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304- SÉRGIO CARDOZO AFONÇO DE CARVALHO
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Não foi médico, mas freqüentou o curso de medicina, até o quinto ano, na tradicional Faculdade do Terreiro de Jesus.
Nasceu em Santo Amaro da Purificação, em 7 de outubro de 1858, sendo seus pais José Joaquim Cardoso e Alexandrina Francisca de Morais Cardozo.
Concluídos os estudos iniciais, mudou-se para Salvador, onde freqüentou os colégios São João, Pedro II e São Francisco.
Interrompeu os estudos acadêmicos devido a um fato inusitado, descrito por Loureiro de Souza: “De uma feita, pretendendo o Barão de Cotegipe levar, para a Corte, um moleque escravo, de nome Lino Caboto, a bordo do navio inglês “Trent”, na hora do embarque conseguiu Sérgio Cardozo arrebatar o negrinho, mandando-o de volta para a sua família em Santo Amaro. Foi um acontecimento que agitou a opinião pública, influindo, decisivamente, na vida de Sérgio, pois foi devido ao caso que ocorreu a discussão com um seu mestre na Faculdade de Medicina, de tal sorte que deixou os estudos” (1).
Após esse fato, embarcou para o Rio de Janeiro, onde se tornou jornalista. Militou em vários jornais da capital do Império: “Jornal do Brasil”, “Diário de Notícias”, “A Democracia” e, principalmente, na “Cidade do Rio”, fundado e dirigido por José do Patrocínio.
Desenvolveu notória atividade abolicionista, publicando artigos, romances e novelas em folhetins. Dentre suas obras, destacamos: “O Pacto Infernal” (1879), “A Escrava Branca” (1882), “Pacto de Sangue” (1891), “Lélia” (1891), “Um Crime” (1899), “Contos Indígenas” (1891 e muitos outros.
Deixou inéditos vários trabalhos, inclusive dois volumes sobre memórias históricas do município de Santo Amaro.
Morto José do Patrocínio, seu grande amigo e protetor, regressou para Santo Amaro, estabelecendo-se na vila de Berimbau.
Graças aos conhecimentos adquiridos na Faculdade de Medicina, atendeu gratuitamente as pessoas mais pobres e desprotegidas, pelo que recolheu, ainda em vida, a gratidão do povo.
Em Berimbau, Sérgio Cardozo foi protagonista de outro fato curioso, relatado por Andréia Santana: “O delegado de São Bento de Inhatá, distrito de Amélia Rodrigues, nunca imaginou que aquele senhor de modo refinados, homem de letras, dono de uma farmácia e que clinicava de graça para a população pobre do interior baiano, escondesse tanto atrevimento. Pois foi de rifle em punho, montado em um burro, tal qual um dom Quixote fora de sua época, desafiar o subdelegado que, num ato de puro abuso de poder, havia prendido um lavrador. A cena típica de um romance de cavalaria, pode ser considerada um dos últimos atos de bravura de um homem que dedicou toda a vida a combater injustiças e militou ao lado de José do Patrocínio contra a escravidão, usando a pena de jornalista” (2).
Faleceu em 4 de julho de 1933.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
1. Loureiro de Souza, Antônio –Baianos Ilustres. Salvador, 1973.
2. Santana, Andréia – Dom Quixote do Recôncavo – Correio da Bahia, edição de 1 de novembro. Salvador, 2002.
APÊNDICE I
SUPLÍCIO DE UMA RAÇA (I)
ESPÍRITO APAIXONADO
(Extraído de ttp://coreiodabahia.com.br/2002/11/01/noticia.asp?link=not000064022.xml.Acesso em 10/03/2010)
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“Bisneta de Sérgio Cardozo, a enfermeira Eliza Brandão, 63 anos, conta que durante muitos anos, sua mãe, dona Iara, guardou recordações do personagem. No acervo de d. Iara, havia, além das cartas, as coleções de selos e botões do bisavô, os livros escritos por ele e as poucas fotografias que revelam para as gerações atuais os traços de Sérgio Cardozo. Todo esse material encontra-se com o marido de outra bisneta dele, dona Gerusa Ferreira, falecida há dois anos. O sonho de dona Elisa Brandão é recuperar o acervo para doá-lo ao NICSA.
“Quando meu bisavô morreu, em 1922, minha mãe estava com 18 anos. Ela foi criada por ele depois que a mãe dela ficou viúva aos 26 anos. A paixão de minha mãe pelo avô era tanta que quando ela se casou, retirou o sobrenome do pai dela e conservou o do avô junto com o do marido”, conta emocionada dona Elisa, que, aliás, herdou o nome da bisavó. Ele conheceu a moça Elisa, uma pobre costureirinha do interior, durante um dos comícios que fez em prol da abolição. Minha bisavó, que eu ainda não alcancei, contava que ficou loucamente apaixonada quando viu aquele rapaz alto e distinto montado a cavalo”, continua a orgulhosa bisneta.
A paixão entre Elisa e Sérgio Cardozo era famosa na redação do “Cidade do Rio”. Quando ele começou a trabalhar no jornal, era recém-casado e a esposa mandava a marmita com o almoço para ele. “Ela sempre colocava um pouco a mais para os outros colegas”, acrescenta Elisa Brandão. Um dia, quando abriu a cesta com a comida que a esposa havia mandado, Sérgio encontrou centenas de pétalas de rosas brancas, vermelhas e amarelas que ela havia colocado como um mimo para o marido.
Com Elisa ele teve dois filhos, mas antes de se casar com ela, havia tido outros quatro filhos com uma mulher que foi a paixão de sua juventude. Elisa Brandão lembra que sua bisavó incentivou o marido a dar assistência aos filhos que ele havia tido antes do casamento. “Quando eu era criança, lembro de todos os meus tios-avós unidos, como se todos tivessem sido criados juntos”, recorda.
APÊNDICE II
SUPLÍCIO DE UMA RAÇA (II)
O “FIM” DO TRÁFICO AFRICANO
(Extraído de (http://coreiodabahia.com.br/2002/11/01/noticia.asp?link=not000064022.xml.Acesso em 10/03/2010)
NAVIO NEGREIRO
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“Em Salvador, como explica o historiador João Reis, até 1831 os escravos eram desembarcados no próprio porto da cidade. Em seguida, “os escravos eram vendidos de diversas formas, inclusive de porta em porta, ou seja, havia comércio ambulante de escravos. Havia ainda comerciantes que vendiam escravos, entre outras mercadorias que comercializavam, sendo poucos os que se especializavam na mercadoria humana. Esses tinham armazéns em diversos trapiches da cidade baixa, na Conceição da Praia, na Ladeira do Taboão em outros lugares. Os jornais também anunciavam a venda direta e leilões de escravos”, conta Reis.
Já na fase ilegal, quando o tráfico não deixou de ocorrer, “os desembarques tornaram-se clandestino e aconteciam nos mais diversos locais, como a foz do Joanes, Itapoã, Armação, Itaparica, Funil,, etc., e a venda também era camuflada. Poe exemplo, vendia-se escravo novo como se fosse ladino”, diz o historiador Reis. Para lidar com a proibição, o traficante José de Cerqueira Lima, por exemplo, construiu um túnel que ia do mar até sua mansão na Vitória, por onde passavam comboios de escravos, conta Verger. A casa foi demolida e em seu lugar, construído o prédio da Saúde Pública. Já Joaquim Pereira Marinho e outros desenvolveram técnicas para tornar o embarque na África e desembarque aqui mais ágil, usando barcos velozes. Mas o mundo de fato estava mudando e a opinião pública era cada vez mais contrária à escravidão. Por isso o tráfico de africanos foi cessando. Na Bahia, o último desembarque foi feito em 1851, e em 1888, veio a abolição, encerrando a etapa exclusivamente africana do tráfico humano”
Para atrair as crianças a locais ermos e distantes, dava-se a elas frutas, pipocas, acarajés e acaçás. Com dança, cantigas e brincadeiras distraia-se a atenção dos pequenos até que, ao anoitecer, apareciam os mercadores de escravos e as levavam. Para capturar os adultos usam-se técnicas como essa: “Improvisavam-se mercados e, quando havia muita gente reunida, davam o cerco e bem poucos eram os que escapavam”, conta Manoel Querino em seu livro “Costumes Africanos no Brasil”.Essas e ouras histórias sobre a captura de homens e mulheres nos sertões africanos para alimentar o tráfico, ele ouviu na Bahia, em fins do século XIX, de velhos africanos. A captura à força ficou para trás, mas a escravidão ainda continua sendo atual. Para aquém não sabe, apesar da montanha de tratados internacionais proibindo o tráfico humano e a escravidão do século XIX para cá, o comércio baseado na exploração do trabalho alheio e cerceamento da liberdade nunca deixou de existir”
APÊNDICE III
SUPLÍCIO DE UMA RAÇA (III)
TRABALHO ESCRAVO
(Extraído de ttp://coreiodabahia.com.br/2002/11/01/noticia.asp?link=not000064022.xml.Acesso em 10/03/2010)
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“Mesmo com a abolição da escravidão em todo o mundo, o tráfico nunca acabou por um simples motivo: continuaram existindo as condições favoráveis à exploração do trabalho alheio e cerceamento da liberdade.
Fome, pobreza, desemprego, guerras e migrações fragilizam homens e mulheres, tornando-os presas fáceis dos traficantes. Nessa nova fase, o tráfico se torna mais complexo, pois passa a ser necessário acobertar a prática. Os futuros escravos precisavam ser convencidos de que estão se deslocando para trabalhar, indo em direção a uma vida melhor e, apenas quando chegam chegam ao local de destino, descobrem que já não dispõem mais da própria liberdade ou que a exploração a que devem se submeter em nada se assemelha às promessas feitas. Como explica o historiador Zamparoni, nessa nova época não se fala mais de escravos , mas em trabalhadores que vivem em condições de escravos, isto é, trabalham para comer e têm sua liberdade cerceada por diversas formas de coerção. No Brasil, os locais mais distantes, como plantações, minas e florestas são os palcos principais dessa forma de escravidão, onde trabalhadores, sempre vigiados homens armados, trabalham de sol a sol, recebendo apenas a ração diária. A desculpa é que estão em dívida com o patrão, pela despesa com alimentação, vestuário ou deslocamento. A dívida, entretanto, nunca termina. Para quem tenta fugir, castigos e mortes. Muitos caíram nessa cilada: imigrantes europeus pobres, nordestinos, nortistas. Na Bahia, a prática era comum nas fazendas de cacau do sul do Estado, no começo do século XX.
Mas nem é preciso voltar tanto tempo. Na ilha de Itaparica mora Crispim Joselito da Silva, 60 anos, que em 1961, aceitou o convite de um desconhecido que lhe prometeu “mundos e fundos” para ir trabalhar em Goiás. Após a longa viagem de caminhão, ele e 24 homens foram vendidos ao fazendeiro Sebastião de Melo por 3.700 réis, cada um. Recebiam apenas café e arroz para se alimentar, viviam em barracos cobertos de capim e dormiam sobre sacos. Lá, Crispim colheu algodão, foi carroceiro, fez tijolo e trabalhou com pó de mico sem receber pagamento. Vigiados permanentemente, quem tentava fugir era capturado ou morto, conta ele, que viu pessoas serem enterradas vivas. Com muita habilidade, após quatro anos, ele conseguiu escapar, voltar à Bahia e recomeçar a vida. Dos 25 homens, apenas ele teve essa sorte.
Apesar de terrível a história de Crispim continua assombrosamente atual. Segundo dados da Organização Internacional da Migração (OIM), cerca de quatro milhões de pessoas são traficadas anualmente em todo o mundo, para serem submetidas a algum tipo de trabalho contra a sua vontade em regime de servidão. No Brasil, essas histórias são especialmente freqüentes
Na região Norte. “Na atualidade são 25 mil trabalhadores(as) em situação de escravidão, sobretudo no sul do Pará. Em 2001, vinte e dois casos foram registrados, dos quais sete fazendas eram reincidentes pela terceira, quarta e nona vez consecutivas. A cumplicidade da polícia e das oligarquias locais dá sustentação à situação”, informa o Relatório Nacional de Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial, divulgado em junho de 2002. Na Bahia, os sertanejos são os mais explorados”.
APÊNDICE IV
A JUVENTUDE
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“Antes de chegar à capital do Império, onde trabalhou como repórter no jornal “Cidade do Rio”, fundado por Patrocínio para divulgar a causa da abolição, Sérgio Cardozo viveu na Bahia momentos dignos de uma epopéia. Alto,magro e com um olho de vidro – ele ficou cego de um olho ao nascer – o jovem estudante costumava percorrer o interior baiano fazendo inflamados discursos contra a escravidão. Nas madrugadas mornas do interior, ele invadia as senzalas dos engenhos do recôncavo e dava fuga aos escravos, levando-os para a fazenda da família, onde sua mãe os alfabetizava e o pai pagava as cartas de alforria. Em Salvador, ainda na época em que era acadêmico de medicina, ele escrevia contra a escravidão em diversos jornais.
Ao longo da vida, ele escreveu contos e romances como “A escrava Branca”Sobre Santo Amaro, o jornalista, escritor e quase médico deixou dois volumes da memória histórica Don município, um deles inédito. Por causa disso, outro filho da terra, o médico José Silveira, antes de morrer criou o Prêmio de Jornalismo Sérgio Cardozo, entregue todo ano para os jornalistas e/ou veículos baianos que se destacaram na produção de reportagens sobre cultura. O prêmio é entregue pelo Núcleo de Incentivo à Cultura de Santo Amaro (NICSA), que funciona na Casa onde José Silveira
Nasceu”.
APÊNDICE IV
A VELHICE
A VELHICE (ALEGORIA)
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“Depois que a abolição foi declarada e o jornal “Cidade do Rio “ fechado, Sérgio voltou para Berimbau (hoje Conceição do Jacuípe) e abriu uma farmácia. Aproveitando os conhecimentos de cinco anos da Faculdade de Medicina, ele começou a clinicar na cidade, atendendo gratuitamente quem não podia pagar. Sempre montado no burro, ele percorria os distritos vizinhos atendendo os doentes e, durante uma epidemia de cólera morbus, trabalhou incansavelmente para salvar os pacientes.
Por indicação Barbosa, Sérgio Cardozo foi nomeado o primeiro juiz federal de Berimbau e, apesar de não ter estudado direito, se debruçou sobre os códigos e leis e aceitou mais esse desafio que chegava para ele junto com a meia-idade. A partir da nomeação, ele passou a se dividir entre o fórum, onde trabalhava pela manhã, e a farmácia, onde clinicava de tarde. Cidadão respeitado em Berimbau, Sérgio Cardozo foi responsável pela construção da capela do distrito, hoje matriz de Conceição do Jacuípe, onde seus ossos estão enterrados. Apesar de ser desconhecido das novas gerações, como boa parte dos personagens quase anônimos que escreveram a história extra-oficial da Bahia, Sérgio Cardozo também batiza uma das ruas da Liberdade, bairro onde vive a maioria da população negra de Salvador”.
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ResponderExcluirÉ ótimo ler sobre meu tataravô! A preservação da sua memória se confunde com a preservação da memória da Bahia e do Brasil. Parabéns. Abraços,
ResponderExcluirDanilo Brandão
danilobrandao82@uol.com.br