizou-se somente, em 1906, com a vitória, ainda de PINTO DE CARVALHO, agora sobre MÁRIO LEAL.
Os estudantes apoiaram mestre PINTO, promovendo ruidosa homenagem, da qual foi orador o inesquecido DIOÓGENES SAMPAIO.
MÁRIO LEAL, porém, fez muito boas provas, brilhantes até, sem atingir, entretanto, o nível do competidor, conforme notícias da imprensa baiana, através do “Imparcial”, que procurou difundir a publicação, repetindo-a na edição de 21 de julho de 1925... Os motivos da republicação tardia, ignoro inteiramente. Devem ter sido razões íntimas, desconhecidas da maioria.
Em 1914, adveio a bipartição da Cátedra, em duas disciplinas, o que, evidentemente, se fazia mister: Clínica Neurológica e Clínica Psiquiátrica. O acontecimento ocorreu logo após a morte do Prof. TILLEMONT FONTES. As duas disciplinas separadas em 1914,PINTO DE CARVALHO permaneceu na Clínica Neurológica , de seus maiores cuidados e MÁRIO LEAL foi nomeado, em decorrência de seu concurso anterior para a Clínica Psiquiátrica, segundo os seus desejos, ficando cada um dos eminentes mestres, no campo de suas preferências. A Faculdade de Medicina ganhou, ao mesmo tempo, dois professores eminentes. Mas os ressaibos antigos nunca se apagaram... É um fenômeno que tem encontrado mundo em fora: rivalidades no universo cultural !
PINTO DE CARVALHO se notabilizou, ainda, pelas polêmicas religiosas, sendo um dos seus maiores adversários o Padre BAZILIO PEREIRA, membro de uma família de notáveis intelectuais, inclusive mestres de medicina. Não consta a reconciliação de PINTO com a Igreja Católica, embora, a certa altura, acabassem, de vez, as discussões, em torno das crenças no outro mundo...
O Mestre de tantas excelcitudes, um dia, inesperadamente, requer disponibilidade que uma Lei nova facultava... As leis novas não raro, chega, já, decadentes...
Passou a reger a Cátedra o jovem substituto efetivo da disciplina, o Prof. ALFREDO COUTO BRITO, que não levou muito tempo, aliás, na direção exclusiva da Clínica Neurológica. Fez-se ainda, Sanitarista e também Médico Legista, do Instituto Nina Rodrigues.
Mas o Prof. PINTO DE CARVALHO passou a sentir nostalgias maiores e profundas saudades, decorrentes das aulas efetivas que deixara; do Conselho Superior de Ensino, sediado, no Rio, e que também perdera; do convívio estudantil que lhe fugiu igualmente. Homem de grandes conhecimentos literários, pertencia à Academia de Letras da Bahia, sendo um dos seus digníssimos fundadores".
APÊNDICE II
DEPOIMENTO DE ESTÁCIO DE LIMA (II)
(Extraído de Lima, Estácio de – Luiz Pinto de Carvalho. Sinopse Informativa. Universidade Federal da Bahia. Vol. II, No II. Outubro.
Salvador, 1978)
INSTITUTO MÉDICO LEGAL ESTÁCIO DE LIMA
MACEIÓ, ALAGOAS
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“Apegou-se PINTO, com a maior veemência, uma vez em disponibilidade, aos temas literários. Somente versos não fazia. Mas o prosador era vigoroso e o conferencista continuava... Isso, porém, não era bastante. Nós o elegemos Presidente da Academia de Letras da Bahia, dedicando-se ele, até, às próprias questões burocráticas da Instituição, que, sem dúvida, ganhou novos entusiasmos, porém o continuava em nostalgia, com quanto discreta, permanecendo nas evocações da Cátedra que regera, verdadeiramente, desde os primórdios do século.
Inesperadamente, outro egrégio mestre da Medicina Baiana, o digníssimo Professor MARTAGÃO GESTEIRA, sentiu-se atraído em relação a Puericultura, uma Cátedra surgente na Faculdade do Rio de Janeiro.
HOSANNAH DE OLIVEIRA, por seus altos méritos, substituiria, sem dúvida, MARTAGÃO GESTEIRA, brilhantes Pediatras os dois. Nessa oportunidade andava o Brasil num vai-e-vem reformista. Abriram –se ensejos para os antigos Professores em disponibilidade, salários menores e perspectivas mínimas, nos domínios das substituições ou retornos. A Clínica Pediátrica teve candidatos outros de menos talento e cultura do que HOSSANAH e PINTO. Este último, ademais, não fecharia a porta por muito tempo, e possuía notáveis recursos de oratória, inteligência e saber. Frente a frente, PINTO e HOSSANAH discutiram, com inteligência e dignidade o problema. Este último professor, se tivesse de votar na Congregação, declarou votaria em PINTO, na certeza de que ele não comprometeria o ensino, e nem deslustraria a Cátedra. Mestres e alunos conheciam, perfeitamente os dois vultos insignes. Desse encontro saiu PINTO DE CARVALHO Catedrático de Pediatria, e HOSSANAH DE OLIVEIRA, sem vaidade, Chefe de Clínica Pediátrica. Afinal, os tempos passaram, o “novo pediatra de cabelos brancos”, tornara ao ensino. GESTEIRA, de longe, acompanhava o neo-Catedrático; e HOSSANAH, de perto, com a serenidade de seu temperamento e segurança cultural, olhava, alegremente seu antigo mestre de Clínica Neurológica, fazendo Pediatria, sem desdoiro.
Até que os anos, poucos aliás, transcorreram. PINTO DE CARVALHO conheceria, por fim, a aposentadoria sem angústias. HOSSANAH assumira o posto de Chefe de Clínica, por poucos tempos mais, e com toda satisfação para ele próprio, para os discípulos, companheiros e para aq nossa nobilíssima Instituição. Fazer o bem, sem prejuízo de terceiros, é dignificante.
A mocidade acadêmica não vestira, diante dos acontecimentos as camisas sem mangas, nem colarinho e, menos ainda entrou em greve...
É que a vida universitária continuara correta. A Pediatria não padecera. O Hospital das Clínicas não se desorganizara. PINTO, realmente, deu excelentes aulas. HOSSANAH ao lado, sempre, do Catedrático novo, mas encanecido. Não ocorreu um só erro de diagnóstico. O talento, o amor ao trabalho e a verdadeira vocação, conduzidos com dignidade, elevam o espírito, e enlevam os sentimentos.
Dizer a verdade é, realmente, uma obrigação PINTO DE CARVALHO cumpriu, efetivamente, seu dever, perante a velha Escola do Terreiro de Jesus.
Nenhum de nós se desdourou. Não ocorreram arranjos que nos maculassem as mãos e a consciência.
Os moços têm, assim, belos exemplos diante dos olhos”
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