CEZAR AUGUSTO DE ARAUJO
(CEZAR ARAÚJO)
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Cezar Augusto de Araújo nasceu em Salvador, em 17 de maio de 1898.
Em 1915, com apenas quinze anos, matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, pela qual foi diplomado, em 1920.
No ano imediato, seria Assistente da 1ª Cadeira de Clínica Médica; em 1927, livre-docente; em 1930, regente da 1ª cadeira de Clínica Médica; em 1946, regente da 3ª Cadeira de Clínica Médica; em 1949, catedrático.
“Apesar de ter sua formação profissional essencialmente clínica, não se desviou da Tisiologia, onde se destacou brilhantemente ” (1).
Quando a Tisiologia passou a ser disciplina obrigatória do currículo médico, Cezar Araújo dedicou-se à Pneumologia, da qual seria o pioneiro na Bahia.
Reuniu seus discípulos e com eles passou a estudar as pneumopatias não tuberculosas.
Tornou-se um mestre consagrado. Sua competência foi reconhecida na Bahia, no Brasil e no exterior.
Proferiu aulas e fez conferências na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, na Faculdade de Ciências Médicas de Buenos Aires e em várias outras instituições de ensino médico.
Na Universidade Federal da Bahia ensinou, além da Faculdade de Medicina, na Faculdade de Odontologia (Terapêutica Dentária), na Escola de Enfermagem (Fisiologia Geral) e na Faculdade de Filosofia (Biologia Geral).
Integrou numerosas bancas examinadoras de concursos. Participou de dezenas de congressos de Clínica Médica, Tisiologia e Pneumologia. Publicou extensa bibliografia, em revistas médicas do Brasil e de outros países.
No campo da Saúde Pública, exerceu funções da mais alta importância.
Ao chegar ao ápice de sua carreira, disse Macedo Costa: “Chegastes na ante velhice com o ardor da mocidade e o ideal da juventude”(Ibidem).
Foi Cezar Araújo um intelectual invejável. De sua lavra surgiram trabalhos primorosos, em forma de discursos, artigos e palestras. Da música erudita, foi um cultor ardoroso.
Em 11 de outubro de 1956, a Academia de Letras da Bahia o acolheu como um de seus membros.
Em 1967, aposentou-se da Universidade Federal da Bahia e a universidade conferiu, ao grande mestre, o título de Professor Emérito.
Faleceu em 4 de dezembro de 1969.
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Jorge Novis, emocionado, escreveu: “...levou ao doente, a cura e a esperança; iluminou os discípulos para a opção individual de seus destinos; espargiu nas academias o abençoado patrimônio de sua sabedoria; converteu suas energias na bandeira de uma luta, criando dispensários, construindo hospitais, erigindo fundações, dirigindo a Saúde Pública, no sonhado e obsessivo rumo da extinção da tuberculose. Esculpiu, pois, sua própria vida, no padrão superior da espiritualidade que dignifica uma raça” .
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
1. Peçanha Martins, Antônio Carlos – César de Araújo. Um exemplo de mestre. Anais da Academia de Medicina da Bahia. Volume X, dezembro de 1994.
2. Peçanha Martins, Antônio Carlos – Memórias e artigos. Editora da Academia de Cultura da Bahia. Salvador, 2007.
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APÊNDICE I
‘O PROFESSOR’
(Extraído de Peçanha Martins, obra citada)
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“Cezar de Araújo iniciou muito cedo sua carreira universitária, como assistente da 1ª.cadeira de Clínica Médica, em 1921, aos 23 anos de idade, no serviço do Prof. Clementino Fraga. Em 1927, já era docente livre de Clínica Médica, sendo que, em 1930, passou a ser o regente interino da 1ª. Cadeira de Clínica Médica, em substituição ao Prof. Armando Sampaio Tavares. A partir daí e sem jamais deixar o vínculo com a Faculdade, continuou ministrando suas aulas, tanto nos cursos de graduação como nos de especialização em tisiologia, a exemplo do que ocorreu em 1937. De 1937 a 1939, proferiu aulas no curso de aperfeiçoamento de Tuberculose, sob a direção do Prof. Clementino Fraga, na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Ainda em 1937, foi convidado pelo Prof. Fanso Gandolfo para ministrar aulas na cadeira de Patologia e Clínica de Enfermidades Respiratórias, como também na cátedra de Clínica Médica, a convite do Prof. Nicolas Romano, ambos da Faculdade de Ciências Médicas de Buenos Aires, na Argentina. Atuou, ainda como professor contratado de Terapêutica Dentária, em 1923-1925, na então Escola Anexa de Odontologia da Faculdade de Medicina da Bahia, no período de 1938-1942. Professor de Higiene geral da Escola de Enfermagem da Bahia (1938-1942) e também de Fisiologia Geral da mesma Escola (1942-1947).
Pelo seu destaque na luta contra a tuberculose e sua reconhecida competência, Cezar de Araújo teve de se afastar da Faculdade para exercer cargos de confiança no governo do Estado, como o de Diretor Geral do Departamento de Saúde (1938-1942), Diretor do Sanatório Santa Terezinha (1942-1946), e Diretor da Divisão de Tuberculose (1946-19470, criando, assim, um hiato em sua carreira no magistério. Voltou, com toda a força e luminosidade, em 1949, após brilhante concurso para a cátedra da 3ª cadeira de Clínica Médica, quando assim se referiu em tom emocional, no seu memorável discurso de posse:
“Enfim... aqui, como o prêmio maior e melhor de minha vida profissional, confessando estar com a alma nova e o sol no coração”.
Macedo Costa expressou, de forma primorosa, a sua entrada na cátedra quando disse:
“E afinal chegaste tardiamente talvez, mas como queríeis e como sonhastes, pois de cabeça erguida sem falsas asas e pelos próprios pés” e concluiu: “chegastes na antivelhice com o ardor da mocidade e o ideal da juventude”.
Na cátedra, Cezar de Araújo se caracterizou pela liderança como um verdadeiro mestre, tanto na área do ensino médico como na sua postura íntegra, correta e superior, em todos os sentidos do conhecimento humanístico e cultural. Deixou para todos nós, seus assistentes, um exemplo de bondade e generosidade para com o próximo.
Passaram pela 3ª. Cadeira de Clínica Médica várias gerações e lá se fizdram ilustres professores de outras disciplinas, sempre recebidos de braços abertos e sem restrições.
Deu oportunidade a todos, fez escola e jamais impediu o progresso na carreira universitária de quem quer que fosse.
Liberal e austero, quando necessário, intransigente na conduta ética e nos deveres para com os pacientes, amigo e prestativo.
Por isso mesmo, querido e respeitado por todos que com ele trabalhavam, do funcionário mais humilde aos alunos e assistentes. A 3ª. Cadeira de Clínica Médica era um abrigo a todos que procuravam o estudo e a boa convivência. Preocupado com as aulas que dava, tínhamos que separar as radiografias com uma semana de antecedência. Participava das visitas às enfermarias e das discussões de casos, quando ouvia atentamente e acatava as sugestões apresentadas, orientando-nos de maneira simples e generosa, sem prepotência nem alegando sua condiução de catedrático.”
APÊNDICE II
“O SANITARISTA”
(Extraído de Peçanha Martins, obra citada)
OSWALDO CRUZ, EXEMPLO DO SANITARISTA BRASILEIRO
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“Cezar de Araújo, em 1911, iniciou sua vida na saúde pública como médico auxiliar da Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose e também como médico auxiliar do Serviço de Higiene Industrial (1925-1936), Inspetor Técnico de Profilaxia da Tuberculose (1936-1938), Diretor Geral do Departamento de Saúde do Estado da Bahia (1938-1942), Diretor do Hospital Sanatório Santa Terezinha (1942-1946) e Diretor da Divisão de Tuberculose do Estado da Bahia (1946-1947). Durante esse período, participou como membro de bancas examinadoras de concursos para médicos (tisiologistas, radiologistas, microbiologistas e anatomo-patologistas) do Hospital Santa Terezinha, em 1941, e para cirurgiões e otorrinolaringologistas, no mesmo hospital, em 1942.
Concursos para médicos sanitaristas do Estado da Bahia, em 1945, e para médicos da Secretaria de Educação e Saúde, em 1946. Em 1947, foi designado para representar a Bahia na reunião em que seria exposto o Plano Nacional contra a Tuberculose, no Rio de Janeiro. durante o período em que se dedicou à saúde pública, propiciou as seguintes realizações na área da tuberculose:
· Foi o introdutor da prática do penumotórax artificial na Bahia, no tratamento da tuberculose pulmonar, em 1924, pelo método de Forlanini;
· Foi o criador do primeiro serviço de roetgenfotografia na Bahia;
· Foi o idealizador e fundador do Hospital Sanatório Santa Terezinha, o primeiro estabelecimento do gênero do estado;
· Foi um dos que mais contribuíram para a reconstrução do Dispensário Ramiro de Azevedo e para a melhoria da vacinação BCG na Bahia;
· Foi um dos que contribuíram para a construção do Preventório Santa Terezinha;
· Foi o criador da Fundação Anti-Tuberculose Santa Terezinha, da qual se tornou Diretor Médico vitalício;
· Foi o iniciador dos cursos de tisiologia do Hospital Sanatório Santa Terezinha.
César de Araújo participou também de outras campanhas como a da lepra, quando a Dra. Eunice Weaver, então Presidente da Federação Brasileira das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a lepra, assim se expressou:
“O ilustrado e diligente Diretor de Saúde Pública, Dr. Cezar de Araújo, cuja serenidade de espírito, mesmo diante dos maiores obstáculos ou contratempos, nasceu do seu profundo conhecimento da dor alheia, é bem uma dessas almas que se preocupam com o mesmo carinho de duas famílias: a que o sangue lhe deu e a que a desgraça lhe pôs no caminho”.
Na campanha contra o tracoma, assim se referiu o Prof. Colombo Spínola:”É verdade que esse panorama tem se modificado com as últimas medidas do Departamento de Saúde Pública, sob a orientação segura de Cezar de Araújo.
Finalmente, na Campanha de Proteção à Maternidade e à Infância, o Prof. Álvaro Bahia assim se referiu: “cujo programa foi traçado magistralmente, pela palavra ungida de entusiasmo e de fé do companheiro César de Araújo, que, em primorosa palestra, desfraldou o lema “pelas mães do interior”.
Como testemunho do seu trabalho, o ex-Interventor da Bahia, Dr. Landulfo Alves, assim se expressou: “Convidado para dirigir a repartição sanitária do Estado, um dos mais brilhantes e eficientes facultativos da Bahia, iniciou-se desde logo, o trabalho pela maior disciplina e eficiência do que existia e a organização do plano já referido, de defesa e assistência à saúde do homem do interior”.
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APÊNDICE III
DEPOIMENTO DE LUIZ FERNANDO MACEDO COSTA
(Extraído de Sinopse Informativa. Universidade Federal da Bahia.Ano II, No II, Outubro. Salvador, 1978)
PELOURINHO, SALVADOR (BAHIA)
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“Cezar de Araújo foi o professor que influenciou, mais profundamente, o maior número de médicos da minha geração.
Direta ou indiretamente sua atenção se exerceu sobre a formação profissional, cultural e moral de quase todos os colegas que se diplomaram no exercício do seu magistério, prolongado por mais de 20 anos.
Curiosamente, porem, esta ascendência tão marcante não se exercia pela autoridade imposta ou o respeito reclamado. Pelo contrário, mestre Cezar
convencia pela persuasão, envolvia pela bondade, conquistava pela dialética e conduzia pelo exemplo. Exerceu, assim, uma liderança extensa e vigorosa, mas paradoxal, pois sempre alcançou a obediência sem dar ordens, teve seguidores aos quais não impunha seu comando e à sua roda viviam amigos quase fanáticos desse homem simples, despojado de vestes talares e coberto, apenas, com a sotaina da humildade.
Eu era aspirante da 3ª. Cadeira de Clínica Médica quando o Professor Cezar a assumiu, em caráter interino. Conheci-o assim. Delicado e afável no trato, despreocupado no traje, àquela altura toda a sua atenção estava voltada para o concurso, que se realizaria em breve. Estudava, então obsessivamente e justifica a compulsão, esclarecendo que “só aquilo que se faz obstinadamente, com verdadeira paixão, produz resultados bons e duradouros”.
O professor preparava as aulas com extremo cuidado, mas pronunciava-as sem pretensão. Enunciava conceitos sábios, com simplicidade que não os super-valorizava. Transmitia ensinamentos, colhidos de sua larga experiência, disfarçando-a, porém, com freqüentes citações, que distribuía ao longo da exposição.
Com tais características não foi, nem pretendeu ser, jamais, o catedrático das grandes dissertações magistrais, que empolgava pela eloqüência, nas aulas de anfiteatro.
Em vez disso, mestre Cezar foi o professor eficiente, cujos ensinamentos eram ministrados com senso prático, nas visitas às enfermarias, à beira do leito, nas discussões de casos, diante do negatoscópio, em lições simples de conversa, junto do estudante, lado a lado, o terra a terra, do dia a dia.
Aí, escutando com aparente displicência, ouvia estertores que nenhum tinha auscultado antes. Com a radiografia às vezes mal colocada (“chapa não tem frente nem costas”, dizia sorrindo), via imagens e explicava “caprichos de superposição”, que outros ainda não tinham visto, nem sabiam esclarecer.
Não obstante este tirocínio, a conclusão diagnóstica era exposta em pronunciamentos quase tímidos, e o professor aceitava, sempre com atenção e acatamento, o parecer discordante do interno ou mesmo do aspirante. Valia-se, não raro, do ensejo e convidava o estudante para sua casa.
Alí, no recesso do lar, em sua enorme biblioteca e em meio de uma assustadora “desarrumação ordenada” (cuja ordem só ele entendia), empilhados, a esmo, livros, escritos, radiografias e fichas, o mestre acolhia o aluno, com carinhos de amigo, zelos de sacerdote e transportes paternais.
Lá, no seio da família, que a sua bondade ampliou, incorporando os discípulos queridos, nós todos filhos adotivos por consangüinidade de ideais – escutávamos lições, ouvíamos conselhos, recolhíamos exemplos, conhecíamos, enfim,nas excelências de sua grandeza humana, o coração enorme daquele homem bom.
Trabalhando e estudando, muito e sempre, mestre Cezar adquiriu, na época, a fama de possuir a “maior cultura médica da Bahia”. O honroso título, contudo, injustamente sugeria que o seu conhecimento ficava limitado à área profissional ou científica. Em verdade, porem, naquele tempo de notáveis humanistas, Dr. Cezar distinguia-se também pela sua vasta cultura geral, reconhecida, aliás, e proclamada por todos.
Com tanto saber e serviços de uma inteligência lúcida, consagrou-se como um dos mais admirados tribunos de nossa terra. Escreveu orações antológicas, pela riqueza das concepções, aliada à pureza sonora e elegante da linguagem. Os discursos de posse, na Faculdade de Medicina e na Academia de Letras da Bahia, são duas autênticas obras-primas de oratória contemporânea, revestidas de harmonia e beleza literárias.
Assim, foi, em esboço, o Professor Cezar de Araújo. Assim eu o entrevejo, em rememorações saudosas – retalhos de memória cosidos com os fios de seda da maior ternura. No entanto, o mestre não pode ser revivido, com justiça, apenas pela evocação de episódios isolados ou pela análise breve da obra que deixou escrita. Pois a grande lição de Cezar é o exemplo da sua própria vida, que se podia resumir nestas palavras simples: viveu ensinando todos a serem bons e serem melhores. E a sua obra maior nunca será lida, nem compilada em algum in-folio, porque está por aí, viva, repartida e multiplicada nos discípulos que se espalham, como páginas soltas aos ventos da existência.
Sempre acompanhei mestre Cezar. Até o fim. Contradições do destino: eu, o primeiro interno, fui o seu último médico.
No leito, nos derradeiros instantes conscientes, lembrou, ainda, as palavras tristes que um dia lemos juntos e que ele repetia, com freqüência, nos últimos tempos: “diga lá fora, que seu mestre está morrendo, está morrendo e está sorrindo, somente este, o último ... é fingido”.
Desde aquele dia, passei a acreditar no lindo mito helênico, daquele pastor, que adormeceu ao luar e ficou protegido, para sempre, do tempo que passa e da ingratidão que esquece. Para todos os seus discípulos, naquele dia, mestre Cezar adormeceu ao luar.”
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